Porte da maconha: STF retoma julgamento, após Toffoli embaralhar debate
O STF (Supremo Tribunal Federal) retomar nesta terça-feira (25) o julgamento sobre a descriminalização do porte da maconha para uso pessoal. Na semana passada, o voto do ministro Dias Toffoli embaralhou a votação.
O que aconteceu
Faltam votar os ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia, mas os demais ministros, que já votaram, ainda podem mudar os votos. Contudo, advogados consultados pelo UOL acreditam que o voto de Toffoli, mesmo abrindo uma terceira via de discussão, não deve influenciar os votos restantes.
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Cármen Lúcia disse em evento que o uso de drogas deve ser encarado como "questão de saúde, não política". Em 2021, no evento Cannabis Affair, ela defendeu que o poder público deve investir em políticas públicas de saúde. "Essa é uma questão de saúde, não de polícia. Quem porta a droga e faz uso da droga não necessariamente comete um crime que pode ser equiparado a práticas que são realmente nocivas à sociedade, como o tráfico", disse na ocasião.
Voto de Toffoli foi considerado "confuso" na visão de advogados criminalistas que acompanharam o julgamento. "A fundamentação do voto foi bem feita, mas, na prática, na parte dispositiva, ele vota com os ministros que criminalizam o porte pessoal da maconha", afirma Cristiano Maronna, diretor da plataforma Justa, organização que atua no campo da economia política da justiça.
Toffoli abre uma "terceira via" no julgamento. O ministro votou para manter válido o artigo da Lei de Drogas sobre entorpecentes para consumo próprio. Para ele, a legislação sobre o tema é constitucional e não criminaliza o usuário. "Ele propõe que haja um apelo ao poder legislativo para que os critérios sejam fixados em até 180 dias", afirma Maronna.
Voto buscou envolver outros poderes. Segundo Maronna, a exposição do ministro tentou "evitar o desgaste". "Mas, um julgamento que vem desde 2015, dar mais 180 dias para que haja uma solução negociada pelo Congresso, é ainda mais complexo", avalia o advogado.
Apelo de Toffoli ao Congresso tem "poucas chances de vingar", na avaliação de advogados. Isso porque o plenário do Senado aprovou, na terça-feira (16), a PEC 45/2023 sobre as drogas que prevê a criminalização do porte e posse de qualquer quantidade de substância ilícita entorpecente - como maconha, cocaína e ecstasy. A proposta está em análise na Câmara dos Deputados.
Julgamento sobre a descriminalização expõe lado político da Corte. Para o advogado Joel Luiz Costa, diretor-executivo do Instituto de Defesa da População Negra, o STF tem adotado posições politizadas. "Esse voto reflete um diálogo com o Congresso, mostrando que os ministros estão atravessados por votos políticos, o que é algo problemático", avalia.
"Relação harmônica entre os poderes é uma coisa, submissão é outra", diz Maronna. O advogado lembra que o julgamento que chegou à Corte em 2011 e é julgado desde 2015, é um dos mais polêmicos e politizados da história. "Após vários pedidos de vistas, com finalidades obstrutivas, quando se delineava um final, o voto de Toffoli obstruiu ainda mais o processo", diz o advogado.
O STF tem se mostrado uma corte politizada, há uma contaminação política. Ainda que haja outros votos nas próximas sessões, o posicionamento do Toffoli joga a 'decisão' para os demais poderes.
Joel Luiz Costa, diretor-executivo do Instituto de Defesa da População Negra
Cabe ao Congresso Nacional empreender as medidas legislativas necessárias aos avanços da política atual de repressão ao tráfico de drogas e ao tratamento dos usuários com enfoque em saúde e recuperação, em vez de mera criminalização. Estou convicto de que tratar o usuário como tóxico delinquente, aquele que é um criminoso, não é a melhor política de um Estado Democrático de Direito.
Dias Toffoli, ministro do STF
Como está o julgamento e quais são os próximos passos
No início da sessão da quinta-feira (20), o ministro Luís Roberto Barroso explicou o que está em jogo. Segundo ele, o ato de consumo de drogas, mesmo que para uso individual, continua como ato ilícito — ainda que seja descriminalizado.
Ministros analisam se o porte da droga vai ser considerado um ato ilícito administrativo ou penal. Além disso, eles discutem ainda se será possível fixar uma quantidade de drogas para diferenciar usuário e traficante e qual será essa quantidade.
Até o momento, cinco ministros votaram pela descriminalização. São eles: Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, já aposentada, e Gilmar Mendes. Três votaram contra a descriminalização: Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques.
Há sete votos para fixar quantias para diferenciar usuário de traficante. Dois votos são para o Congresso ou a Anvisa deliberar como será a diferença entre usuário e traficante. Gilmar Mendes, Barroso, Rosa Weber e Alexandre de Moraes defendem que a diferenciação ocorra a partir de 60 gramas.
Outros ministros fixaram quantidades inferiores a 60 gramas. Cristiano Zanin e Nunes Marques definiram 25 gramas. André Mendonça votou por 10 gramas. Já Edson Fachin avaliou que cabe ao Congresso essa definição. Já Toffoli disse que seria favorável à Anvisa definir a quantidade.
A ação no STF pede que seja declarado inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas. Segundo a legislação, é crime adquirir, guardar e transportar substâncias para consumo pessoal. A lei não define, porém, a quantidade de droga que caracterizaria o uso individual. Na prática, a brecha faz com que usuários sejam enquadrados como traficantes.
As cortes supremas da Argentina, Colômbia, México e África do Sul descriminalizaram a posse de drogas para uso pessoal. Na Alemanha e na Espanha, o Judiciário fixou quantidades objetivas de drogas para diferenciar uso e tráfico. Não há invasão de competência entre os poderes.
Cristiano Maronna, diretor da plataforma Justa
Votos e efeitos da decisão
Corte ainda precisa modular efeitos da aplicação da decisão. Depois da conclusão dos votos, os ministros devem definir se a decisão será válida para pessoas presas e condenadas por portar quantidade inferior à fixada.
Efeitos da decisão abrem possibilidade de desencarceramento. A modulação dos efeitos é um passo decisivo, segundo Maronna, porque permite compreender o que acontecerá com condenados por tráfico de drogas.
Finalizar julgamento com critérios de diferenciação definidos seria avanço. Para Costa, o parágrafo 2º do artigo 28 traz requisitos subjetivos para determinar se a pessoa é usuária ou traficante. "O estigma e a percepção de que sujeitos negros jovens de periferia tendem a ser criminosos em potencial reforça a lógica de que não importa a quantidade, mas se você está no bairro de periferia, se é uma pessoa pobre, sem curso superior ou emprego formal, você é um traficante potencial", diz o advogado.
Pontos em aberto
Decisão final sobre descriminalização fica com STF. Ainda que o debate sobre o porte da maconha percorra dois caminhos diferentes, do legislativo e do judiciário, a conclusão ficará a cargo do Supremo. "Se o Congresso aprovar a PEC, vai ter recurso. Sem dúvida, a decisão final será tomada pelo STF, que dá a palavra final sobre constitucionalidade", afirma Maronna.
Descriminalização da maconha não encerra debate sobre drogas, dizem especialistas. "Quem mais precisa dos efeitos que a descriminalização poderia trazer não é somente o usuário da maconha. O grande problema é a cocaína e crack, descriminalizar apenas a maconha vai continuar vulnerabilizando moradores em situação de ruas. Isso vai deixar de fora as populações mais vulneráveis, que usam outras drogas postas na ilegalidade", diz Costa.