Nunes prometeu barrar compra, mas mantém contrato para 661 novos radares
Dois meses depois de prometer barrar a instalação de novos radares na cidade de São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) manteve os contratos para comprar 661 equipamentos, sem qualquer mudança.
O que aconteceu
A prefeitura promete não instalar os radares mas, para isso, a lei exige alterar os contratos. Eles somam R$ 1,2 bilhão em uma licitação vencida por oito empresas para instalar 661 equipamentos na cidade.
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Após repercussão negativa sobre os novos contratos, Nunes foi a público prometer que nenhum novo radar seria instalado em São Paulo. Na ocasião, ele divulgou a publicação de um decreto. O texto, de abril, afirma que "fica vedado o aumento quantitativo de radares de trânsito no município, ficando qualquer alteração condicionada a análise prévia".
Nunes chegou a dar uma reprimenda no secretário de Mobilidade Urbana, Celso Gonçalves Barbosa. "Ontem eu quase demiti o secretário. A nossa política pública é de você não ficar fazendo arrecadação, colocando radar para arrecadação", disse ele à imprensa.
O decreto, porém, é insuficiente para invalidar ou alterar os contratos, assinados em janeiro. "A Lei de Licitações prevê que as alterações contratuais precisam ser objeto de aditivos porque, com as mudanças, os contratos precisariam ser reequilibrados", explica a advogada Vivian Ferreira, especialista em direito público.
O artigo 124 da Lei de Licitações diz que a prefeitura precisa alterar o contrato quando, "unilateralmente":
- a) Houver modificação do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica a seus objetivos;
- b) For necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto.
O artigo 130 da mesma lei reforça a necessidade de mudar o contrato. A alteração é necessária caso a contratante [prefeitura] "aumente ou diminua os encargos [compromissos] do contratado". Esse é o caso em questão, já que as empresas deixariam de instalar os 661 radares. "A Administração deverá restabelecer, no mesmo termo aditivo, o equilíbrio econômico-financeiro inicial", diz a lei.
Se contrataram 200 radares da empresa x, essa empresa tem a expectativa de instalar todos. Quando a prefeitura edita um decreto, essa é uma decisão unilateral, já que ele não existia no momento da licitação.
Vivian Ferreira, advogada
Contratos estão valendo sem mudança
A prefeitura confirmou ao UOL que os compromissos das empresas mudaram, mas os contratos não. "Os contratos estão vigentes", afirmou em nota. As empresas, agora, cuidariam apenas das outras atividades previstas nos documentos: "Manutenção, atualização tecnológica, geração e gestão de dados", diz em nota.
A Secretaria de Mobilidade Urbana diz que não precisa adequar os valores do contrato porque "não se trata de valor fechado". "A remuneração contratual é realizada a partir da medição da produtividade", afirma.
A especialista em direito público discorda. Ela explica que é com a quantidade de equipamentos solicitada pela prefeitura que as empresas oferecem sua oferta na licitação. O preço seria um para 100 radares e outro para 200, por exemplo. "Quando isso muda, todo o planejamento da empresa muda também, afetando seus gastos", afirma.
Caso haja um motivo legítimo para não instalar esses radares, teria de haver um aditamento. Caso contrário, a prefeitura corre o risco de essas empresas buscarem indenização.
Vivian Ferreira, advogada
Com menos radares, a "produtividade" das empresas também seria alterada por decisão unilateral do prefeito. Isso influenciaria na remuneração, outro motivo para processar a prefeitura, diz a especialista. "A empresa faz a conta do valor a ser recebido de acordo com o número de equipamentos", diz.
Até empresas que desistiram da licitação poderiam recorrer à Justiça. Se os contratos previssem a metade dos equipamentos, por exemplo, outras companhias poderiam ter participado e oferecido preço menor. "Essas empresas podem ir atrás de uma indenização por causa disso", diz a especialista.
Medida foi eleitoreira?
Sem as mudanças, é possível instalar os radares depois da eleição. Os contratos, com duração de cinco anos, preveem que os equipamentos sejam implantados em até um ano, prazo que se encerra em janeiro, três meses depois da campanha eleitoral.
Claro que proibir novos radares por decreto é o tipo de decisão com apelo popular. Não seria descabido cogitar a possibilidade de aspecto político na decisão.
Vivian Ferreira, advogada
A cidade permanece com os mesmos 877 pontos de fiscalização eletrônica existentes.
Secretaria de Mobilidade Urbana
Mortes no trânsito aumentam
O número de mortes no trânsito subiu de 917 para 987 de 2022 para 2023. Foi o maior número desde 2017, quando 886 morreram. O recorde foi em 2015, como 1.129 óbitos, segundo dados do Infosig, o sistema de informações de acidentes de trânsito do governo estadual.
"Prefeitura adota medidas para proteger a vida no trânsito", dizia a CET quando deu publicidade à instalação dos radares. A empresa, vinculada à Secretaria de Mobilidade Urbana, justificou a medida citando estudo da OMS segundo o qual "o excesso de velocidade é um dos principais fatores para que ocorram sinistros de trânsito no mundo".
Os novos equipamentos vão coibir comportamentos que prejudicam a segurança viária, como o excesso de velocidade, o desrespeito à faixa de travessia de pedestres e à sinalização semafórica, além de conversões proibidas e, dessa forma, contribuem para o menor número de sinistros, principalmente na redução da severidade das lesões e ocorrência de mortes.
CET, em comunicado de 8 de abril
O decreto de Nunes diz que a prefeitura deve priorizar "projetos de inovações" para reduzir as mortes no trânsito. "Como o Programa Faixa Azul, Programa Áreas Calmas e Programa Cicloviário", diz o documento. Desde 2022, quando mais de 98 quilômetros de faixa azul foram instaladas na cidade, nenhum motociclista morreu utilizando essas faixas.