Sem controle da PF, rota de fugitivos do 8/1 tem táxi para foragidos
A fronteira de Foz do Iguaçu (PR) com a Argentina é uma das rotas usadas por foragidos do 8 de Janeiro que quebraram a tornozeleira eletrônica, segundo relataram fugitivos que hoje moram no país vizinho e entraram com pedido de refúgio junto ao governo argentino.
O UOL apurou que ao menos seis condenados e réus dos ataques golpistas aos Três Poderes usaram essa rota nos últimos dois meses.
Um dos foragidos ingressou ilegalmente no país vizinho na garupa de uma moto após ser barrado pela Argentina na fronteira com Foz. Os demais fizeram uso de um mesmo serviço de táxi, compartilhado entre fugitivos que realizaram essa travessia.
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Investigação do UOL identificou outras quatro rotas usadas pelos fugitivos (veja abaixo).
Neste mês, uma operação da Polícia Federal mirou 209 condenados e investigados pelos atos golpistas após reportagem do UOL revelar as fugas. A PF estima que cerca de 180 envolvidos nos ataques possam estar em outros países da América Latina, como Argentina, Uruguai e Paraguai. Os fugitivos se dizem inocentes e perseguidos políticos.
A reportagem esteve no último domingo (9) nos postos das polícias Federal e Rodoviária Federal do Brasil na fronteira de Foz do Iguaçu com Puerto Iguazú (Argentina), região da tríplice fronteira. O UOL constatou que não há qualquer controle ou fiscalização sobre os carros que deixam o país.
A fiscalização do setor de imigração argentino se dá, contudo, tanto para quem chega a Puerto Iguazú como para quem deixa essa cidade com destino a Foz.
Travessia em táxi e entrada ilegal em moto
Um dos condenados a mais de 17 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado disse à reportagem que fugiu para a Argentina no começo de abril pela fronteira de Foz. O foragido —que falou ao UOL sob a condição de anonimato— disse ter rompido a tornozeleira antes da fuga. Ele afirmou que pediu refúgio político ao governo de Javier Milei.
O fugitivo contou que tomou um táxi, previamente contratado, na Rodoviária Internacional de Foz do Iguaçu para fazer a travessia até a Argentina. Segundo ele, a corrida teria custado R$ 130.
O contato desse taxista foi compartilhado entre grupos de brasileiros que fugiram para a Argentina e fizeram o mesmo trajeto utilizando esse serviço de táxi. O UOL não identificou o motorista.
Segundo o foragido, uma revista foi feita em Puerto Iguazú. Ele não foi retido porque seu nome não estava na lista da Interpol (polícia internacional). Já do lado do Brasil, não houve qualquer tipo de checagem de identidade ou revista por parte da PF. No momento da fuga, ainda não havia mandado de prisão contra esse réu.
Ele relatou que outro fugitivo do 8 de Janeiro foi barrado na fronteira por autoridades argentinas. O RG dele foi rejeitado por estar desatualizado, segundo o foragido. Na Argentina, o cidadão brasileiro pode ingressar com passaporte ou RG (a data de emissão não deve exceder dez anos).
Um motoqueiro teria levado um condenado a 17 anos de prisão para Puerto Iguazú. A travessia se deu em meio a um matagal. O foragido contou que o fugitivo quase perdeu as malas na travessia.
Sem fiscalização
Questionados sobre os táxis que fazem esse serviço de traslado, policiais federais que faziam plantão no último domingo disseram que qualquer carro pode deixar o Brasil sem fiscalização e que não há uma lista de automóveis autorizados a cruzar a fronteira.
Outros funcionários que atuam nesse trecho da fronteira brasileira reiteraram que o Brasil não controla quem sai do país -seja de carro, de ônibus ou a pé.
Questionados sobre o risco de pessoas foragidas cruzarem a fronteira, um servidor ironizou dizendo que, se a pessoa for barrada, isso ocorrerá do lado argentino, e não no Brasil.
O funcionário disse que foragidos sem pedido de captura internacional passam sem problemas pela fronteira de Foz. Ele sugeriu que "presos políticos" não terão impedimentos ali. Já a Ponte da Amizade, em Ciudad del Este, no Paraguai, tem muito policiamento, completou.
A fronteira de Foz e Puerto Iguazú é uma região afastada do centro urbano, localizada em um terreno aberto e rodeado de verde. Ali ficam os prédios da Receita Federal, Imigração e da PF.
Uma motorista de aplicativo, que leva passageiros diariamente de Foz até a fronteira com a Argentina, relatou que o mais comum é que o taxista deixe o passageiro no país vizinho e volte para o Brasil, sem precisar dar entrada na Argentina.
Outras rotas usadas por fugitivos do 8/1
Rota 1. De ônibus de São Paulo para Montevidéu, no Uruguai, passando pela fronteira do Rio Grande do Sul, em Chuí. De lá, seguem para a Argentina de ônibus. Essa rota foi descrita por fugitivos ouvidos pelo UOL.
Rota 2. Chega-se ao RS e dirige-se até Santana do Livramento (RS), que tem fronteira seca com a cidade de Rivera, no Uruguai. De lá, entram no país. Podem se dirigir à Argentina. Essa rota foi identificada pelo setor de inteligência da PF.
Rota 3. Chega-se ao sudoeste do Paraná ou ao noroeste de Santa Catarina. Usam as cidades de Barracão (PR) ou Dionísio Cerqueira (SC). Vizinhas, elas fazem fronteira seca com a Argentina. Essa rota foi usada em fugas, segundo investigadores.
Rota 4. Chegam a Foz do Iguaçu (PR) e tentam entrar em Ciudad del Este, no Paraguai. Essa rota foi relatada por oficiais de inteligência da Abin e militantes ao UOL.
Fugas utilizaram rota de contrabandista, diz procurador
Sob reserva, um procurador do Ministério Público Federal disse ao UOL que "não é difícil" fazer a travessia para países vizinhos porque a fronteira seca é grande e, no caso dos bolsonaristas, muitos fugiram antes de seus mandados de prisão terem sido emitidos.
Não existe um sistema que indique quem quebrou tornozeleira e as administrações penitenciárias -mantidas pelos governos estaduais- não têm feito alertas às polícias civis e militares ou à PF.
Para o procurador, as fugas feitas com moto se valeram de rotas de contrabandistas em Foz do Iguaçu. Segundo ele, o problema está em todo o sistema de Justiça e na impossibilidade de fazer tantos postos migratórios em uma fronteira extensa.
PF silencia sobre controle de fronteiras
Responsável pelo controle das fronteiras, a PF não concedeu entrevistas ao UOL sobre o tema. O Ministério da Justiça, que possui uma Coordenação Geral de Fronteiras, também não prestou esclarecimentos. O espaço segue aberto.
O coordenador de combate ao crime da PRF, Allysson Simensato, disse que sua corporação não tem a função de patrulhar fronteiras, mas as rodovias federais -muitas delas levam a essas divisas.
Ele explicou que, ao abordar uma pessoa, o policial na estrada sempre consulta se há mandados de prisão em aberto no sistema público do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e se há algum alerta no sistema de veículos, como roubos ou restrições.
Mas, quando tornozeleiras são quebradas e a pessoa foge, não há tempo para o mandado de prisão ser expedido, e os governos estaduais não fazem alertas, afirmou Simensato.
"São várias pessoas no regime aberto usando tornozeleira e que tem essa possibilidade de burlar, arrancar. Não tem muito o que fazer em relação a isso", disse ele.
Ainda assim, a PRF atua de maneira conjunta em fiscalizações especiais, quando solicitada pela PF ou pelo Judiciário, destacou Simensato. Para os condenados por ataques golpistas, não houve pedido algum. "Até agora, a gente não foi solicitado [para] algum tipo de apoio."