Gilmar sobre marco temporal: 'Não há paz social com imposição de vontades'
Gilmar Mendes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou nesta segunda-feira (5) em encontro sobre o marco temporal que não há "paz social com imposição unilateral de vontades e de visão de mundo".
O que aconteceu
Ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes realizaram nesta segunda a primeira audiência pública de conciliação sobre o marco temporal. Decano do STF convocou a reunião com políticos, autoridades e representantes de ruralistas e indígenas após o Congresso Nacional aprovar, no fim do ano passado, a tese do marco temporal. O presidente Lula chegou a vetar a tese, mas o veto foi derrubado e o texto foi sancionado pelo Congresso em fevereiro deste ano.
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Barroso disse que tema volta ao plenário se discussões não avançarem. O presidente do Supremo, ministro Luis Roberto Barroso, em sua fala de abertura, afirmou que, se não houver consenso, o STF voltará a decidir sobre o tema e citou o processo que discute a constitucionalidade da lei aprovada pelo Congresso e que foi suspensa por um pedido dele.
Vamos esperar algumas semanas para vermos se há avanço ou perspectiva real de chegarmos a um acordo. Se não houver essa possibilidade, nós iremos retomar a votação pura e simplesmente. A procrastinação não é a opção que está de volta na mesa.
Ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF
Gilmar rebate críticas à proposta de conciliação. Em sua fala na abertura do encontro, o ministro disse que se buscou um "protagonismo criativo legitimado pelo texto constitucional" e rebateu os críticos que chamaram a conciliação de um "balcão de negócios".
[Os críticos] Modulam essa mesa de debates como um bazar de negócios. Esquecem que não há verdadeira paz social com imposição unilateral de vontades e de visão de mundo. Desconsideram, ao fim e ao cabo, o que os povos originários ensinam há gerações àqueles que aportaram nestas terras: esse país comporta a todos nós, em seus múltiplos modos de vida e valores. Escapa-lhes também que independentemente do resultado das discussões travadas nessa discussão, seu conteúdo será submetido ao crivo do plenário do STF (...) Este tribunal jamais admitirá solução que não contemple a observância da Constituição Federal.
Ministro Gilmar Mendes, do STF
Projeto de lei foi aprovado após o STF declarar a tese inconstitucional, o que elevou a tensão entre Congresso e Judiciário. Em reação ao Congresso, partidos e entidades que representam os povos indígenas recorreram ao Supremo. O marco temporal é uma interpretação de um artigo da Constituição Federal. Esse entendimento prevê que uma terra indígena só pode ser demarcada com a comprovação de que os povos originários estavam no local requerido na data de promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988.
Gilmar Mendes é o relator das ações protocoladas. Por um lado, os partidos PL, PP e Republicanos pedem à Corte para manter a validade do projeto de lei que reconheceu o marco. Por outro lado, partidos de esquerda como PCdoB, Rede, PV e entidades que representam os indígenas e partidos governistas contestam a constitucionalidade da tese. Os processos dos movimentos indígenas também ficaram sob a relatoria de Gilmar Mendes.
Gilmar suspendeu processos. Diante do embate, o ministro Gilmar Mendes negou pedidos de entidades indígenas para invalidar a votação no Congresso e decidiu realizar audiência de conciliação no próprio STF. O ministro instituiu que a comissão de conciliação terá seis representantes indicados pela Articulação dos Povos Indígenas (Apib), seis pelo Congresso Nacional, quatro pelo governo federal, dois dos estados e um dos municípios.
A perspectiva é que as audiências ocorram até o dia 18 de dezembro. Cada um dos autores das ações também poderá indicar um representante.
Segurança reforçada. Supremo recolocou grades de segurança na entrada e acionou a PM (Polícia Militar) do Distrito Federal. As grades haviam sido retiradas em fevereiro deste ano pela primeira vez, após os atos golpistas que depredaram os edifícios da praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
Em meio ao reforço de segurança, representantes indígenas foram barrados. Episódio ocorreu antes da audiência e envolveu indígenas e até um dos advogados da Apib.
Barroso se desculpa. Eles acabaram sendo liberados a tempo da audiência, e, na abertura da reunião, Barroso pediu desculpas pelo incidente, que classificou como "erro grave de segurança".
'Solução heterodoxa'
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), elogiou a solução "heterodoxa" de Gilmar. O senador relembrou o período em que foi governador da Bahia e teve que lidar com a situação de indígenas no estado. Ele também elogiou a "solução heterodoxa" do Supremo para resolver problemas complexos. Além dele, a senadora Teresa Cristina (PP-MS), expoente da bancada ruralista, também representa o Senado na comissão.
Representantes da Apib, porém, criticam o modelo de conciliação. Em sua fala inicial nesta tarde, o coordenador-jurídico da Apib, Maurício Terena, disse que a lei está levando a conflitos e à situação de insegurança para os indígenas e lembrou o recente ataque ocorrido a indígenas em Mato Grosso do Sul, no último final de semana. Ele pede a suspensão imediata da lei aprovada pelo Congresso Nacional.
Conflito se intensifica em MS
Índígenas são atacados por fazendeiros de Mato Grosso do Sul na véspera da audiência pública. No sábado (3), homens armados atacaram indígenas Guarani Kaiowá que estavam em áreas retomadas na Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, em Douradina (MS). Ao menos 11 indígenas ficaram feridos, segundo órgãos governamentais e um grupo de direitos indígenas.
Ataques ocorreram em meio à presença da Força Nacional na região. Presença de tropa de elite do governo federal não evitou ataques. No sábado, Ministério da Justiça informou que a Força Nacional estava "com todo o efetivo em Mato Grosso do Sul", mas que o ataque "ocorreu no início da tarde, no momento em que a FN fazia o patrulhamento em outra área da mesma região".