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Elon Musk infla rede bolsonarista e mira interesses comerciais do X

Do UOL, em São Paulo

08/04/2024 04h00Atualizada em 08/04/2024 14h39

As declarações do bilionário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), unem os interesses comerciais do bilionário aos objetivos políticos e eleitorais dos seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), segundo especialistas ouvidos pelo UOL.

O que aconteceu

Censura e impeachment, sugeriu Musk. Desde sábado (6), Musk afirmou que decisões de Alexandre contra discursos golpistas no X atentam contra as leis e a Constituição do Brasil. Primeiro, perguntou ao ministro, no X, "por que tanta censura no Brasil". Depois, disse que "esse ministro tem traído repetida e descaradamente a Constituição e o povo do Brasil. Ele deve renunciar ou ser sofrer impeachment".

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Twitter Files como argumento. Na quarta (3), o jornalista ativista norte-americano Michael Shellenberger publicou o que chamou de "Twitter Files Brazil": uma série de prints de comunicações do antigo diretor jurídico do Twitter no Brasil discutindo solicitações do Judiciário, do Congresso e do Ministério Público de acesso a dados de usuários e de exclusão de publicações.

Postagens violentas, conteúdo preconceituoso e desinformação. Alguns dos perfis citados divulgavam mentiras para tentar desacreditar o sistema eleitoral brasileiro. Outros, eram postagens com conteúdo violento, preconceituoso ou com desinformação sobre saúde.

Promessa de revelações. Na tarde de sábado (6), Musk chegou a escrever que revelaria "em breve" tudo o que Alexandre de Moraes vem exigido do X e "como esses pedidos violam a lei brasileira".

Rede bolsonarista ativada. As declarações movimentaram as redes bolsonaristas, e Bolsonaro divulgou um vídeo de 2022 em que chama Musk de "mito da nossa liberdade" — na ocasião, o bilionário estava no Brasil para negociar a autorização do governo brasileiro para que a Starlink, outra de suas empresas, pudesse operar no país.

Bolsonaro chamou Musk de "mito da liberdade" durante live na noite de domingo (8), ao lado dos filhos Eduardo e Carlos. O ex-presidente afirmou que agora há um "apoio de fora do Brasil muito forte", em referência ao bilionário, e falou que "grande parte da liberdade" nas redes sociais no Brasil "está nas mãos dele".

Justificativa para falta de moderação. Fábio Malini, coordenador do Labic (Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura) da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) diz que Musk se aproveita da campanha permanente que bolsonaristas mantêm contra Moraes e o STF para "justificar a falta de moderação e de medidas de responsabilização [a quem publica conteúdo falso ou golpista] por parte do X".

Mas não há censura, diz ele. No X, Malini apresentou um gráfico segundo o qual as contas que mais repercutiram as falas de Musk neste final de semana são as que supostamente foram alvo de "censura judicial".

Argumento de que é grande empresário. "É muito mais uma tentativa de preservação da empresa se utilizando dos aliados na cena pública que estão em campanha contra o ministro Alexandre, tentando colar o argumento de que Musk é um grande empresário que deixou o Brasil por causa da censura e não se rendeu", comenta.

Musk e extrema direita brasileira. A escritora Michele Prado, hoje pesquisadora do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da USP (Universidade de São Paulo), observa que a relação de Musk com a extrema direita brasileira "é antiga" e já vem "pelo menos desde 2022", por meio de figuras conhecidas do bolsonarismo, como Paulo Figueiredo, Monark e Rodrigo Constantino.

Negócios de Musk enfrentam dificuldades. David Nemer, professor do Departamentos de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, chama a atenção para a questão comercial que a ação de Musk acaba envolvendo. "Parece comportamento de cachorro acuado", afirma. Isso porque os negócios de Musk enfrentam algumas dificuldades.

X vale 70% menos do que quando foi comprado por empresário. Musk comprou a empresa em outubro de 2022, quando ela ainda se chamava Twitter, por US$ 44 bilhões. Em janeiro deste ano, a companhia foi avaliada em US$ 12,5 bilhões, numa desvalorização de mais de 70% em um ano e meio, conforme a avaliação de um dos principais acionistas divulgada pelo site de notícias Axios.

Menos usuários, menos anunciantes. "O Brasil virou um dos maiores mercados para o X, só que o número de usuários ativos vem caindo, o que tem também reduzido o número de anunciantes", afirma Nemer.

Tesla, fabricante de veículos elétricos de Musk, também enfrenta dificuldades. Entre 2022 e 2023, o lucro antes de impostos da empresa caiu de US$ 13,7 bilhões para US$ 9,9 bilhões, segundo suas demonstrações financeiras — o lucro líquido cresceu entre um ano e outro, mas só porque a Tesla foi beneficiada por uma "decisão tributária", de acordo com o balanço. E de janeiro para cá, a empresa perdeu 44% do seu valor de mercado na bolsa de valores Nasdaq, nos Estados Unidos

No caso da Starlink, companhia de internet por satélite de Musk, houve a questão política. Em agosto de 2023, o Ministério da Educação divulgou um edital para contratação de internet por satélite para escolas que não podiam ser atendidas por fibra ótica. Uma das exigências fazia com que só a Starlink pudesse se habilitar no certame.

Recuo em edital. Depois da divulgação do caso pela BBC Brasil e pelo Estadão, o governo recuou do edital e retirou a exigência. E aí a Starlink desistiu do contrato. "Dá para falar que ele apresenta um comportamento desesperado por causa disso", resume David Nemer.

Questões políticas

Musk também está de olho na tramitação do Projeto de Lei 2630, que ficou conhecido como PL das Fake News. A intenção do projeto é criar obrigações para as plataformas de redes sociais e punições em caso de desrespeito.

Sem acesso a dados do X. Uma das previsões é que as empresas do setor monitorem a divulgação de desinformação ou conteúdo golpista em seus serviços e as retirem do ar. Outra, que as plataformas liberem acesso aos seus dados - e o Twitter, depois da compra de Musk, fechou o acesso público a esses dados, e agora cobra pelo download.

Vítima do fechamento de dados. Fábio Malini, da Ufes, afirma que Musk considera essas obrigações uma forma de censura. Mas, segundo ele, é impossível constatar se há mesmo discursos sendo impedidos de circular no X justamente porque Musk proibiu o acesso grátis aos dados da plataforma. "Ele acabou sendo vítima da própria medida", afirma o pesquisador.

Falta de regulação. Nesse contexto, "isso joga contra a própria empresa", segundo Malini. "Mostra para aqueles que ainda não se posicionaram que um bilionário está querendo mandar e desmandar no país. É um exemplo bem claro do que a falta de regulação pode trazer", diz.

Antecipar descumprimento do TSE nas eleições deste ano. João Brant, secretário de Políticas Digitais da Secom da Presidência da República, disse no X que "Musk resolveu defender golpistas e escalar o tema por motivos políticos (possivelmente também comerciais), provavelmente antecipando descumprimento da resolução do TSE para as eleições 2024".

Obediência na Europa, desobediência no Brasil. Pesa ainda contra a empresa o descumprimento de uma resolução do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que obriga as plataformas de redes sociais a manter um banco de dados sobre os anúncios políticos. O X cumpre essa obrigação na Europa, mas não no Brasil, segundo o advogado Humberto Ribeiro, diretor jurídico do grupo Sleeping Giants Brasil.

Lei do mais forte embaixo do radar. Segundo David Nemer, "eles [X] querem se autorregular e impor um entendimento de liberdade de expressão que não existe. Liberdade de expressão é regulada no Brasil e nos Estados Unidos". Malini resume: "Ele tenta instituir a lei do mais forte. Numa sociedade sem regras, o forte sempre vence. Então ele tenta impor essa retórica para tentar levar vantagem, ou para passar embaixo do radar".

Reações no Brasil. Os tuítes de Musk não ficaram sem resposta. Primeiro, o advogado-geral da União, Jorge Messias, falou no próprio X sobre a necessidade da regulação das redes sociais. Também o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) relator do PL das Fake News, disse que pretende botar o projeto em pauta.

Investigado em dois inquéritos. Na noite de domingo (7), o ministro Alexandre de Moraes incluiu Musk nos inquéritos que investigam as milícias digitais e os atos golpistas.

Para David Nemer, Musk desconhece a realidade do Brasil. Ele cita o exemplo do Telegram, que quase foi desativado no Brasil por desrespeitar decisões do ministro Alexandre, e o "desdém" com que os usuários brasileiros do X têm tratado a possibilidade de a empresa parar de funcionar no país.

Oportunista da liberdade de expressão

Sobrevivência do X. Mas há quem duvide das intenções do dono do X com esses ataques ao ministro. Para Nemer, "Musk está fazendo isso pela sobrevivência da plataforma dele, que está em decadência, e não pela liberdade de expressão".

X mais obediente depois de Musk. Segundo reportagem do site Rest of World, especializado em notícias sobre tecnologia, o X hoje cumpre mais ordens de remoção de conteúdo e entrega de dados do que antes da compra por Elon Musk. Antes da aquisição, o Twitter cumpria com 50% das ordens de remoção. Depois, passou a cumprir 83%, segundo o site.

Musk é chamado de "oportunista" na Turquia. Na Turquia, Musk passou a ser chamado pela imprensa de "oportunista da liberdade de expressão", depois de o X anunciar, em maio de 2023, que restringiria o acesso a "alguns conteúdos no país", depois de ordem governamental, conforme reportagem do site Business Insider.

Ameaça não cumprida. No Brasil, Musk chegou a dizer que revogaria a suspensão de contas do X, que haviam sido bloqueadas por ordem judicial. Até agora, não revogou.

E o X informou, em nota oficial, que recorreria das decisões das quais discorda.

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