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Brazão repetiu em 2020 versão de delegado investigado: 'Crime de ódio'

Herculano Barreto Filho e Silvia Ribeiro

Do UOL, no Rio de Janeiro*

29/03/2024 09h02Atualizada em 29/03/2024 16h45

Domingos Brazão, preso por supostamente ser um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, se defendeu do crime com versão rejeitada pela Polícia Federal e apresentada por delegado investigado.

Ele falou ao UOL em março de 2020 em duas entrevistas até agora inéditas.

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Na ocasião, Brazão sustentou a tese do "voo solo" de Ronnie Lessa —assassino confesso da vereadora e do motorista— motivado por ódio político ao PSOL e repulsa aos ideais de Marielle.

A mesma narrativa foi apresentada pela Delegacia de Homicídios da Capital em inquérito assinado por Giniton Lages, delegado subordinado a Rivaldo Barbosa.

Segundo a PF, o ex-chefe da Polícia Civil do RJ orientou a execução do crime e agiu para que o caso não fosse elucidado. Tudo sob o pagamento de propina, aponta a Polícia Federal. Já a ordem para o assassinato partiu dos irmãos Brazão (Domingos e Chiquinho, deputado federal), segundo a PF.

Domingos Brazão em entrevista ao UOL em março de 2020 Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Dias antes do isolamento social causado pela pandemia de covid-19, Brazão recebeu a reportagem na residência onde morava com a família. A casa luxuosa com piscina e sala ampla fica em um condomínio fechado na Barra da Tijuca, na zona oeste carioca.

Sentado em uma poltrona enquanto acariciava a gata de estimação, o conselheiro do Tribunal de Contas do RJ relacionou o crime ao cenário de polarização política e colocou em dúvida se o crime teria mandantes.

Você afirma que houve um mentor. Primeiro, a gente tem que saber se houve um mentor. O miliciano que fez isso foi em carreira solo mesmo. [Ele tinha] ódio do pessoal do PSOL, isso estava tudo no computador do Lessa. Estamos vivendo momentos de radicalismo político.

Brazão também ecoou o que, segundo a PF, fez parte de estratégia para afastar a investigação da esfera federal —Rivaldo é suspeito de ser o principal articulador desse plano para manter a apuração no âmbito da Polícia Civil.

"A munição que foi usada para o assassinato, segundo relatos dos próprios inquéritos, é de uso exclusivo da Polícia Federal. Até hoje, a PGR [Procurador-Geral da República] não se importou com isso", provocou.

'Eu não conhecia a Marielle'

O agora suspeito minimizou a relevância de Marielle Franco no meio político.

"Eu não conhecia a Marielle. Ouvi falar dela em dois momentos: quando foi eleita e quando foi assassinada. A Marielle ficou muito maior depois do assassinato."

18.jun.18 - Domingos Brazão foi à DH para prestar depoimento Imagem: Fabiano Rocha / Agência O Globo

Brazão também se referiu aos desdobramentos do caso Marielle como "circo" e disse que o PSOL se beneficiou politicamente do assassinato.

Tem que ter circo. Vocês estão aqui por causa disso. Vai ser importante para o PSOL, que vai eleger mais deputados. Ou você acha que o PSOL não ganha politicamente com isso? Você acha que o [Marcelo] Freixo [então liderança do PSOL e hoje PT] não está ganhando politicamente com isso?

Brazão também disse ver um cenário de impunidade em crimes políticos. "Mais de dez vereadores foram assassinados depois da Marielle Franco. As medidas que o Estado tomou não se fizeram eficazes até agora. Continuam matando do mesmo jeito."

'Beijo de Judas'

Em outubro de 2019, Brazão foi apontado como mandante do crime pela primeira vez.

Na ocasião, ele foi denunciado pela então procuradora-geral da República Raquel Dodge por suspeita de arquitetar a obstrução da investigação e tentar direcioná-la para outro caminho. Ao UOL, Brazão não poupou críticas a Dodge, a quem chamou de "louca".

Essa mulher [Raquel Dodge] poderia ter feito um trabalho muito melhor. Mas no último dia na PGR, decidiu fazer essa palhaçada [...]. Ela conta uma história afiada de que eu seria o mentor envolvido com esses milicianos. Essa mulher é louca, cara.

Dodge não foi encontrada pelo UOL para comentar os ataques.

14.mar.2019 - Ato Amanhecer por Marielle e Anderson na escadaria da Alerj Imagem: Tomaz Silva/Agência Brasil

Na denúncia, Dodge citou uma conversa telefônica entre o miliciano Jorge Alberto Moreth, o Beto Bomba, e o ex-vereador Marcelo Sicilliano, em que Brazão é apontado como mentor do crime. No diálogo, o miliciano acusa Brazão de ter encomendado o crime.

Ao UOL, o conselheiro do TCE chamou o áudio de "teatrinho".

Isso foi um teatrinho! É a gravação de um miliciano chamando ele [Siciliano] de 'chefe'. [...] Eles começam a falar no telefone, sabendo que os dois já tinham sido investigados. Mas, de repente, esquecem tudo isso. Ele [Siciliano] tem liberdade para ligar para um miliciano e ficar conversando sobre esse tipo de assunto. Eu não tenho nem o telefone deles. Você não acha que tem que ter muita proximidade?

Segundo Brazão, Siciliano o chamava de "padrinho" e cumprimentava com beijo no rosto. "É claro que ele não foi o primeiro a beijar no rosto e trair. Judas já fez isso há 2020 anos."

Meses antes, o ex-vereador chegou a ser apontado como suspeito de ter mandado Ronnie Lessa matar Marielle, versão descartada pela PF. Segundo a investigação, Beto Bomba afirma que Brazão tem relação com denúncias anônimas feitas à Polícia Civil tentando incriminar Siciliano no assassinato.

Procurado pelo UOL, Siciliano rebateu Brazão. "Judas é ele, que conspirou para acabar com a minha vida. Eu nunca abri a boca para falar desse rapaz. Quem falou dele no áudio foi o Beto Bomba. Eu não tinha motivos para criar uma história, sempre colaborei com as investigações", disse.

Fui acusado covardemente e tive a minha vida virada de ponta cabeça. Mas estou feliz que esse pesadelo acabou. [Após a prisão dos supostos mandantes,] parecia que tinha saído uma tonelada das minhas costas.
Marcello Siciliano

Irmãos Brazão e delegado Rivaldo Barbosa Imagem: Arte/UOL

Ao UOL, o conselheiro do TCE também chegou a falar com simpatia de Marcus Vinicius Reis dos Santos, o Fininho. Segundo a PF, o miliciano é um dos suspeitos de ter cedido a arma para o assassinato após reunião relatada por Ronnie Lessa com os irmãos Brazão.

"Ele [Fininho] tocava um programa de esportes em uma comunidade de Rio das Pedras. Mas não tinha relação nenhuma com ele. Até vou te falar: nunca vi nada que desabonasse a conduta desse rapaz", afirmou Brazão.

Ainda que negasse relação com a milícia, Brazão disse nunca ter sido intimidado por paramilitares.

Eu já passei por constrangimentos. Já tomei dura do tráfico no Jacarezinho, na Ilha do Governador. Da milícia, não. Porque a milícia tem ex-policiais, policiais da ativa, bombeiros. Os caras têm mais juízo do que traficante. Você acha que eles iriam se meter com um deputado?

O que dizem os citados

A defesa de Domingos Brazão afirmou que ele nega envolvimento com o crime. "Delações não devem ser tratadas como verdade absoluta, especialmente quando se trata da palavra de criminosos que fizeram dos assassinatos seu meio de vida".

O deputado federal Chiquinho Brazão fala por zoom em sua defesa após prisão Imagem: Reprodução

O deputado federal Chiquinho Brazão, irmão de Domingos, também negou envolvimento no crime e disse que seu convívio com Marielle era "amistoso e cordial" quando ambos atuavam na Câmara Municipal do Rio.

Alexandre Dumans, advogado do delegado Rivaldo Barbosa, disse que a citação ao ex-chefe da Polícia Civil do RJ na delação premiada é fantasiosa e frágil. "[A delação] não traz outros elementos, a não ser a voz isolada de Ronnie Lessa. [O relatório da PF] é um linchamento precipitado", disse.

Ao Fantástico, da TV Globo, Giniton Lages afirmou que na época que presidiu o inquérito policial fez toda a investigação necessária para elucidar o caso. Segundo ele, só não foi possível resolvê-lo em sua integridade porque foi tirado da investigação no dia seguinte às prisões de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz. Alvo de mandado de busca e apreensão, Giniton teve o passaporte apreendido e foi obrigado a usar tornozeleiras eletrônicas.

*Com Igor Mello (reportagem) e Taís Vilela (vídeo), colaboração para o UOL

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