Assista e leia a íntegra da entrevista de Lula ao UOL
Colaboração para o UOL
26/06/2024 11h24
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concedeu entrevista ao UOL na manhã desta quarta-feira (26) aos jornalistas Carla Araújo e Leonardo Sakamoto. A conversa, que aconteceu no Palácio do Planalto, foi transmitida ao vivo e durou pouco mais de uma hora.
A seguir, leia a íntegra e assista ao vídeo.
[Carla Araújo]: Olá, bom dia, hoje UOL Entrevista especial, direto do Palácio do Planalto, entrevista com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Presidente, muito obrigada por nos receber aqui.
[Presidente Lula]: Bom dia, Carla, é um prazer imenso estar falando com o UOL, muito mais prazer estar falando com você e com o nosso Sakamoto.
[Carla Araújo]: Comigo nessa entrevista, meu colega e colunista Leonardo Sakamoto. Sakamoto, muito obrigada pela presença e já te dou a honra de começar perguntando ao presidente.
[Leonardo Sakamoto]: Bom dia, Carla. Bom dia a todo mundo que nos acompanha. Bom dia, presidente. Obrigado por estar nos recebendo aqui no Palácio do Planalto nesta manhã de quarta-feira. Vou começar com um assunto bem fácil: economia. Presidente, o Brasil vem gastando mais do que arrecada. Nesse sentido, o que o seu governo vai fazer para resolver isso? A gente vai continuar brigando com determinados setores contra os benefícios fiscais, vai cortar gastos? Contingenciar despesas, alterar o mínimo constitucional com educação e saúde ou mudar regra do arcabouço?
[Presidente]: Primeiro, eu sabia que essa pergunta viria, só não sabia que era a primeira pergunta, mas eu sabia que ela viria. Sakamoto, há muito tempo eu tenho a vantagem de já ter sido presidente outras duas vezes, e esse tema sempre foi um tema recorrente, sempre. É engraçado porque esse tema é mais forte no Brasil do que em qualquer outro país do mundo, então, aqui no Brasil vira e mexe as capas de jornais, as manchetes das matérias são sempre assim: "O governo está gastando demais, a dívida pública é muito alta", a dívida pública não sei das quantas e tal, o que não é verdade. Não é verdade. Veja, se você pegar a média dos países da OCDE, eles gastam 113% do PIB. Se você pegar os Estados Unidos, são 123% do PIB. Se você pegar a China, 83; se pegar o Japão, são 237; se você pega a França, são 112; e a Itália, 137. E o Brasil, efetivamente, 74% a 76%. Hoje está em 76%. Está muito aquém, sabe, dos gastos que os outros países fazem. Ora, isso não implica que a gente não leve em conta a seguinte certeza, eu conto para todo mundo o seguinte: eu aprendi economia com uma mulher analfabeta, que era minha mãe, ela pegava o holerite de pagamento de todos os filhos e ela colocava o dinheiro na mesa separando: "Isso é para aquilo, isso vai fazer isso", e tal. No final das contas, se sobrasse alguma coisa, era nosso. Se não sobrasse, paciência. O Orçamento da União é a mesma coisa. Ele é um bolo de arrecadação, você tem que distribuí-lo. No Brasil, habitualmente, não se faz política social. No Brasil, habitualmente, quando muito é um vale-gás, um vale-arroz, e nós queremos fazer política de inclusão social que permita que as pessoas tenham oportunidade de crescer. O que nós precisamos é o seguinte: o gasto está sendo bem feito? O dinheiro está sendo utilizado para alguma coisa que vai melhorar o futuro deste país? Eu acho que está. Nós estamos então agora fazendo uma análise onde é que tem gasto exagerado, onde é que tem gasto que não deveria ter, onde é que tem pessoas que não deveriam receber e que estão recebendo, e isso, com muita tranquilidade, sem levar em conta o nervosismo do mercado. Levando em conta a necessidade de você manter política de investimento. Se você quiser investir na educação, não tem jeito, Sakamoto, você tem que contratar professor, você tem que contratar funcionário, você precisa fazer laboratórios, você precisa de mais sala de aula, não tem jeito! Esse país ainda tem menos estudantes, comparado a população, ao Chile e à Argentina. Isso porque no nosso governo nós duplicamos o número de alunos na universidade, então, nós vamos continuar investindo em educação, continuar investindo em saúde. Quanto custa um trabalhador doente e quanto custa um trabalhador são? Sabe? Então, no Brasil, essa discussão, eu digo sempre o seguinte, outro dia eu estava tomando café com jornalista, eu perguntei para imprensa toda que estava lá: "Quando o patrão de vocês dá o aumento de salário para vocês, é custou ou é investimento?"
[Carla Araújo]: Merecimento, na verdade.
[Presidente]: Eu acho que é investimento, esse é o dado. Eu acho que é investimento, porque quando o patrão dá aumento para você, ele está dando aumento porque ele acha que você merece porque você teve produtividade e ele quer que você esteja mais feliz no trabalho e produza mais ainda, é isso.
[Carla Araújo]: Claro. Presidente, este cenário que o senhor coloca tem esses números em comparação, mas há uma evidência: é preciso cortar. O senhor disse que o ministro Fernando Haddad e a ministra Simone Tebet vão apresentar isso para o senhor até dia 22. O senhor já sabe o que vai cortar?
[Presidente]: O problema não é que tem que cortar. O problema é saber se precisa mesmo cortar ou se temos que aumentar a arrecadação. Temos que fazer essa discussão.
[Carla Araújo]: Já não há um cenário de receitas superestimadas?
[Presidente]: A Suprema Corte aprova 92 bilhões de reais em precatórios. Agora mesmo eu vetei a tese da desoneração: 17 setores da economia brasileira, todos muito grandes, querem desonerar o pagamento da Previdência, da folha, eu vetei. Eles derrubaram o veto, e agora a Suprema Corte definiu que, se em 45 dias não tiver uma compensação, o veto está derrubado. Ora, como é que a gente pode falar em gasto se a gente está abrindo mão de uma quantidade enorme de recursos que os empresários têm que pagar?
[Carla Araújo]: O senhor falou, nessa conversa com os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet, que ficou assustado com a quantidade de subsídios que o governo dá (6% do PIB). Nesse caso, os governos do PT é que historicamente implementaram essa política de subsídios. Dá para consertar isso? Esse caso de subsídio, o senhor está disposto a cortar? O senhor falou da desoneração que pode...
[Presidente]: Eu vou lhe contar um caso verídico. Eu era Presidente da República, em 2008, quando houve a crise do "subprime". Eu tomei uma atitude aqui, no Brasil, de fazer o primeiro processo de desoneração. Nós fizemos desoneração de 47 bilhões de reais, com setores empresariais e com os sindicatos sentados à mesa para ter a contrapartida. Quando eu vou desonerar uma empresa, eu quero saber o seguinte: essa empresa vai manter estabilidade no emprego? Ela vai manter por quanto tempo? Porque se não o benefício é só para empresário, não é para o trabalhador e não é para sociedade brasileira. Eu fico me perguntando: Que direito o Estado tem de abrir mão de uma determinada quantia de arrecadação para favorecer o lucro do empresário? Não, se a economia estiver em crise e tiver um setor que está mais machucado, você pode utilizar a desoneração como se fosse uma comporta numa hidrelétrica. Você desonera um pouco e fecha, desonera e fecha, desonera e fecha, mas aqui no Brasil, quando a gente aprova desoneração para cinco anos, quando chega nos cinco anos, tem projeto para desonerar mais dez, quando chega mais dez, tem mais dez e fica política perene.
[Carla Araújo]: Dá para consertar isso?
[Presidente]: Dá para consertar.
[Carla Araújo]: Como?
[Presidente]: Dá para consertar. Nós temos que ter em conta que nós vamos ter uma nova política tributária ainda este ano, se Deus quiser, para a gente poder resolver o problema do pagamento de imposto, o problema da arrecadação, e isso vai ser muito importante para o Brasil. Você pode ficar certa que o Brasil muda de padrão a hora que a gente tiver aprovado a reforma tributária, e você sempre tem que ter o cuidado que você não pode gastar mais do que você arrecada, isso é líquido, isso vale para minha família, isso vale para você [Carla], vale para você [Sakamoto] e vale para todo mundo que tem responsabilidade. Eu, se tenho 10, não posso gastar 20. Se eu tiver que gastar 20, eu tenho então que contribuir o seguinte: Esses 20 é investimento? Se ele é investimento, essa dívida que eu vou fazer, ela tem que servir como subproduto desse investimento, a produção de uma coisa que aumenta teu capital, que aumenta teu patrimônio.
[Leonardo Sakamoto]: Presidente, o senhor estava falando em relação aos subsídios com a Carla, me lembrei de outra coisa. O senhor vai pegar a questão da desoneração, os 17 setores que bateram perna no Congresso para renovar, eles têm representação forte, lobby e tudo mais, ao contrário de outro naco da sociedade?
[Presidente]: Eles têm lobby ou têm bancada?
[Leonardo Sakamoto]: As duas coisas. Eles têm lobismo e bancada. Agora, vai pegar um grupo que não tem lobista nem bancada que é o setor mais pobre da sociedade. Junto das coisas que estão sendo estudadas pelo governo, inclui a desvinculação do salário mínimo no Benefício de Prestação Continuada e em pensão?
[Presidente]: Não.
[Leonardo Sakamoto]: O senhor garante?
[Presidente]: Garanto que o salário mínimo não será mexido enquanto eu for Presidente da República.
[Leonardo Sakamoto]: Essa ligação de pagamento para os idosos pobres... não vai ser mexido?
[Presidente]: Quando você aumenta o salário mínimo, o que diz a lei que regulamenta o aumento do salário mínimo? Ou seja, você tem sempre que colocar a reposição inflacionária para manter o poder aquisitivo, e nós damos uma média do crescimento do PIB dos últimos dois anos. O crescimento do PIB é exatamente para isso! O crescimento do PIB é para você distribuir entre os 213 milhões de brasileiros, e eu não posso penalizar a pessoa que ganha menos. Eu não posso penalizar. Ah, mas tantos trilhões... mas quantos milhões de pessoas?
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É tantos trilhões para muita gente, vamos pegar uma coisa que a gente fala de desoneração, vocês viram a briga da blusinha, você viu a briga da blusinha e coisa e tal. Veja que absurdo, nós temos um setor da sociedade brasileira, você, eu, você e alguma gente que está nos ouvindo aqui que pode viajar uma vez por mês para exterior e pode comprar até dois mil dólares sem pagar imposto, pode chegar no free shop comprar mil, e pode comprar mil no país e não paga imposto, tá tudo normal, é maravilhoso, eu fiz isso para quem? Para ajudar a classe média, a classe média alta. Agora, quando chega a tua filha, minha filha, minha esposa que vai comprar 50 dólares, eu vou taxar os 50 dólares? Não é irracional? Não é uma coisa contraditória? Então, eu acho que a gente tem que fazer política de desoneração quando a gente quer fortalecer um setor, por um determinado tempo, quando a gente quer retomar a rapidez, eu fiz com o setor automobilístico em 2008. O dado do Brasil, sabe o que é, Sakamoto? É que a gente diminuiu muito a arrecadação. Eu vou te dar um exemplo, só para você saber, eu deixei a Presidência em dezembro de 2010, este país vendia 3,8 milhões de automóveis. Eu voltei em 2023, este país vendia 1,8 milhão, metade do que vendia em 2010.
[Carla Araújo]: Mas há uma questão de mobilidade, petróleo--
[Presidente]: Não, não é questão não. É questão que parou de produzir. Aí o poder aquisitivo do povo, o povo deixou de comprar, esse que é o dado. O povo parou de comprar. Esse mês você viu no jornal: recorde de venda de carro no mês de maio. Porque a indústria automobilística, que não estava investindo nada nas últimas duas décadas, depois que a China se instalou na Bahia, a Anfavea já anunciou investimento de 129 bilhões de reais até 2028 e um pouquinho até 2030. Ora, numa demonstração de que nós precisamos. Eu estava-- Você sabe o que eu propus na Anfavea, Sakamoto e Carla? Anfavea, por que vocês não voltam a fazer o Salão do Automóvel? Por que um país que tem 33 indústrias automobilísticas não tem um Salão do Automóvel para fazer propaganda? O Salão do Automóvel sempre foi assim, muita gente, eu mesmo fui em todos como presidente da República. Por que não volta? Por que a gente não dá incentivo? Por que não barateia o preço do carro? O pobre não pode comprar um carro por 150 mil reais, mas um carro por 70, por 80, por 90, ele compra. Por que a gente não volta a fazer carro popular para o povo comprar?
[Leonardo Sakamoto]: Mas o senhor vai propor para isso redução de imposto, como o senhor fez na época lá atrás com o IPI?
[Presidente]: Não, não é necessário, agora tem que retomar a produção, tem que retomar a venda. Na medida em que a massa salarial começa a crescer, e a massa salarial cresceu 11,7% em 2023, e vai crescer este ano, na medida em que os acordos salariais sejam feitos, todos eles acima da inflação, como está acontecendo agora, segundo o Dieese, 83% dos acordos salários com salário acima da inflação, tudo isso vai aumentando o poder de compra. E ainda mais, Sakamoto, nós, nós isentamos de pagar Imposto de Renda até quase 2.640 [reais], ou seja, e eu vou chegar a 5.000. É importante lembrar que eu tenho um compromisso histórico: até o final do meu mandato, eu quero chegar a 5.000 reais sem pagar Imposto de Renda.
[Leonardo Sakamoto]: Presidente, o senhor falou da inflação, desculpa entrar... de cortar isso com o senhor, que é o seguinte, a gente perdeu recentemente a Maria da Conceição Tavares, aqui, e ela tem uma frase que é ótima, não estou provocando o senhor, mas também é uma provocação, de que "ninguém come PIB, as pessoas comem alimentos". O que acontece? É fato, o PIB subiu, a renda subiu, o desemprego caiu no último um ano e meio à sua gestão. Mas o Brasil, e aí são dados do IPCA, está com uma inflação de alimentos que está pegando, e pega principalmente as classes mais pobres. O arroz, antes da tragédia do Rio Grande do Sul, se pegar o acumulado do IPCA do mês passado, deu alta de 27% ao ano sem considerar a tragédia do Rio Grande do Sul. E aí, a pergunta: o senhor acha que essa alta na inflação dos alimentos afetou a sua popularidade?
[Presidente]: Vamos voltar à fala da Maria da Conceição Tavares. Ninguém come PIB, as pessoas comem alimento. Mas a verdade é que se o PIB não crescer, você não tem o que distribuir. Esse é o dado. Eu vou dar um exemplo.
[Leonardo Sakamoto]: O Brasil é ruim de distribuição, não é?
[Presidente]: Espera aí, se você é solteiro e você ganha 10 mil, você tem uma renda per capita de 10 mil, quando você casa com comunhão de bens, a sua renda per capita cai para 5 mil, quando você tem um filho, cai para 3 mil. Ou seja, o que vai acontecer é que, se o PIB não crescer, você não tem o que distribuir, por isso que é importante a gente aportar o crescimento do PIB. O que é grave é que esse país cresceu de 1950 a 1980, em média, 7,5% ao ano e a riqueza não foi distribuída, aí quando termina essa fase do crescimento você percebe que a sociedade tá mais pobre. O que nós estamos fazendo? Distribuindo. Qualquer crescimento, por mais insignificante que ele seja, ele tem que estar sendo distribuído para 203 milhões de habitantes, essa é a lógica do que nós vamos fazer. E é por isso que a gente está tomando decisões com relação ao custo de vida. Sakamoto, esse ser humano que vos fala já viveu com 80% de inflação ao mês, eu recebia meu salário, eu corria no atacadista para comprar tudo o que não era perecível para poder não perder meu dinheiro, comprava papel higiênico demais, comprava óleo de soja demais, comprava um monte de coisa que eu não ia nem usar, mas eu comprava porque não queria que meu dinheiro desaparecesse pela inflação. Então, eu tenho um cuidado com isso, se você soubesse o carinho, o amor que eu tenho de cuidar da inflação, cara. Por isso, é o seguinte, por isso que eu tomei a atitude de importar 1 milhão de toneladas de arroz, por que eu tomei essa decisão? Porque eu vi na prateleira do supermercado, o arroz, pacote de cinco quilos a 36 reais, a 33 reais, a 33, eu falei: Não é possível? Um pacote de 5 quilos tem que baixar, isso aqui tem que ser vendido a 20 reais, tem que ser vendido a um preço que seja compatível. Então, feijão, arroz e a carne, a carne você sabe que a carne baixou, você já pode comprar uma picanha hoje.
[Leonardo Sakamoto]: É que o senhor prometeu cerveja e picanha, mas as pessoas no dia a dia compram arroz--
[Presidente]: Eu sei, nós estamos discutindo um monte de coisa, agora nós vamos discutir, por exemplo, a política tributária, nós vamos discutir quais os itens que a gente quer que não paguem Imposto de Renda e qual pague imposto. Então, acho que você tem que separar, mesmo na questão da carne, os empresários querem que você isente toda carne, acho que a gente tem que mediar, você tem a carne que é consumida só por gente de padrão alto e você tem a carne que o povo consome. Então, você pode fazer a separação, carne de frango, você não vai taxar frango, carne de frango é o que o povo come todo dia, pé de frango, pescoço de frango, peito de frango. Então, a gente tem um cuidado especial. É importante lembrar que a inflação está controlada nesse país, a inflação está controlada nesse país.
[Carla Araújo]: Então, Presidente, mas quando o senhor fala que talvez não corte gastos, e aí a gente vai para uma tríade macroeconômica de juros, câmbio e inflação, e aí o senhor vem fazendo críticas, por exemplo, ao Banco Central, justamente porque agora parou um pouco a redução de taxas de juros. E uma das sinalizações do Banco Central é que o governo precisa mostrar onde vai cortar gastos, porque não pode gastar mais do que arrecada, como o senhor colocou, se não haverá uma pressão inflacionária. E aí, já juntando essa questão do Banco Central, eu queria perguntar para o senhor: O senhor se encontrou ontem com o diretor Gabriel Galípolo, ele é o mais cotado para assumir a presidência do Banco Central no ano que vem? E o senhor pretende anunciar isso em breve, até agosto?
[Presidente]: Primeiro, Galípolo veio aqui numa reunião onde a gente estava discutindo a meta inflacionária, e a gente manteve a meta que tinha...
[Carla Araújo]: Vai ser anunciada hoje?
[Presidente]: Meta contínua. A novidade foi estabelecer a meta contínua. A segunda coisa é o seguinte: o Galípolo é um companheiro altamente preparado, conhece muito do sistema financeiro, mas ainda não estou pensando na questão do Banco Central, não estou pensando, vai chegar o momento em que vou pensar e vou indicar um nome para que seja presidente do Banco Central. E não venham com chorumela, como diria o Fernando Henrique Cardoso, para mim. E não venham com chorumela, porque eu fui presidente oito anos, eu tive presidente do Banco Central e o Meirelles tinha total autonomia, porque eu não preciso de uma lei para dizer para ter autonomia, preciso respeitar a função do Banco Central. A pergunta que eu faço é a seguinte: O Banco Central tem necessidade de manter a taxa de juros a 10,5% quando a inflação está a 4%? O Banco Central leva em conta que as pessoas estão tendo dificuldade de fazer financiamento?
Porque é o seguinte, cara, não é culpa sequer do Banco Central, é culpa da estrutura que foi criada. Ou seja, o cara não pode só cuidar da inflação, precisa cuidar do seguinte: o Banco Central vai ter um plano de meta de crescimento? Eu quero controlar a inflação, mas eu quero crescer? A gente vai avançar para isso? Então, eu estou com muito cuidado, eu continuo criticando a taxa de juros. Até acho que não deveria ser o presidente que criticasse.
[Carla Araújo]: Deveria ser quem?
[Presidente]: Teve um tempo que a gente tinha Antônio Ermínio de Moraes, José Alencar que batia muito na taxa de juros, mas é preciso que o setor produtivo, a CNI, a Fiesp, ao invés de reclamar do governo, deveriam fazer passeata contra a taxa de juros, porque são eles que estão tendo dificuldade, são eles que não conseguem crédito, não é o governo. Então o que eu acho é que nós precisamos caminhar para uma taxa de juros compatível com a necessidade de crescimento desse país, que precisa voltar a crescer mais, e ao mesmo tempo, nós temos que ter o cuidado de manter a inflação controlada, porque a inflação controlada significa ganho real para os pobres desse país, e cuidar do alimento. O alimento para mim é uma coisa, Sakamoto, que eu tenho muito apreço pelas pessoas que vão comprar o que comer, as pessoas humildes, sabe, que muitas vezes pagam uma inflação sazonal. Hoje mesmo eu vi uma imagem de um cidadão jogando tomate para os animais porque o preço está barato. Sinceramente, não sei se ele estava revoltado porque o preço está barato e jogou para os animais, poderia ter levado para a cidade e distribuir para o povo, para o povo pegar tomate de graça. Então, nós vamos cuidar da inflação. Eu quero que você saiba o seguinte, Sakamoto: eu sou um ser humano que vivi inflação de 80% ao mês e eu recebia salário, e se eu não gastasse aquele dinheiro no dia, ele perderia valor no dia seguinte, então, para mim, a inflação é quase que uma opção divina, eu quero cuidar de controlar a inflação porque eu quero que o povo tenha direito a comer do bom e do melhor, e o mais barato possível.
[Carla Araújo]: Presidente, só desculpa insistir na questão da nomeação do presidente do Banco Central. O senhor falou que não está decidido ainda, porque o mercado já precificou o nome do Galípolo, e tinha outros nomes, por exemplo, o do ex-ministro Guido Mantega ou do presidente do BNDES, Aloísio Mercadante, e aí o mercado já começa a ficar um pouco mais preocupado. Há alguma chance de esses nomes ocuparem uma vaga no Banco Central?
[Presidente]: Eu não indico o presidente do Banco Central para o mercado. Eu indico o presidente do Banco Central para o Brasil. Ele vai ter que tomar conta dos interesses do Brasil, e o mercado financeiro, seja o mercado financeiro, empresarial ou o mercado produtivo, tem que se adaptar a isso. Obviamente que todos nós temos em mente, gente, e isso é preciso ter certeza, todos nós temos em mente que o Brasil vá bem, que a inflação esteja bem, que o crédito esteja bem, que o crescimento de investimento esteja bem, que o crescimento de emprego esteja bem, que o crescimento do salário esteja bem. É esse o país do bem, é esse país de ganha-ganha que nós precisamos criar e é isso que nós precisamos fazer num país de ganha-ganha. Você percebe que todos os dados econômicos melhoraram depois que nós entramos no governo? Você já percebeu que a economia voltou a crescer o triplo do que eu imaginava que ela fosse crescer, embora tenha crescido pouco diante daquilo que eu acho que ela deva crescer? Mas também o investimento sobre capital diminuiu muito, os investimentos na indústria caíram. Agora que está voltando. Nós já tivemos vinte e poucos por cento e agora temos 17. É preciso crescer, é preciso ter investimento. Por isso nós fizemos o PAC. É porque o Estado, embora queira ser o Estado empresarial, o Estado tem que funcionar como indutor. Se o Estado acredita na política que ele está fazendo, ele fala: "Eu vou colocar dinheiro". Se ele colocar dinheiro, os empresários acreditam: "É para valer". Também vai colocar dinheiro. E aí, quando tudo der certo, o que a gente faz? A gente faz uma PPP, e as coisas vão acontecer como no PAC, 1.700 trilhão de investimento, sabe? E muitas coisas em harmonia e em acordo com os empresários. Isso nós prezamos muito. Gente, eu digo todo dia o seguinte: em Hiroshima, em janeiro do ano passado, eu encontrei com a atual diretora-geral do FMI, e ela veio falar para mim da economia brasileira, e eu falei: "Querida, deixa eu dizer uma coisa para senhora, é preciso conhecer melhor o Brasil. O Brasil vai crescer mais do que a senhora está dizendo que vai crescer", e cresceu. Agora mesmo, o mercado sempre precifica a desgraça, está sempre trabalhando para não dar certo, está sempre torcendo para as coisas serem piores do que são na verdade, e economia vai crescer, vai crescer mais do que todos os especialistas falaram até agora, e vai crescer por quê? Porque está acontecendo uma coisa que é preciso conhecer, a gente fala muito de macroeconomia, macroeconomia, mas acontece que tem uma microeconomia acontecendo no país, atendendo milhões de pessoas. Você tem noção de quanto crédito tem no BNB do nordeste para quase quatro milhões de pequenos produtores rurais? Você tem noção do significado do PRONAF aumentado com mais dinheiro e menos juros para essa gente investir? Você está lembrado, nós acabamos de anunciar uma medida chamada "Acredita", que é a maior política de crédito já feita na história neste país, que vai envolver até um hedge cambial para garantir ao investidor estrangeiro não ter prejuízo, que vai garantir um programa de financiamento imobiliário muito grande e que vai ter crédito para pequeno, para médio e para grande. Sakamoto, as pessoas precisam compreender o seguinte: Você acha que a Faria Lima tem alguém que quer mais bem ao Brasil do que eu? Que tem interesse de melhorar a vida do povo mais do que eu? Você acha que tem? Vamos ser francos. Vocês acham que quando eles estão discutindo o aumento da taxa de juros, eles estão pensando no cara que está dormindo debaixo de uma ponte? No cara que está dormindo na sarjeta? No cara que está morrendo de fome? Não pensam. Pensam no lucro. E o país tem que ter alguém que pense no povo.
[Leonardo Sakamoto]: Presidente, dentro do que o senhor falou, antes de a gente sair de economia, até porque tem vários outros temas que a gente gostaria de abordar com o senhor, tem um ponto que eu percebi que o senhor respondeu parcialmente. O senhor falou claro, que não vai mexer na política de valorização do salário mínimo, isso está claro. Agora, existe a possibilidade de desvincular o BPC e as pensões do salário mínimo, nessa discussão de corte de gastos ou isso não é possível?
[Presidente]: Não, não é. Não é, porque eu não considero isso gasto, gente, pelo amor de Deus. A palavra "salário mínimo" é o mínimo e o "mínimo" que uma pessoa precisa para sobreviver. Se eu acho que eu vou resolver o problema da economia brasileira apertando o mínimo do mínimo, eu estou desgraçado, cara, eu não vou para céu. Eu ficaria no purgatório. Se eu não levar em conta que, sabe... Cara, tem uma coisa que eu aprendi que é o seguinte, uma frase: muito dinheiro na mão de poucos significa pobreza, significa desnutrição, significa analfabetismo, significa desemprego. Agora, pouco dinheiro na mão de muitos significa aumento de renda, significa mais consumo, significa mais desenvolvimento, significa mais emprego, mais educação, mais saúde. Então, o nosso lema, Sakamoto -- o teu, o meu, da Carla e de quem está nos ouvindo -- é o seguinte: é preciso garantir que todas as pessoas tenham condições de viver dignamente. Por isso, nós temos que tentar repartir o pão de cada dia em igualdade de condições. Você acha que eu quero que empresário dê prejuízo? Eu não sou doido! Eu não sou doido. Porque se ele der prejuízo, eu vou perder meu emprego. Eu quero que o empresário tenha lucro, mas eu quero que ele tenha a cabeça como teve o Henry Ford quando disse: "Eu quero que meus trabalhadores ganhem bem para eles poderem comprar os produtos que eles fabricam". Se essa filosofia predominasse na cabeça de todo mundo, esse país estaria maravilhoso, mas não é assim que as pessoas pensam. Cara, você... Sakamoto, veja, nós somos tão generosos, tão generosos, que é o seguinte: você percebeu que nós tomamos posse e não ficamos fazendo críticas ao governo anterior, destruindo o governo anterior? No caso do Fernando Henrique Cardoso, eu ainda disse: "A herança maldita". Mas agora, em 2022, não era herança maldita, era trimaldita o que nós pegamos de rombo na economia brasileira, o que nós pegamos de ministérios desmontados. Eu vou dar um exemplo: a cultura. A cultura é inexistente. Como é que o país pode não ter Ministério da Cultura? Como é que alguém pode dizer que a cultura é coisa ruim? É o seguinte, nós pegamos este país e eu falei o seguinte: "Eu não vou ficar criticando o meu adversário, eu vou governar". Eu tenho quatro anos de mandato. Já estou consumindo um ano e nove meses agora, um ano e sete meses. Eu tenho dois anos e três meses que eu quero me dedicar, cara. Você não sabe a dedicação que eu tenho. Agora eu vou começar a viajar o Brasil. Se você tiver perna, quero ver se você vai me acompanhar a viajar este Brasil para entregar. No ano passado, a gente plantou, semeou terra, jogou água plantou a semente. Este ano é o ano da colheita, e nós vamos começar a colher tudo aquilo que nós investimos.
Eu vou a Belo Horizonte amanhã anunciar o grande investimento em universidade, vou anunciar o maior pacote de linha de transmissão que Belo Horizonte já viu na vida. Agora fui ao Piauí, fui ao Ceará e fui ao Maranhão, em todos os estados, eu faço a seguinte pergunta, eu falo para o jornalista, falo para historiadores, falo o seguinte: Eu quero que vocês pesquisem para vocês me dizerem em que momento histórico um Presidente da República veio nesse estado e ofereceu tudo o que eu estou oferecendo. E falo com muito orgulho o seguinte: Eu duvido que em algum momento da história desse país, prefeitos e governadores foram tratados com o respeito que eu lhes tratei, duvido, porque nunca levei em conta o partido da pessoa, levo em conta o problema e a necessidade do povo. Por isso que agora eu coloquei 65 milhões de reais para as encostas lá em Pernambuco, em uma cidade em que o prefeito é bolsonarista até os dentes, e ele estava aqui na reunião, eu disse para ele: Eu estou dando esse dinheiro para você saber que eu não tenho preconceito ideológico, eu vou dar porque seu povo merece. Agora, não precisa falar bem de mim, pode continuar falando mal de mim.
[Leonardo Sakamoto]: Presidente, o senhor falou, eu estou tentando puxar, é que como o Presidente é bom, ele vai na narrativa, ele vai costurando, e é difícil encaixar a pergunta. Então, uma quadra atrás, o senhor estava falando de dignidade, me ocorreu uma questão, a gente viu até semana passada um debate tomar conta das redes sociais, tomar conta das ruas, que foi a questão do projeto de lei que previa mudanças na lei da interrupção da gravidez, mudanças no aborto, para impedir aborto após a 22ª semana de gestação. Ora, mulheres que são estupradas, elas têm o direito de fazer a interrupção de gravidez em qualquer momento, aí o que aconteceria é que mulheres, meninas, seriam proibidas, né, de fazer essa interrupção após a 22ª semana, isso gerou muita discussão, movimentação, protestos de rua, isso acabou levando, muitos especialistas acreditam que isso levou a uma inédita derrota pública no debate público de uma pauta que era abraçada por ultraconservadores. E aí, a pergunta, essa inédita derrota, ela muda a forma de articulação ou estratégia do governo para tratar de pautas abraçadas pelos ultraconservadores no Congresso? O que aconteceu aqui muda a forma como vocês podem vir a endereçar pautas ou esse debate no Congresso?
[Presidente]: Sakamoto, você sabe qual é a vantagem que eu tenho? É que eu disputei muitas eleições e esses temas eram debatidos em todas as eleições. Não se esqueça que eu perdi em 89, 94, 98, que eu ganhei 2006, 2010, 2002. Então, eu acho que os debates são feitos fora de hora e desnecessários, você já tem uma regulamentação para tratar a questão do aborto, tem uma lei que garante. Eu dizia em 82: O aborto tem que ser tratado como uma questão de saúde pública. Eu dizia, pessoalmente: Eu, Lula pai, sou contra aborto. Mas como Chefe de Estado, eu tenho que tratá-lo como questão de saúde pública, porque uma madame que vai fazer um aborto, ela vai na clínica mais cara do mundo e ninguém nem sabe, a pobre tenta furar o útero com uma agulha de tricô. Eu conheço caso de mulher que pegava fuligem de fogão de lenha para tentar colocar na vagina para abortar, quer dizer, é insano; então, o Estado tem que cuidar disso. O que eu acho que aconteceu é que o projeto apresentado não era um projeto, era uma carnificina contra as mulheres, porque, na verdade, ele estava criminalizando a vítima, estava querendo que a vítima pegasse tempo de cadeia maior do que o estuprador. Ainda bem, ainda bem que a sociedade se manifestou, graças a Deus, ainda bem que as mulheres estão indo para rua, esse é um dado importante, as mulheres têm que ir para rua, mulher não é mais objeto de mesa e cama em lugar nenhum do mundo, muito menos no Brasil, mulher quer ser agente política, mulher não quer apenas tomar conta da casa e dos seus filhos, ela também quer trabalhar fora, ela quer ser cidadã plena. Então, graças a Deus, isso permitiu, essa discussão imbecil feita por um deputado permitiu que a sociedade se manifestasse. E acho que os deputados que fizeram a bobagem sabem o erro que cometeram.
[Leonardo Sakamoto]: Mas isso que aconteceu, essa manifestação da rua dando apoio, e o governo, nesse sentido, posições do governo sentindo-se respaldadas, isso na sua opinião deve se repetir, deveria se repetir mais vezes na rua?
[Presidente]: Acho, Sakamoto, que todas as vezes em que alguém tentar fazer alguma coisa que não diz respeito aos interesses da sociedade, eu acho que as pessoas têm que se manifestar. Se você imaginar que a conquista do voto pela mulher no mundo foi uma guerra, quantas mulheres foram presas por defender o direito de a mulher votar? Aqui no Brasil, o primeiro voto de uma mulher se deu no Rio Grande do Norte, na cidade de Mossoró, ganhou na Justiça, em 1934, se não me falha a memória. Ora, então a gente tem que se manifestar, quando as pessoas vão para rua gritar em defesa de alguma coisa, eu acho isso maravilhoso, porque eu nasci nisso, sabe, Sakamoto? Eu nasci nisso, eu nasci na porta de fábrica, eu nasci fazendo passeata, nasci fazendo campanhas das Diretas, sabe? Nasci pedindo o impeachment do Collor, e também lutando contra o impeachment da Dilma. Ou seja, então eu acho que toda vez que o povo se manifesta é maravilhoso.
[Carla Araújo]: Presidente, tem uma outra questão, que ontem o Supremo Tribunal Federal deliberou sobre a descriminalização do porte da maconha. Houve já uma reação no Congresso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco dizendo que há uma invasão de competência, a Câmara também está se mobilizando nesse sentido. E aí, misturando um pouco da questão, digamos ideológica em relação à maconha, eu queria saber a opinião do senhor, mas também nessa relação do Congresso com o Supremo, há essa discussão se um está invadindo a competência do outro, e como o senhor como Executivo acha que tem que se colocar no meio dessa discussão?
[Presidente]: Aqui é o seguinte, aqui eu vou dar só palpite, porque eu não sou nem advogado e nem deputado, eu vou dar palpite. Primeiro, eu acho que é nobre que haja diferenciação entre o consumidor, o usuário e o traficante. É necessário que a gente tenha uma decisão sobre, não na Suprema Corte, pode ser no Congresso Nacional, para que a gente possa regular. É importante lembrar que o nosso querido ministro Pimenta foi o relator de um projeto em 2006 que se transformou em lei, que proibiu desde 2006 usuário ser preso. Isso é lei. Esse projeto que foi votado na Suprema Corte é da Defensoria Pública de São Paulo, eu se um dia um ministro da Suprema Corte pedisse um conselho para mim: Presidente, o que eu faço? Eu falava: Recusa essas propostas. A Suprema Corte não tem que se meter em tudo, ela precisa pegar as coisas mais sérias sobre o que diz respeito à Constituição, e ela virar senhora da situação, mas não pode pegar qualquer coisa e ficar discutindo, porque aí começa a criar uma rivalidade que não é boa nem para democracia, nem para Suprema Corte, nem para o Congresso Nacional. A rivalidade entre quem é que manda, é o Congresso ou é a Suprema Corte.
[Carla Araújo]: Nesse caso específico da maconha, o senhor acha que a prerrogativa é do Congresso?
[Presidente]: Eu acho que deveria ser da ciência, não é nem do advogado. Cadê a comunidade de psiquiatria nesse país que não se manifesta e não é ouvida? Eu disse para o Barroso, eu fui uma vez jantar com Barroso e falei: Barroso, por que você não convoca uma reunião de psiquiatras, de médicos, para discutir esse assunto? Não é uma coisa de Código Penal, gente, é uma coisa de saúde pública, vamos ver o que acontece, o mundo inteiro está utilizando derivados da maconha para fazer remédio, tem gente que toma para dormir, tem gente que toma para combater Parkinson, tem gente que toma para combater Alzheimer, ou seja, tem gente que toma para tudo. Eu tenho uma neta que tem convulsão, ela toma. Então, se a ciência já está provando em vários lugares do mundo que é possível, por que fica essa discussão contra ou a favor? Por que não encontra uma coisa saudável, referendada pelos médicos que entendem disso, pela psiquiatria brasileira ou mundial, pela Organização Mundial da Saúde, alguma referência mais nobre para dizer o seguinte: É isso. E a gente obedece. Por que fica essa disputa de vaidade de quem é o pai de quem? Quem é a tese de quem? Isso não ajuda o Brasil. Isso não ajuda o Brasil. A decisão da Suprema Corte, se ela tiver uma PEC no Congresso Nacional, a PEC tende a ser pior. Então, já tem uma lei, em 2006, o Paulo Pimenta foi relator de um projeto que se transformou em lei, que garante que usuário não é preso. Desde 2006 isso já é lei, as pessoas esquecem. Era só a Suprema Corte dizer: Já existe uma lei, não precisa discutir isso aqui.
[Leonardo Sakamoto]: Aproveitando o gancho da relação com o Congresso Nacional, na derrubada do veto da lei que proibia as saídas temporárias de presos, do seu veto, o União Brasil, no Congresso, basicamente no Senado, votou inteiro contra, a favor da derrubada do veto, e, na Câmara, foi praticamente também todo mundo votando a favor da derrubada do veto. Ao mesmo tempo, ou seja, isso se repete em outras votações, você tem não só o União Brasil como outros partidos da base não votando, não entregando para o senhor uma maioria de votos muitas vezes, em projetos do seu interesse, digo assim. Ao mesmo tempo, no caso do União Brasil, ele entregou para o senhor o ministro Juscelino Filho, que é um ministro que foi indiciado pela Polícia Federal no caso de desvio de verbas públicas, a pergunta é: Essa aliança não está saindo muito caro?
[Presidente]: Essa aliança está me permitindo governar o país, não do jeito que eu queria. Se eu tivesse 300 deputados meus seria muito mais fácil, mas o Sarney teve, no período que ele foi Presidente da República, 306 deputados e senadores do PMDB e 23 governadores do Estado, e não teve tranquilidade para governar. Ele inclusive, você está lembrado, diminuíram o mandato dele. Nós diminuímos o mandato dele de seis para cinco anos, então, veja, essa maioria é relativa. A composição que a gente faz é uma composição muitas vezes que ela não atinge a totalidade do partido, mas atinge 2/3 do partido, atinge uma boa parte da bancada, e o que nos interessa é seguinte: até agora nós não perdemos nada vital para o governo no Congresso Nacional. É importante lembrar. Nós conseguimos aprovar uma política tributária que está há 40 anos para ser votada, e nós aprovamos neste Congresso. O milagre da política é esse: é a arte de conviver com contrários, a arte de viver democraticamente na adversidade e a arte de você compreender que ninguém é obrigado a acatar tudo o que o governo quer. Vamos pegar a questão da saidinha. A unanimidade dos deputados era contra eu vetar. Todo mundo queria que eu sancionasse, pensando nas eleições, pensando ideologicamente: "A rede social vai te atacar". Eu, quando estava preso, foram propor um acordo para mim, eu disse: "Eu não troco a minha dignidade pela minha liberdade. Não me peçam isso, que eu não troco. Quem me coloca aqui sabe que eu vou ter que sair daqui, mas eu vou sair de cabeça erguida".
[Carla Araújo]: Qual era o acordo que propuserem ao senhor?
[Presidente]: Se eu saísse, eles poderiam me liberar, e eu ficaria em casa com tornozeleira. Eu disse não quero sair, eu quero ser inocentado. Quando veio a questão da saidinha, para mim, é uma questão de princípios. A gente tem que ver o seguinte: Para que serve o sistema prisional? O sistema prisional serve para você prender pessoas que cometeram delitos, na perspectiva de recuperá-lo. Essa é a ideia. Esse é o papel prisional: "Estou prendendo o Lula porque eu quero recuperá-lo". Essa é a ideia. Mas se eu prendo de forma indiscriminada, e na hora que você tem uma chance de permitir que a pessoa tenha acesso à família, essa família que é a base da sociedade democrática em que vivemos, o principal pilar da democracia nossa é a família, ora, então, se o cara está preso, ele tem mulher e filhos e ele não pode vir fazer uma visita para mulher e para os filhos se ele não tiver cometido crime hediondo, se ele não tiver cometido estupro, se ele não tiver feito nada de crime grave, por que ele não pode vir? A família pode tentar recuperá-lo. Por que a gente nega que a pessoa tenha direito à família? Tem coisa mais nobre de que a família, Sakamoto? Tem alguma coisa que você gosta mais do que a sua família? Tem alguma coisa que você respeita mais do que a sua família? Então, é importante a gente levar isso em conta. O que eu queria era só isso, gente. Não tem nenhum problema. A lei define o cara que praticou estupro, o cara que praticou crime hediondo, o cara não sai, mas o cara que cometeu um delito, seja ele qualquer, o cara pode sair e conviver. "Ah, mas 1% foge". O que é 1% de 100%? É nada. É nada. Então, por causa de 1%, você pune 99%? Era apenas uma questão de bom senso, apenas uma questão de princípios. Eu falei: "Eu não abro mão de valorizar a família". Eu valorizo a minha, valorizo a sua e valorizo a da Carla, mas eu quero valorizar a família de todo mundo. Todo mundo tem o direito de se aconchegar na família até para pedir perdão.
[Leonardo Sakamoto]: Tem uma segunda parte da minha pergunta, que é a questão do Juscelino. O custo...
[Presidente]: Desculpe, deixa eu falar para você o encontro que eu tive com Juscelino, no Maranhão. Eu te confesso que ele devia estar apreensivo. Eu estava viajando, saiu a denúncia dele, era a primeira vez que eu ia encontrar com ele. Ele deve ter pensado: "O Lula pode fazer comigo o que o [Hugo] Chávez fazia", mandava embora no programa de televisão. O que eu fiz? Veja, há um pedido de indiciamento da Polícia Federal, que tem que ser aceito ou pelo Alexandre de Moraes ou pelo procurador-geral da República. Não foi aceito por nenhum, não discutiu. Então eu, como já fui vítima de calúnia, já fui vítima de difamação, já tive proibido o direito de me defender, não tive direito a presunção de inocência, o que eu disse para Juscelino: "Primeiro, a verdade só você que sabe, só você sabe, então, é o seguinte: se o procurador indiciar você, você sabe que tem que mudar de posição. Enquanto não houver indiciamento, você continua como ministro".
[Carla Araújo]: Se for aceito o indiciamento, ele vai ser afastado?
[Presidente]: Ele tem que ser afastado, ele sabe disso.
[Carla Araújo]: O senhor já pensa num plano B? Fica com União Brasil essa pasta?
[Presidente]: Não sei, nós vamos discutir. Essas coisas.
[Leonardo Sakamoto]: Como ele recebeu essa colocação do senhor?
[Presidente]: A informação que eu tive é que ele ficou agradecido de eu dizer para ele: "Todo mundo é inocente até que provem o contrário". A minha filosofia não é: "Todo mundo é ladrão até que provem o contrário".
[Leonardo Sakamoto]: Em relação ao indiciamento?
[Presidente]: Eu tenho um caso específico no meu governo. Eu afastei o Walfrido [dos Mares Guia], que era um dos grandes companheiros meus, porque ele foi indiciado. Todo mundo sabe que tem que ser assim. Aliás, eu acho que foi o próprio ministro quem toma a iniciativa e fala: "Presidente, eu vou deixar seu governo em paz". E aí nós vamos conversar. Sabe por que eu não gosto de antecipar discussões, Carla? Porque eu aprendi que a gente deve discutir sempre o importante, o principal. O resto fica para depois. Então, veja, quando se apresentar o fato concreto, eu vou me reunir com as pessoas do União Brasil e vou saber se elas querem continuar, se não querem continuar. É muito simples. Carla, não sei se eu posso dizer isso para vocês, mas eu acho que na vida da gente, chega o momento em que a gente atinge a idade a maioridade, em que tudo para mim é tão tranquilo, tudo para mim é tão normal, que eu falo para Janja: "Eu não tenho momento de perda de sono". Eu durmo todo santo dia sabendo dos problemas do Brasil, sabendo que eu tenho uma missão de tentar resolvê-los e que estou tentando fazer dentro dos limites do possível. Então, eu não me preocupo com nada, com briga com o Congresso, com briga com o Senado, tudo isso faz parte do jogo político, e, à medida em que eu entrei na política, eu tenho que tentar resolver isso e conversar. A gente não conversa só com o que a gente gosta. A gente conversa com quem a gente não gosta também. Então, é isso que me faz, Sakamoto e Carla, ter a certeza, pode ter certeza de uma coisa, Carla, em 2002, quando eu disputei as eleições com o Serra, eu tinha tanta certeza de que eu seria Presidente da República, mas tanta certeza assim, era uma certeza, era uma fé absoluta, que quando eu fui para segundo turno, meu comitê ficou nervoso, Duda Mendonça ficou nervoso, porque agora, não sei das quantas e tal, eu falei: "Gente, os astros já precificaram: eu vou ser o Presidente da República, não fiquem nervosos", e fui. Eu só voltei para a presidência, Sakamoto? Quando eu saí da presidência, eu tinha 87% de bom e ótimo, 10% de regular e 3% de ruim e péssimo, tá? Eu sempre achei que se eu votasse ou empatasse, eu perdia. E eu voltei porque eu tenho consciência de que eu tenho condições de resolver o problema desse país, eu tenho consciência de que eu tenho condições de resolver o problema desse país conversando com todo mundo. Eu não tenho inimigo. As pessoas podem não gostar de mim, mas eu não tenho inimigo. Eu trato todo mundo com muita deferência, com muito respeito, eu quero que os banqueiros ganhem dinheiro, eu quero que os empresários ganhem dinheiro, mas quero que o trabalhador ganhe dinheiro. Essa é a diferença básica, Sakamoto. Por que eu não me preocupo com pesquisa? Quando começaram a sair as primeiras pesquisas, meu ministro das Comunicações: "Presidente, as pesquisas?", mas eu falei: "É normal essa pesquisa, é normal. Vamos ver o seguinte, quando você ganha uma eleição, você tem uma programa de governo, então, durante o processo eleitoral você gera uma expectativa. No primeiro ano, o povo não te cobra nada. Porque o primeiro ano ele sabe, porque ele muda de casa sempre, ele sabe que você quando chega numa casa, tem que arrumar a casa antes. Agora, no segundo ano, ele começa a ter expectativa de que as coisas sejam cumpridas, e eu falei para o Pimenta: "O que nós entregamos até agora?" Nada. Nós fizemos 96 reuniões aqui dentro do Palácio, rearrumamos o governo, reorganizamos o governo, decidimos as políticas públicas, o que nós vamos fazer, e quando você decide a política pública, é uma semente: você decide, você planta, e demora um tempo.
[Leonardo Sakamoto]: O senhor acha que ainda falta uma marca para o governo, da mesma forma que foi o Bolsa Família em 2003?
[Presidente]: Minha marca é recuperar esse país, minha marca é recuperar a decência e o respeito desse país. Esse país era pária mundial, ninguém queria receber o Brasil, ninguém confiava no Brasil, ninguém queria vir aqui. Depois que eu voltei, esse Brasil voltou, pergunta para os meus inimigos que viajam. Pergunta para os empresários que viajam, o que é ser residente num país governado pelo Lula e residente num país governado pela loucura que passou nesse país.
[Carla Araújo]: O senhor nem gosta de falar o nome ex-presidente Jair Bolsonaro, né? Mas voltando, ligando ao indiciamento ali do Juscelino, o Bolsonaro está sendo investigado por uma série de supostos crimes, e há uma expectativa de que ele seja indiciado em breve, pelo menos no caso da falsificação dos cartões de vacinas e joias. E ainda tem um outro inquérito que também está para ser encerrado, sobre a suposta tentativa de golpe. Na sua opinião, o ex-presidente Jair Bolsonaro cometeu esses crimes e deve ser preso por esses crimes?
[Presidente]: Deixa eu dizer uma coisa para você, o que eu defendo para ele, eu defendo para mim, que ele tenha direito a presunção de inocência, que ele tenha direito de se defender e que ele seja ouvido, é só isso que eu defendo, era o que eu queria para mim, que eu não tive, você sabe que eu fui condenado e o crime que eu cometi foi fato indeterminado, esse é o crime que eu cometi, fato indeterminado, esse é o crime que eu cometi. Então, eu quero que ele tenha total... não quero que ele seja condenado, que ele seja inocentado, eu quero que ele seja julgado corretamente, sabe, com direito de defesa e que prevaleça aquilo que a Justiça encontrar. Que ele tentou dar o golpe, tentou, isso é visível. É visível.
[Carla Araújo]: No caso das joias, por exemplo, há uma mudança na regra, mas o senhor também recebeu joias em governos passados que ficaram com o senhor, no caso há uma suspeita de comercialização...
[Presidente]: Deixa eu lhe dizer uma coisa, Presidente da República não ganha joia, Presidente da República ganha presente. E presentes, a maioria é coisa-- até no Brasil tem uma piada que a gente conta que os presentes que a gente ganha, sabe, o ex-presidente é que nem um vaso japonês, ou seja, quando você está no Palácio ele cabe em qualquer lugar, mas quando você deixa o Palácio e volta para casa, não cabe em lugar nenhum e você tem que jogar fora. Eu estou com 12 contêineres de coisas que eu ganhei apodrecendo lá no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo porque nós não temos, e eu também não me preocupei com isso, de fazer, eu queria fazer um museu, não foi possível fazer o museu depois dessa quantidade de processos que atrapalharam muito minha vida, está lá. Mas acho que, se o cara ganhou joia, joia não é presente de um presidente para outro, joia tem alguma coisa errada. Como eu também defendo a presunção de inocência, eu quero que ele seja julgado da forma mais honesta possível, que se defenda e que o veredito seja em função do crime, do tamanho que ele cometeu. Eu não desejo mal para nenhum adversário, eu não desejo evitar a disputa política de nenhum adversário, eu quero que dispute, o povo é que julga, é só isso que eu quero. Eu não tenho mais idade... quando você guarda rancor, você ataca, ataca, sabe, o teu interior, você não dorme bem, você está com ânsia. Eu brinco sempre o seguinte: Quando eu quero, quando eu quero saber que alguém vai ficar com raiva de mim, tem um artigo contra mim, eu mando ligar para o jornalista e falar o seguinte: O Lula não leu o seu artigo. Que é para ele ficar puto que eu não li o artigo dele.
[Carla Araújo]: O senhor leu?
[Presidente]: Não posso dizer.
[Leonardo Sakamoto]: Presidente, deixa eu aproveitar o gancho, quando eu falei com o senhor em outubro de 2019, ainda na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, sobre as eleições municipais naquele ano de 2020 e o ano seguinte, o senhor disse que o PT tinha que ter candidatos em todas as cidades importantes. Naquele momento, o PT não levou nenhuma capital. Agora membros do seu partido têm considerado o foco em cidades com chance de vitória. Por que a estratégia mudou?
[Presidente]: Veja, primeiro porque a gente tem que aprender, cada eleição é uma história, e a gente tem que saber que um partido é como um time de futebol, tem época que você está na qualidade do Real Madrid, e tem época que você está na qualidade do Corinthians, ou seja... Então, a depender do momento, você lança mais candidatos ou lança menos candidatos. Eu acho que a gente vai ter candidatos nas cidades em que a gente tem perspectiva de disputar e algumas com aliados importantes, em algumas como aliados importantes para que a gente possa fazer um grande debate. Eu, por exemplo, eu vou participar em algumas cidades, não vou participar da campanha como um todo, eu posso gravar alguma coisa de noite para algum candidato, mas eu tenho que levar em conta que eu tenho uma base heterogênea, eu não posso por conta de uma eleição municipal atrapalhar a governança nacional, eu tenho que levar isso em conta, com muito cuidado, e isso serve para gente... a gente aprende com a política isso. Eu brinco agora com meus adversários o seguinte: Eu sou político, só tem dois presidentes mais experientes do que eu na história desse país, um é Dom Pedro 2º, que foi imperador durante 69 anos, e o outro Getúlio Vargas que governou 15 anos e depois mais 4. Eu agora estou com 12.
[Carla Araújo]: Então, aí já perguntando de 2026, o senhor já disse que se tiver saúde e se precisar evitar uma derrocada da democracia, pode ser candidato à reeleição. No cenário que está posto hoje, o ex-presidente Jair Bolsonaro está inelegível, e o senhor até recentemente citou o ex-governador, desculpe, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, como uma figura que pode ter essa ambição em 2026. Eu queria perguntar para o senhor se o senhor acha que o Tarcísio é o bolsonarismo moderado, como está se tentando colocar.
[Presidente]: Primeiro que eu não vou julgar o Tarcísio. E quando eu citei o Tarcísio, não é só o Tarcísio, o bolsonarismo tem perspectiva de ter quatro candidatos, pelo menos das pessoas mais proeminentes. Ele tem o Tarcísio, que é governador do estado mais importante, ele tem o Zema que é o governador do segundo estado mais importante, ele tem o Caiado que está se oferecendo todo dia para ser o candidato, e tem o Ratinho do Paraná. Isso não precisa ter inteligência, isso não é uma sacada inteligente minha, o Lula descobriu quatro pessoas. Não, são governadores de estados importantes que podem ser candidatos. Não sei, não sei se serão, sinceramente, não sei se serão. Eu tenho pouca relação com o Tarcísio, tenho pouca relação com Tarcísio, espero que ele não tenha preocupação, ele está junto comigo em alguns eventos que eu vou, estou indo para São Paulo sábado, eu vou para zona leste, eu vou anunciar a faculdade da zona leste, eu vou anunciar o instituto na Cidade Tiradentes, vou anunciar o Instituto Federal em Santo Amaro, no Jardim Ângela, que era o lugar mais violento de Santo Amaro, eu vou anunciar instituto em Osasco, vou inaugurar Universidade de Osasco, vou inaugurar... vou anunciar instituto em Diadema, vou anunciar instituto em Mauá, vou anunciar instituto em Carapicuíba, vou anunciar instituto em Cotia, vou anunciar instituto Franco da Rocha, vou anunciar instituto em Ribeirão Preto, e se ele quiser estar junto, está convidado, tem direito a palavra.
[Leonardo Sakamoto]: Presidente, nosso tempo está acabando.
[Presidente]: Porque vocês querem, eu estou aqui com tempo.
[Carla Araújo]: Se a gente puder estender, a gente tem uma série de perguntas.
[Leonardo Sakamoto]: Nossa senhora, estávamos procurando essa entrevista há um tempão.
[Presidente]: Eu tenho uma atividade extra, mas se tiver perguntas interessantes, faça.
[Carla Araújo]: Temos várias.
[Leonardo Sakamoto]: Presidente, uma pergunta um pouco sobre a solidão do poder. Quantas pessoas, na sua avaliação, quantas pessoas do seu entorno, eu não estou falando de nenhum caso específico, eu estou buscando só para senhor refletir e responder para gente, quantas pessoas do seu entorno tem a plena liberdade, e por que não dizer a coragem, de chegar para o senhor e dizer: Presidente, o senhor está errado.
[Presidente]: Deixa eu falar uma coisa para vocês, pode ter muita gente que pensa em dizer, mas muita gente que não tem coragem de dizer, porque não é correto dizer.
[Carla Araújo]: Mas o senhor sabe?
[Presidente]: Deixa eu lhe falar uma coisa, eu trabalho com muita lealdade e liberdade com as pessoas que eu escolhi para trabalhar comigo, então as pessoas que trabalham comigo, trabalham comigo por uma relação de confiança, as pessoas podem dizer para mim o que quiserem, eu nunca abro uma reunião falando o que eu penso, eu primeiro quero ouvir o que as pessoas pensam, depois que todo mundo fala, eu falo. Sabe? Então é assim que eu faço. Quando a gente, por exemplo, eu convido pouca gente para ir em casa, porque como tem muito ministério, sabe, se eu convidar um e não convidar outro vai criando uma certa ciumeira, então, na maioria das vezes, eu fico sozinho com a Janja, como eu ficava sozinho com a dona Marisa, porque quando tinha meus filhos, meus filhos vinham... Agora não, agora eu fico muito tempo sozinho. Como eu trabalho muito durante a semana, também quando chega no sábado e domingo, eu quero descansar um pouco, às vezes eu pesco, sou bom pescador, eu tenho peixe lá no Alvorada, sabe?
[Carla Araújo]: Presidente, continuando essa pergunta do Sakamoto, pensando nos seus ministros, nessa sua equipe que o senhor pede aconselhamento, há algumas divergências, e a gente sabe, principalmente entre o ministro da Casa Civil e alguns outros ministros, mas, especificamente o ministro Fernando Haddad, na economia, como é que o senhor faz? Quem dos dois fala a verdade para o senhor, quem dos dois...
[Leonardo Sakamoto]: Qual dos dois pesca mais com o senhor?
[Carla Araújo]: É, quem dos dois o senhor convida mais para ir ao Alvorada? Como é essa relação?
[Presidente]: Não, nenhum dos dois nunca foi ao Alvorada.
[Carla Araújo]: Nunca foram, não.
[Presidente]: Deixa eu falar uma coisa. Primeiro, deixa eu falar uma coisa. Primeiro temos que compreender o papel do Ministério... Chefe da Casa Civil, ele tem um papel que, obviamente, coloca ele em confronto com vários outros ministros, por quê? Porque a primeira demanda que vem para o Presidente da República passa pela Casa Civil, é a Casa Civil que faz a primeira discussão. Aí, a Casa Civil traz para mim em duas situações, ou quando tem um acordo e está tudo correto para eu referendar, ou quando tem uma divergência crônica que alguém tem que decidir, aí eu decido. Então as pessoas às vezes ficam nervosas, porque falam: Não, mas isso aqui não é correto. As pessoas ficam nervosas. E quando vem assim, as pessoas me procuram. Então, o Rui faz o papel dele da Casa Civil, consegue dizer não, e eu, como presidente, faço um aconchego nas pessoas, faço um carinho necessário...
[Leonardo Sakamoto]: Policial bom e policial mau.
[Presidente]: Esse é o papel da Casa Civil. No papel da Defesa-- o papel da Fazenda, o Haddad, o Haddad é uma pessoa muito importante para mim, muito importante para o país, e eu quero muito bem ao Haddad. Então, obviamente, que nós temos divergências, eu nem sempre comungo com tudo o que o Haddad pensa, e quero que ele não comungue com tudo o que eu penso, e é importante que a gente tenha liberdade de dizer um para outro: isso pode, isso não pode, isso eu concordo, isso eu não concordo. Isso é saudável. Agora, o Haddad é um companheiro que tem 100% da minha confiança, o Rui tem 100% da minha confiança, aliás, os meus ministros todos, eu tenho muita confiança, porque eu montei uma equipe boa. Eu vou lhe contar uma história, Sakamoto, a minha experiência de trazer os companheiros com experiência de governo de estado, e eu tenho os melhores do Brasil aqui, é uma experiência muito rica, os ministros que foram: o Camilo, Wellington, o Rui, o Renanzinho, o Waldez, ou seja-- era o Flávio Dino, é uma penca de gente da mais alta qualidade.
[Carla Araújo]: Não está faltando mulher aí, não, presidente?
[Presidente]: Não, está faltando mulher, acredito que isso seja um problema crônico, eu discuto todo dia isso com a Janja. É porque nem sempre, como a mulher não teve uma participação ativa durante muito tempo, fica mais difícil você encontrar mulher para determinados cargos e fica mais difícil você encontrar negro para determinados cargos, não é que não tenha, é que a oferta é menor na medida em que, embora seja a maioria da população, não tiveram uma participação política histórica mais contundente. Então, eu quero mais mulher no governo, preciso de mais mulher no governo, eu preciso de mais negros no governo, eu preciso que o governo tenha a cara do Brasil, sabe? A cara do Brasil. Eu fui na USP outro dia, eu fiquei maravilhado em dizer que a USP antigamente era só de branco, agora a USP está mesclada. Inclusive, gente da periferia, achei isso extraordinário. Esse é o Brasil que eu quero, meu sonho. Um Brasil feliz, um Brasil para frente, um Brasil sem ódio. Eu não tenho nenhum problema de ter divergência. O que eu acho é que tem que ter respeito. Eu posso divergir de você, Carla, mas eu tenho que te respeitar como ser humano, e você me respeitar. Eu não posso levantar nenhuma leviandade contra você e não posso ser vítima de leviandade. Você não pode dizer de uma pessoa coisas que você não pode provar, sabe, você diz por dizer. Graças a Deus, eu melhorei muito. Eu acho que eu me aprimorei e acho que a vida me ensinou muito.
[Carla Araújo]: Presidente, eu vou fazer minha última e o Saka faz a última. Eu só queria voltar em um ponto. O UOL destacou, em reportagens: "Foragidos do 8 de janeiro foram encontrados na Argentina e no Uruguai". Há uma questão já agora diplomática, a Polícia Federal e o STF avaliam o pedido de extradição. O senhor ainda não conseguiu se encontrar com o Presidente da Argentina Javier Milei, e agora é uma questão diplomática. O senhor defende a extradição desses foragidos, que agora estão usando discurso de serem foragidos políticos?
[Presidente]: Primeiro, você tem que ter em conta que, dos que estão lá, eu não sei o número, 60 ou 65 pessoas, você tem uma parte já condenada. Essa parte, tanto o ministro [da Justiça, Ricardo] Lewandowski quanto o Andrei [Rodrigues], da Polícia Federal, mais o Mauro Vieira, do Itamaraty, estão discutindo o seguinte: se os caras não quiserem vir, que sejam presos lá e fiquem presos na Argentina, se não, venham para cá. Nós estamos tratando da forma mais diplomática possível. Eu não conversei com o Presidente da Argentina porque eu acho que ele tem que pedir desculpas ao Brasil e a mim. Ele falou muita bobagem. Só quero que ele peça desculpas. Eu quero? A Argentina é um país que eu gosto muito, a Argentina é um país muito importante para o Brasil; o Brasil é muito importante para Argentina, sabe? E não é um Presidente da República que vai criar uma cizânia entre Brasil e Argentina. O povo argentino e o povo brasileiro são maiores do que os presidentes. Eles querem viver bem, querem viver em paz. Se o Presidente da Argentina governar a Argentina, já está de bom tamanho. Não tenta governar o mundo.
[Leonardo Sakamoto]: Presidente, a gente está encerrando a entrevista, só que a gente recebeu dezenas, centenas de perguntas dos leitores, e uma pergunta?
[Presidente]: Marca outra entrevista.
[Carla Araújo]: Agora!
[Leonardo Sakamoto]: Opa! Anotem aí, por favor. Só para colocar para o senhor que uma pergunta se repetiu muito, muito, que foi sobre as escolas cívico-militares. Por que no ano passado o senhor revogou a política nacional das escolas cívico-militares, que tinha sido implementada pelo governo anterior, e aí uma série de governadores passaram a implementar políticas semelhantes?
[Presidente]: Uma série não, alguns governadores. Muito poucos.
[Leonardo Sakamoto]: Mais ligados ao campo do governo anterior, e eu queria que o senhor avaliasse isso.
[Presidente]: Deixa eu lhe falar uma coisa. A meninada faz um curso numa escola militar e muitos querem seguir carreira militar. O que nós, enquanto governo, temos que cuidar é da educação deste país como um todo. Nós estamos nesse momento preocupados com escola de tempo integral para todas as crianças em idade escolar neste país. Nós estamos hoje preocupados em evitar que alunos do ensino médio desistam da escola. Nós temos 500 mil alunos desistindo porque tem que trabalhar para ajudar a família, e nós criamos um programa chamado "Pé-de-Meia" para dar uma bolsa para ele de nove mil reais em três anos, 200 reais por mês, durante dez meses, se ele frequentar 10 meses de escola e se ele passar na prova, recebe mil reais porque a gente quer que esse garoto estude, estude, porque somente estudando é que este país vai para frente. Não existe exemplo de país no mundo que se desenvolveu sem antes investir na educação. Então nós vamos investir na educação. Militar vai para escola militar. O povo brasileiro vai para a escola pública, uma escola de qualidade. Eu estou muito à vontade sabe por quê, Sakamoto?
[Leonardo Sakamoto]: Civil?
[Presidente]: Civil. Eu estou muito à vontade porque sou o único Presidente da República que não tem diploma universitário e sou o Presidente da República que mais fez universidades, mais fez extensão universitária, mais fez institutos federais. Agora, esse ano serão mais 100 institutos federais. Porque tudo o que eu não tive direito quando era adolescente, eu quero que o povo tenha. A minha marca é essa. Tudo o que eu não tive, porque minha mãe não podia, eu ao invés de ficar ressentido e magoado, eu quero que o povo tenha. As pessoas mais humildes têm que ter educação de qualidade, tem que ter curso profissional, escola de tempo integral, se não esse país não vai para frente. Eu voltei para a presidência para tentar ajudar o país ir para frente e vou ajudar, pode ter certeza. Eu quero que vocês já deixem antecipado comigo uma entrevista para eu, quando chegar em dezembro em 2026, dizer para vocês o que fiz por este país. Eu fui o único presidente que quando terminei meu mandato, em 2010, registrei em cartório tudo o que eu fiz neste país. está registrado em cartório tudo o que eu fiz neste país. Agora você tem um programa, Comunica Brasil, que você pode entrar, que cidade você nasceu?
[Leonardo Sakamoto]: 77.
[Presidente]: Que cidade?
[Leonardo Sakamoto]: São Paulo.
[Carla Araújo]: Já entregou o ano. Eu nasci em São Paulo também.
[Presidente]: Você quer saber o que o Governo Federal faz em São Paulo? Entra no site ComunicaBR que você vai ver que o governo federal fez. Eu vou chegar numa cidade agora, quando eu for numa cidade pequenininha, Quixeramobim, terra do genuíno, no Ceará, quando eu chegar lá, eu vou entrar no "Comunica Brasil" e vou dizer quantos médicos tem lá, do governo federal, quantos agentes de saúde, quantas pessoas recebem o BPC, quantos pessoas têm no Bolsa Família, quantas obras têm lá, tudo, tudo, porque quem faz política social nesse país chama-se governo federal, e diga-se governo Lula, governo Dilma e governo do PT é que fazem política social neste país. Por isso que eu digo: eu não quero governar, eu quero cuidar. Cuidar. A palavra-chave é cuidar das pessoas. Cuidar com carinho, sabe? Fazer um chamego nas pessoas, fazer uma carícia nas pessoas porque as pessoas estão precisando. As pessoas estão muito sofridas. Carla, eu fui inaugurar um conjunto habitacional que era para ter sido inaugurado em 2018, e não foi. Deixaram o povo seis anos esperando a casa porque um canalha qualquer, sei lá quem, não quis inaugurar a casa. Nós tínhamos 87 mil casas, de 2012 a 2013, que não foram inauguradas. Nós temos 6 mil creches, sabe? Então, gente, esse país foi abandonado. Isso aqui é como se fosse a faixa de Gaza quando nós chegamos aqui, sabe? E nós estamos reconstruindo da forma mais civilizada e bonita e vamos trazer... Estou desafiando você e a Carla, em dezembro de 2026, eu quero que vocês façam uma entrevista comigo para a gente fazer a avaliação: O que aconteceu neste país?
[Carla Araújo]: Está marcado, presidente, a gente vai cobrar. Agora a gente vai encerrar, mas a última. O senhor falou de cuidar. O senhor tem cuidado da saúde? Está fazendo exercício? Como é que está essa rotina, todos os dias, caminhada?
[Presidente]: Cuido da saúde. Se tem uma coisa que eu faço é que eu me cuido, eu faço caminhada e faço musculação.
[Leonardo Sakamoto]: Mas com o Corinthians na parte de baixo da tabela não ajuda muito o coração, né?
[Presidente]: Quando eu quero ver o Corinthians bem, eu viro a tabela de ponta cabeça. [risos]
[Carla Araújo]: Obrigada, presidente. Em nome do UOL, eu queria agradecer a entrevista e já dizer a todos que já está prometido, em dezembro a gente marca uma nova entrevista.
[Leonardo Sakamoto]: Obrigado, presidente.
[Presidente]: Obrigado, Sakamoto.
[Carla Araújo]: Obrigada a você que acompanhou a gente até agora. Até a próxima!