Lewandowski terá de deixar disputa bilionária da J&F para assumir Justiça
Aposentado do STF, o ex-ministro Ricardo Lewandowski se tornou uma das estrelas da J&F, holding dos irmãos Wesley e Joesley Batista, na maior disputa societária do país. Indicado ao Ministério da Justiça, ele deverá abrir mão da posição.
O que aconteceu
Lewandowski foi contratado pela J&F em maio do ano passado, uma semana depois de deixar o Supremo. O ministro assumiu a posição de consultor sênior do grupo na disputa contra a Paper Excellence pela Eldorado Papel e Celulose.
O ex-ministro escreveu um parecer, obtido pelo UOL, em defesa da anulação de sentenças que contrariavam os interesses do grupo dos irmãos Batista. Ele também atuava junto da equipe de advogados da empresa.
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São R$ 15 bilhões em disputa, em um imbróglio que se arrasta no Judiciário. O caso começou em 2017, quando a J&F vendeu ativos para quitar o acordo de leniência firmado com o Ministério Público Federal, no auge da Lava Jato. Um dos ativos foi a Eldorado.
A Paper se comprometeu a comprar a empresa de celulose e adquiriu 49% das ações ao custo de R$ 3,8 bilhões. O restante seria obtido após a Paper levantar garantias das dívidas da Eldorado, avaliadas em R$ 11 bilhões.
Há uma briga de versões. De um lado, a J&F diz que a Paper não exibiu as garantias para fechar o negócio. Do outro, a Paper afirma que os irmãos Batista criam entraves para a conclusão da venda.
O caso tramita na Justiça de São Paulo desde então, com intermináveis idas e vindas sobre a arbitragem.
O parecer de Lewandowski
Lewandowski deu um parecer no ano passado a favor da anulação de decisões da juíza Renata Mota Maciel, da 2ª Vara Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem. Ela proferiu duas sentenças favoráveis à Paper em primeira instância.
Para o ex-ministro do STF, que atuava em favor da J&F, a magistrada proferiu as sentenças apesar de uma decisão do Tribunal de Justiça paulista ter determinado a suspensão dos processos.
No documento, Lewandowski afirma que "nada, absolutamente nada" justificaria a decisão. O ex-ministro diz ainda que Renata Maciel "desrespeitou, sem rodeios, a ordem de suspensão do processo".
A recusa de um juiz ou tribunal em cumprir decisão da superior instância configura desvio de conduta da maior gravidade, eis que abala o própria conceito de unidade do poder soberano.
Ricardo Lewandowski, em parecer assinado para a J&F
Na época, o parecer se somou a um dos caminhos da J&F para travar o processo de arbitragem. No fim das contas, as sentenças de Renata Maciel foram mantidas. O julgamento do caso em segunda instância deve ser retomado no próximo dia 24.
Lewandowski tem prestígio em SP. Nos bastidores, fontes próximas ao caso avaliam que a entrada de Lewandowski na equipe também foi motivada pela influência do ex-ministro junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Antes de ser nomeado por Lula para o Supremo em 2006, Lewandowski era desembargador na Corte paulista e é próximo de magistrados que ainda atuam no tribunal.
Lewandowski só assume em fevereiro
A J&F não quis comentar sobre o caso. Não respondeu sobre a atuação nem os valores firmados em contrato com Lewandowski.
Lewandowski recebeu R$ 800 mil pelo parecer no caso, com a possibilidade de o valor ser dobrado por uma "cláusula de êxito", segundo reportagem de setembro da colunista Malu Gaspar, do jornal O Globo. Além disso, receberia R$ 250 mil mensais ao longo de dois anos.
Na ocasião, o ministro desconversou sobre os valores. "Quem me dera", respondeu ao jornal.
Ao anunciar Lewandowski para o Ministério da Justiça, Lula afirmou que ele tomará posse somente em 1º de fevereiro, pois precisaria de tempo "por motivos pessoais". "Eu sabia das atividades privadas dele [Lewandowski], conheço a família dele. Ganha o Ministério da Justiça, ganha o Supremo, ganha o povo brasileiro", disse Lula.
É esperado que neste período o ministro deixe os casos em que passou a atuar como advogado, incluindo o da J&F. O ex-ministro também deverá sair do conselho jurídico da Confederação Nacional da Indústria e do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, onde era presidente desde o começo de janeiro.
Isso ocorre porque a Lei de Conflitos de Interesses barra que um ministro de Estado, como será o caso de Lewandowski, atue como consultor ou assessor de interesses privados em qualquer um dos poderes da União, mesmo que informalmente.
No governo Lula, Lewandowski receberá R$ 44 mil mensais como ministro de Estado a partir de fevereiro.