De R$ 3 dados em isenções, só R$ 1 gera benefício à sociedade, diz estudo
A cada R$ 3 em impostos que o governo federal deixa de cobrar graças a renúncias fiscais, somente R$ 1 é revertido em benefícios para a economia. A conclusão é de um estudo da Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal).
O que aconteceu
Pela regra dos benefícios fiscais, determinados setores ficam isentos de pagar tributos desde que façam investimentos que resultem em progresso a regiões carentes, desenvolvam tecnologia ou criem empregos. Cada renúncia fiscal deveria ser acompanhada de um estudo provando o atendimento deste critério, mas isto não ocorre.
A Unafisco, associação de auditores da Receita Federal, resolveu fazer este cálculo. O primeiro passo foi pegar todas as isenções da União e avaliar se os beneficiados entregam contrapartidas.
Em 2024, o governo deixará de arrecadar R$ 523,7 bilhões com isenções. O valor engloba renúncias fiscais instituídas ao longo das últimas décadas e impostos que não foram criados - incluindo um previsto na Constituição.
Depois de analisar a planilha, a Unafisco concluiu que R$ 271,7 bilhões são entregues sem que haja contrapartidas. Isto significa que 51,88% das renúncias que o governo concede não se pagam.
Ainda segundo a Unafisco, outros R$ 160,1 bilhões deixarão de ser recolhidos com a isenção de Imposto de Renda sobre lucros e dividendos, sem qualquer contrapartida.
O UOL procurou os ministérios do Planejamento e da Fazenda pedindo estudos que justifiquem as isenções. A resposta foi de que trabalhos neste sentido estão em curso, mas nenhum documento foi apresentado.
Renúncias que o governo não reconhece
A Unafisco ainda computa benefícios fiscais a pessoas físicas que o governo concede, mas não considera como isenções. Segundo o estudo, esse montante chega a R$ 265,8 bilhões não arrecadados.
O principal desses benefícios é deixar de cobrar Imposto de Renda sobre lucros e dividendos distribuídos. O governo argumenta que não cabe tributação, mas os auditores justificam que este dinheiro é incorporado ao patrimônio, logo, constitui uma fonte de renda e deveria ser tributada.
Os cálculos da Unafisco revelam que R$ 160,1 bilhões deixarão de ser recolhidos somente neste caso. O estudo dos auditores fiscais ressalta que é a maior renúncia fiscal não reconhecida pelo governo no Brasil.
Há mais R$ 29,3 bilhões que a União se abstém de arrecadar ao dar descontos em programas de parcelamento de dívidas. Cada vez que o governo lança um Refis, está perdoando valores que são devidos por contribuintes. Mesmo assim, não considera o alívio um benefício fiscal.
A última isenção não reconhecida pelo governo é abrir mão de arrecadar com o Imposto sobre Grandes Fortunas. O tributo renderia R$ 76,4 bilhões aos cofres do Tesouro Nacional a cada ano, apontam os auditores fiscais.
O presidente da Unafisco, Mauro Silva, ressalta que esta cobrança está prevista na Constituição, mas para ela valer, é preciso o Congresso aprovar uma lei, o que não aconteceu até hoje. A cobrança iria incidir sobre pessoas com patrimônio líquido acima de R$ 4,6 milhões - o que representa 0,1% da população.
A parte do Congresso
Também prevista na Constituição, a redução de tributação para micro e pequenos empresários saiu do papel. Trata-se do Simples Nacional, que concede incentivo a micro e pequenas empresa - reconhecidas por serem as maiores empregadoras do país. Hoje, a isenção do Simples lidera a lista de benefícios fiscais com R$ 125,3 bilhões - mas não há contrapartida para R$ 30,7 bilhões.
Os auditores consideram o Simples Nacional adequado, mas o estudo pondera que empresas que faturam alto e não geram muitos empregos pegaram carona na lei. Ela prevê isenção fiscal para pessoas jurídicas com renda bruta até R$ 4,8 milhões por ano. Ocorre que o grosso dos empregos (75,5%) é criado por empresas que faturam até R$ 1,8 milhão, segundo a Unafisco.
O estudo demonstra que o Congresso deu tratamento diferente às duas legislações previstas na Constituição: a lei que beneficia empresas maiores foi criada; a que cobra imposto dos mais ricos nunca saiu do papel.
O deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) admite que, com ou sem estudos, mudanças que reduzam as renúncias não prosperam no Congresso. Ele afirmou que o lobby de grandes empresas impede que isenções sejam retiradas.
O empresário é quem manda. Banco manda ainda mais. Não passa nada que diminua renúncia no Congresso.
Deputado Mauro Benevides Filho
A omissão legislativa constitui verdadeiro privilégio tributário, visto que se trata de opção do Congresso Nacional que protege a camada mais abastada de brasileiro em detrimento da classe média e pobre.
Trecho do estudo da Unafisco
Aumento de 212% em 10 anos
Apesar da ineficácia apontada pela Unafisco, as isenções cresceram 212,44% no intervalo entre janeiro de 2012 e dezembro de 2023.
Para efeito de comparação, o investimento do governo federal em "Gestão de Risco e Desastres" caiu 5,44% neste mesmo período. Em tempos de crise climática, o investimento em rubricas como a contenção de encostas caiu de R$ 1,47 bilhão em 2012 para 1,39 bilhão em 2023. Os dados são do painel informativo do TCU (Tribunal de Contas da União).
A própria Reforma da Previdência viu seus resultados se dissiparem em menos de três anos por causa das renúncias fiscais. Em 2019, o ex-ministro Paulo Guedes declarou que uma reforma diminuiria o rombo da previdência em até R$ 1,3 trilhão nos dez anos seguintes.
O ministro do TCU Vital do Rêgo afirmou que mexer nas regras de aposentadoria não resolverá o problema enquanto não se controlarem os benefícios fiscais. Ele fez o comentário durante o julgamento das contas de Lula do ano passado.
Revisitar ou promover nova reforma previdenciária não reduzirá o déficit da previdência se não forem reduzidas a renúncia tributária previdenciária e a inadimplência de pagamentos de tributos previdenciários.
Vital do Rêgo, ministro do TCU
Projetos do governo
Não são só benefícios a empresas que não dão o retorno desejado. O mesmo se vê com projetos e autarquias do governo, como a Sudam e a Sudene.
Vitrine do governo Lula (PT), o Prouni apresenta deficiências no que diz respeito às contrapartidas das empresas beneficiadas. Metade das instituições de ensino superior cadastradas ofereceu menos bolsas que o previsto entre 2012 e 2021. A conclusão é do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas, vinculado ao Ministério do Planejamento.
Outra isenção fiscal que não compensa é a Lei do Bem, criada no primeiro mandato de Lula para apoiar pesquisas. O professor de Direito Tributário e Doutor em Direito Econômico e Financeiro pela USP, Ricardo Castagna, diz que o benefício não produziu os resultados esperados. "O incentivo não foi adequadamente planejado, monitorado e executado, e terminou por não gerar os efeitos desejados", diz ele.
O professor de Economia da FGV Joelson Sampaio diz que as isenções deveriam ser acompanhadas de estudos para medir sua eficácia. Ele pondera que estas avaliações não ocorrem e o governo abre mão de impostos sem saber o efeito.