Emendas: Congresso ignora STF, mantém obscuridade e se preserva de bloqueio
O Senado, em parceria com a Câmara, está tentando dar um truque no Supremo ao votar o projeto para disciplinar as emendas parlamentares. O texto
a: ignora o que havia sido acordado pelos Três Poderes;
b: mantém, de modo oblíquo, alguns bilhões na conta do "Orçamento Secreto". Ainda que tenha outro nome, tem igual perfume, como escreveria o poeta -- ou "fedor", como escrevem nossos legisladores.
O texto para disciplinar as emendas já havia sido aprovado na Câmara, foi modificado no Senado e retorna à Casa original. A execução das emendas foi suspensa pelo ministro Flávio Dino, do Supremo, por falta de transparência, como se sabe. Não parece que o texto resolva o problema.
CORTE DE GASTOS
Há um berreiro gigantesco no país em favor do corte de gastos. A oposição ao governo tonitrua essa necessidade a todo instante, jogando a responsabilidade apenas nas costas do Executivo. Pois bem: a Câmara já havia recusado a possibilidade de o governo bloquear emendas quando houver a necessidade de cortar gastos para cumprir o arcabouço fiscal. Há duas maneiras de reter recursos:
1) contingenciamento e
2) bloqueio.
No primeiro caso, havendo receitas menores do que o esperado, então se "contingencia", e o dinheiro não é liberado. No segundo caso, bem mais efetivo, o que determina o corte é a elevação das despesas. As emendas parlamentares impositivas (individuais e de bancada) só podem ser contingenciadas. Vale dizer: se a receita não caiu, o dinheiro dos senhores parlamentares está assegurado, ainda que o governo seja obrigado a fazer cortes em todas as outras áreas. É claro que se trata de uma aberração porque, a rigor, todos estão obrigados a cumprir o arcabouço fiscal, que também tem a despesa como referência. Os bonitos do Parlamento não.
Reitero: a Câmara já havia recusado a hipótese do bloqueio, que foi resgatada no Senado. Mas um destaque do PL, de que foi porta-voz o senador Rogério Marinho (RN), líder do partido, propôs derrubá-lo. Ele, claro!, um arauto do corte de gastos (desde que não para si e sua turma) disse que o fez em nome da independência do Poder.
No acordo firmado entre os Poderes, as emendas de bancada não seriam individualizadas e se destinariam a projetos estruturantes. Da forma como ficou o texto, diz a Consultoria do Senado, a individualização ainda é possível, e se alargou de tal sorte o conceito de "projetos estruturantes" que tudo cabe lá dentro.
Também pouco muda com as emendas de comissão (não impositivas). Em princípio, deveriam ser indicadas pelas Comissões Temáticas das Casas. Na prática, o que se tem é a prevalência da vontade dos parlamentares mais influentes. E assim continuará porque a tarefa caberá, segundo o texto aprovado, aos líderes partidários. As emendas PIX seguirão sendo depositadas diretamente no caixa das Prefeituras, ainda que se exija que o Parlamento informe como o dinheiro deve ser gasto. O fato é que inexiste um mecanismo para avaliar se o recurso está sendo corretamente aplicado. Também se derrubou a obrigatoriedade de destinar 50% do valor das emendas de comissão para a Saúde.
PEQUENA VITÓRIA
Haverá R$ 39 bilhões no ano que vem para emendas individuais e de bancada. As de comissão somarão R$ 11,5 bilhões. A partir de 2026, as duas primeiras passam a ser corrigidas pela inflação mais o percentual de expansão de gastos permitido pelo arcabouço: de 0,6% a 2,5%. E as outras serão corrigidas pela inflação.
SÍNTESE
A síntese é a seguinte, caso tudo fique como está:
- há um certo avanço ao se impor uma regra para a correção dos valores das emendas, mas o montante segue pornográfico. Um exame feito pela CGU sobre a destinação desse recursos revelou um circo de horrores e uma folia formidável envolvendo ONGs obscuras e outras patranhas;
- embora haja "patriotas" em penca a vociferar em favor do corte de gastos, a exemplo de Marinho, a verdade é que o Parlamento tem o topete de dizer: "Ele não vale para nós!";
- o texto tenta dar um truque no Supremo; a destinação dos recursos continuará obscura, ofendendo o Artigo 37 da Constituição.
Vale dizer: a decisão do tribunal não estará sendo cumprida se prevalecer esse texto. Ou melhor: a disposição constitucional — explicitada pela Corte, que se viu obrigada, no exercício da Carta, a suspender e execução das emendas — seguiria sendo desrespeitada.
CONCLUO
Sendo assim, que a execução das emendas continue suspenda.
Sei, aí o senador Rogério Marinho e seus bambas esfregarão as mãos freneticamente: "Assim é que é bom! Quem sabe a gente crie um clima em favor do impeachment de algum magistrado..." Quem seria?
O que se passa com a execução do Orçamento no Brasil é uma vergonha única nas democracias. Inventou-se uma ditadura parlamentar sobre uma fatia bilionária de recursos. E os destemidos estão convictos de que não devem satisfações aos brasileiros, à Constituição e às instituições. É o que o senador Marinho chama de "independência do Parlamento".
É tal a "independência" que a reivindicam até contra a Constituição.