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Governo critica isenções fiscais, mas Lula criou 1/3 dos benefícios pagos

Em seu primeiro mandato, Lula criou as leis que concederam as maiores renúncias fiscais do Brasil Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Do UOL, em Brasília

08/07/2024 04h00Atualizada em 08/07/2024 09h25

Dos R$ 523 bilhões que o governo deixará de arrecadar em isenções fiscais neste ano, pelo menos um terço vem de benefícios criados pelo presidente Lula (PT) ao longo de seus três mandatos, sobretudo a primeira gestão.

O que aconteceu

O UOL fez um levantamento junto à Receita Federal de todas as renúncias instituídas pelo governo federal desde a Constituição de 1988. Lula é o presidente que mais criou benefícios fiscais.

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Em números absolutos, Lula criou 98 das 298 isenções concedidas desde 1988. Ao analisar a proporção por tempo de cargo, o presidente ainda lidera, com uma média de 0,86 benefício criado por mês de gestão. No entanto, de seus três mandatos (dois completos e o terceiro que acabou de completar 1 ano e meio), é o primeiro quem concentra grande parte dos benefícios criados.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) vem em segundo, com 64 isenções criadas, média de 0,75 por mês. Ele governou o país numa situação atípica de pandemia, mas a maior parte dos benefícios (50) foi instituída em 2022, ano eleitoral.

Em valores, porém, as isenções criadas ainda no primeiro mandato de Lula, e prorrogadas até hoje, são as que mais pesam aos cofres públicos. Segundo relatório do TCU (Tribunal de Contas da União), o Simples Nacional e o agronegócio lideram a lista e corresponderam a R$ 172 bilhões em benefícios em 2023. Isto é, a cada R$ 3 que a União deixou de arrecadar, R$ 1,13 não entrou nos cofres do Tesouro por causa de duas isenções criadas na gestão do petista.

Ambas foram instituídas no governo Lula 1. O agro recebeu o benefício em 2004 e o Simples Nacional foi criado em 2006. O TCU ressalta que a renúncia fiscal para estes setores cresceu acima da inflação ano passado.

Para efeito de comparação, este valor bancaria um dos projetos sociais mais populares do governo federal. Até dezembro de 2023, o Bolsa Família custou R$ 169,6 bilhões aos cofres públicos.

Já o valor total de isenções seria mais que suficiente para cobrir o déficit da previdência social em 2023, que ficou em R$ 428 bilhões. Grande parcela das renúncias são de impostos que custeiam a previdência social. Dados do TCU mostram que ano passado, as renúncias de impostos privaram a previdência de reforçar seu caixa em R$ 274 bilhões.

Outro dado que dá dimensão do gigantismo das renúncias é o setor de combustíveis ter deixado de recolher R$ 31 bilhões ano passado. O valor supera os R$ 25,9 bilhões que o governo anunciou que terá que contingenciar em 2025 para tentar cumprir a meta fiscal.

Ouso dizer que revisitar ou promover nova reforma previdenciária não reduzirá o déficit da previdência se não forem reduzidas a renúncia tributária previdenciária e a inadimplência de pagamentos de tributos previdenciários mediante atuação incisiva dos entes fiscalizadores.
Vital do Rêgo, ministro do TCU

Desonerações perpetuadas

Em 2003, primeiro ano de Lula na Presidência, as renúncias fiscais correspondiam a 2% do PIB. Quando ele deixou o governo em 2010, o percentual subira para 3,5%. Ano passado, o percentual ficou em 4,78%.

Além da criação exacerbada de benefícios, o governo esbarra no fracasso ao tentar reduzir as isenções. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), editou duas medidas provisórias tentando diminuir o valor das isenções fiscais. O lobby empresarial fez o Senado desidratar as iniciativas.

O levantamento do UOL mostra que prorrogar isenções é padrão entre os presidentes, mesmo de campos ideológicos adversários. Existem até casos em que os benefícios são ampliados e ainda mais dinheiro deixa de ser arrecadado.

Um exemplo de renúncia que vem se arrastando e sendo ampliada desde 2011 é a desoneração da folha de pagamentos. Instituída no governo Dilma Rousseff (PT) para atender cinco setores da economia, foi prorrogada desde então - passando pelos governos Temer (MDB) e Bolsonaro - e hoje contempla 17 setores da economia.

A maior parcela das renúncias em favor do agro também se arrasta e segue o que foi instituído em 2004. A conta ficou em R$ 59,7 bilhões no ano passado, segundo o TCU. Mas isenção não garante apoio e os empresários do setor estão entre os mais críticos ao governo Lula.

Recentemente, o presidente da Confederação Nacional da Agricultura, João Martins, afirmou que se recusava a encontrar com o presidente. Ele classificou a gestão do petista como "desgoverno" após o ministro da Fazenda Fernando Haddad propor cortar um dos benefícios para o setor, provando que a lógica "é dando que se recebe" não é infalível.

Se a economia estiver em crise e tiver um setor que está mais machucado, você pode utilizar a desoneração como se fosse uma comporta numa hidrelétrica. Você desonera um pouco e fecha, desonera e fecha, desonera e fecha. Mas aqui no Brasil, quando a gente aprova desoneração para cinco anos, quando chega nos cinco anos, tem projeto para desonerar mais dez, quando chega mais dez, tem mais dez e fica política perene.
presidente Lula, em entrevista ao UOL no dia 26/6

Contrapartidas desconhecidas

Os setores beneficiados defendem que oferecem contrapartidas, como manutenção de empregos. O governo e a equipe econômica contestam, mas não apresentam dados específicos.

Questionado pelo UOL, o Ministério da Fazenda disse que faz uma "análise técnica e criteriosa da necessidade, importância e eficiência de todos os benefícios tributários", mas não indicou números e conclusões dessas análises. Procurada sobre as críticas de Lula, a Secretaria de Comunicação do Governo não respondeu.

O deputado Zeca Dirceu (PT-PR) chama os benefícios de privilégios. Em meio a um cenário de falta de recursos para investimentos estatais, ele critica e defende o fim de isenções que foram patrocinadas pelo maior expoente do partido.

O deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) diz que o lobby dos empresários é tão grande que o Congresso nunca corta benefícios. Ele ressalta que as isenções são mantidas mesmo sem comprovação de que há contrapartida por parte dos setores beneficiados.

Professor de Economia da FGV, Joelson Sampaio afirma que o Brasil está "bem atrasado" nos mecanismos para medir o impacto da renúncia fiscal. Ele explica que a justificativa para as isenções é desenvolver setores estratégicos, levar progresso a determinadas regiões ou criar empregos. Os especialistas concordam que por falta de estudos não há comprovação se as isenções funcionam.

Exemplo de que a contrapartida não foi suficiente se vê no setor automotivo. O Regime Automotivo do Nordeste foi instituído em 1997 e feito sob medida para a Ford se instalar em Camaçari (BA). Depois de anos aproveitando as isenções, a montadora abandonou o país, a renúncia fiscal foi mantida e beneficia outras multinacionais.

A Stellantis, grupo que controla marcas como a Fiat, Jeep e Peugeot, já tinha um benefício e conseguiu aumentar o tamanho dele entre 2028 e 2032. Cálculos estimam que a empresa vai deixar de pagar R$ 3,5 bilhões no período. O governo federal também vai financiar a transição de motores a combustão para elétricos e híbridos livrando as montadoras de pagar R$ 19,3 bilhões em impostos.

Qual é o impacto que o incentivo gerou para economia brasileira? Aumentou emprego, aumentou recolhimento de tributo? Era a proposta da Simone Tebet [ministra do Planejamento] e confesso a você que não sei onde está. Estes estudos precisam vir à tona.
Deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE)

A agenda do Governo Federal desde o início tem sido a de corrigir distorções tributárias. Nosso alvo são benefícios ineficientes, injustos e injustificáveis do ponto de vista econômico e social. Essa agenda vai prosseguir com a análise técnica e criteriosa da necessidade, importância e eficiência de todos os benefícios tributários, sempre em diálogo com o Congresso.

Esse esforço tem sido feito para tornar o orçamento mais eficiente e recuperar o patamar de receita em proporção ao PIB observado em média no passado recente. Deve-se ter em conta, no entanto, que os benefícios tributários não são, por natureza, injustos e/ou ineficientes. Tais isenções necessitam ter estudo prévio de impacto, prazos definidos e contrapartidas estabelecidas em lei.
nota do Ministério da Fazenda

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