Heleno planejava dar à AGU poder para derrubar decisões judiciais, diz PF

A Polícia Federal apreendeu na casa do general Augusto Heleno uma agenda em que o ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) anotou estratégias para descredibilizar as urnas eletrônicas e para barrar a Polícia Federal de cumprir ordens do Judiciário.

O que aconteceu

Anotações revelam plano para coagir PF a não cumprir ordens do Judiciário contra o grupo político de Bolsonaro e apoiadores. A medida previa punir autoridades policiais por crime de abuso de autoridade e até prisão em flagrante.

AGU (Advogacia-Geral da União) assumiria papel de dizer se ordens judiciais eram ou não constitucionais. "O texto descreve uma comunhão de esforços para que a Advocacia-Geral da União se manifestasse em um documento fundamentado na Constituição Federal, afirmando que ordens, entendidas manifestamente ilegais, não fossem cumpridas", diz trecho do relatório final da PF sobre o inquérito da tentativa de golpe no governo Bolsonaro, que teve o sigilo levantado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, nesta terça-feira (26).

Agenda apreendida com Augusto Heleno tinha logo da Caixa Econômica Federal na capa
Agenda apreendida com Augusto Heleno tinha logo da Caixa Econômica Federal na capa Imagem: Reprodução/PF

Plano envolveria as Forças Armadas. O Ministério da Justiça, a quem a PF está subordinada, deveria inicialmente provocar a AGU a produzir um parecer sobre legalidade da ordem judicial. Após o órgão se manifestar com uma decisão técnica favorável, "com Força Normativa Vinculante", segundo Heleno, o parecer seria devolvido à pasta, que daria ciência ao diretor-geral da PF para "desdobramentos". Dentre os "desdobramentos", Heleno descreve: "autoridade vai se dirigir às FA". Na visão dos investigadores, o general estaria se referindo às Forças Armadas.

Parecer da AGU passaria por aprovação do presidente da República. "Em consequência, caso a Autoridade Policial descumprisse o parecer vinculante, cometeria crime de responsabilidade. Diz: 'quem executar ordem ilegal comete crime de responsabilidade'", afirma outro trecho do relatório da PF.

Registro em agenda revela plano para coagir PF a não cumprir ordens judiciais
Registro em agenda revela plano para coagir PF a não cumprir ordens judiciais Imagem: Reprodução/PF

Para a Polícia Federal, o plano é uma "aberração jurídica".

Os elementos de prova não deixam dúvidas de que a organização criminosa estava elaborando estudos para de alguma forma tentar coagir integrantes dos sistemas de persecução penal para que as investigações contra seus integrantes fossem cessadas, ainda que pela aprovação de verdadeiras aberrações jurídicas, como um parecer administrativo declarar uma ordem judicial inconstitucional, colocando a AGU como órgão revisor de decisões jurisdicionais, fato não abarcado pela Constituição Federal de 1988.
Trecho do relatório final da PF

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Em conclusão, o documento descreve que o Delegado seria preso em flagrante, em caso de cumprimento de ordem judicial, que fosse declarada inconstitucional pela AGU, com força vinculante, após aprovado do presidente da República. Diz: 'Prisão em flagrante do delegado que se dispuser a cumprir'.
Trecho do relatório final da PF

Da mesma forma, verificou-se que as ações com a finalidade de atacar o sistema eleitoral brasileiro e o planejamento de possíveis instrumentos jurídicos para coagir as autoridades policiais que cumprissem ordens judiciais que pudessem atingir a organização criminosa, estava sendo implementada de forma coordenada com o então ministro do GSI, General AUGUSTO HELENO.
Trecho do relatório final da PF

"É válido continuar a criticar a urna eletrônica", escreveu Heleno em outra anotação encontrada pela PF. O ex-ministro GSI ainda registrou no documento a necessidade de realizar uma "reunião de diretrizes estratégicas" e de "estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações". Para os investigadores, as anotações demonstram o objetivo da "organização criminosa em disseminar ataques ao sistema eletrônico de votação".

Anotação aponta plano para atacar segurança das urnas eletrônicas, segundo PF
Anotação aponta plano para atacar segurança das urnas eletrônicas, segundo PF Imagem: Reprodução/PF

Em outro trecho, Heleno anotou palavras-chaves sobre fraudes no sistema de votação. "Fraudes pré-programadas", "Mecanismo usado para fraudar", "Escritório vende algoritmos", "TSE 1 - alimenta" e "9 milhões de votos eleitores" foram algumas das frases encontradas pela PF na agenda de Heleno.

Agenda foi apreendida durante Operação Tempus Veritatis. A operação foi deflagrada pela PF em fevereiro deste ano para investigar a tentativa de golpe para manter Bolsonaro no poder.

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Heleno foi um dos 37 indiciados pela PF no âmbito das investigações sobre os planos de ruptura democrática. Segundo as investigações, ele participou de estratégias para descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro e divulgar desinformação sobre a segurança das urnas. Ele também seria o chefe do chamado "Gabinete Institucional de Gestão de Crise", que seria criado logo após o golpe de Estado para "assessorar o então presidente da República Jair Bolsonaro na administração dos fatos recorrentes da ruptura institucional", de acordo com a PF.

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