Maconha foi liberada? Entenda decisão do STF sobre descriminalização
O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria nesta terça-feira (25) para descriminalizar o porte de maconha para o uso pessoal. Mas, com isso, a maconha passa a ser liberada no país? A pergunta é uma das mais pesquisadas no Brasil, segundo o Google Trends.
O que aconteceu
O porte para consumo pessoal deixa de ser crime. Caso um usuário seja pego com uma quantidade de maconha — que ainda será definida pelo STF — para uso próprio, ele estará cometendo um ato ilícito, mas sem possibilidade de pena.
Consumo em local público continua proibido. "O plenário do STF, por unanimidade, considera que o consumo de drogas ilícitas é uma coisa ruim e que o papel do Estado é combater o consumo, evitar o tráfico e tratar os dependentes", afirmou Barroso ao anunciar o resultado por maioria pela descriminalização.
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O ministro relator Gilmar Mendes pediu a palavra em meio à sessão para frisar o posicionamento pela natureza ilícita. "É bom deixar bem claro que em todos os votos que nós trouxemos ninguém partiu da premissa de que a droga é positiva. Pelo contrário, estamos afirmando que se trata de uma infração e que é necessário que haja tratamento às pessoas viciadas", disse.
Decisão do STF de hoje não legalizou a maconha. Para isso ocorrer, é preciso de novas leis e da regulamentação do tema — o que é de responsabilidade do Congresso. Uma nova sessão da Corte para delimitar critérios está marcada para esta quarta-feira (26).
Deixar bem claro que não estamos em nenhum momento fazendo um liberou geral, fazendo uma liberação de drogas para fins recreativos. A premissa nossa é que a droga causa danos, sim, às pessoas e que as pessoas precisam ser tratadas quando são viciadas.
Gilmar Mendes, ministro do STF
Toffoli pede para apresentar novamente o voto
Até semana passada, eram 5 votos favoráveis à descriminalização do porte e 3 contrários. Na última quinta-feira, Toffoli abriu uma nova divergência, defendendo que a lei já presume que o ato de portar drogas não é crime e que, portanto, não fazia sentido votar pela descriminalização. Com o voto dele, o julgamento foi suspenso e, segundo a assessoria do STF, o placar estava em 5-3-1.
Nesta terça, porém, Toffoli pediu para pronunciar novamente seu voto. Ele disse que talvez não o tivesse explicado corretamente e apresentou de maneira diferente. O ministro votou com a maioria, considerando que o porte de drogas não é crime. Ele reiterou que considera que a própria lei já não criminaliza o porte, mas admitiu que, no julgamento específico, estava de acordo com a maioria.
Voto de Toffoli foi considerado "confuso" na visão de advogados criminalistas que acompanharam o julgamento. "A fundamentação do voto foi bem feita, mas, na prática, na parte dispositiva, ele vota com os ministros que criminalizam o porte pessoal da maconha", afirma Cristiano Maronna, diretor da plataforma Justa, organização que atua no campo da economia política da justiça.
Toffoli abre uma "terceira via" no julgamento. O ministro votou para manter válido o artigo da Lei de Drogas sobre entorpecentes para consumo próprio. Para ele, a legislação sobre o tema é constitucional e não criminaliza o usuário. "Ele propõe que haja um apelo ao poder legislativo para que os critérios sejam fixados em até 180 dias", afirma Maronna.
Voto buscou envolver outros poderes. Segundo Maronna, a exposição do ministro tentou "evitar o desgaste". "Mas, um julgamento que vem desde 2015, dar mais 180 dias para que haja uma solução negociada pelo Congresso, é ainda mais complexo", avalia o advogado.
Apelo de Toffoli ao Congresso tem "poucas chances de vingar", na avaliação de advogados. Isso porque o plenário do Senado aprovou, na terça-feira (16), a PEC 45/2023 sobre as drogas que prevê a criminalização do porte e posse de qualquer quantidade de substância ilícita entorpecente - como maconha, cocaína e ecstasy. A proposta está em análise na Câmara dos Deputados.
Julgamento sobre a descriminalização expõe lado político da Corte. Para o advogado Joel Luiz Costa, diretor-executivo do Instituto de Defesa da População Negra, o STF tem adotado posições politizadas. "Esse voto reflete um diálogo com o Congresso, mostrando que os ministros estão atravessados por votos políticos, o que é algo problemático", avalia.
"Relação harmônica entre os poderes é uma coisa, submissão é outra", diz Maronna. O advogado lembra que o julgamento que chegou à Corte em 2011 e é julgado desde 2015, é um dos mais polêmicos e politizados da história. "Após vários pedidos de vistas, com finalidades obstrutivas, quando se delineava um final, o voto de Toffoli obstruiu ainda mais o processo", diz o advogado.
O STF tem se mostrado uma corte politizada, há uma contaminação política. Ainda que haja outros votos nas próximas sessões, o posicionamento do Toffoli joga a 'decisão' para os demais poderes.
Joel Luiz Costa, diretor-executivo do Instituto de Defesa da População Negra
Cabe ao Congresso Nacional empreender as medidas legislativas necessárias aos avanços da política atual de repressão ao tráfico de drogas e ao tratamento dos usuários com enfoque em saúde e recuperação, em vez de mera criminalização. Estou convicto de que tratar o usuário como tóxico delinquente, aquele que é um criminoso, não é a melhor política de um Estado Democrático de Direito.
Dias Toffoli, ministro do STF