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'Método mafioso', diz presidente da ANJ sobre assédio a colunista do UOL

Marcelo Rech, presidente da ANJ - Mathilde Missioneiro/Folhapress Marcelo Rech, presidente da ANJ - Mathilde Missioneiro/Folhapress
Marcelo Rech, presidente da ANJ Imagem: Mathilde Missioneiro/Folhapress

Do UOL, em São Paulo

21/03/2025 17h48

O presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Marcelo Rech, classificou como "método absolutamente mafioso" o assédio sofrido pelo repórter e colunista do UOL Thiago Herdy.

Herdy foi seguido e teve dados fiscais, endereço e informações sobre sua família expostos em um texto apócrifo publicado em um site da plataforma Wix. A publicação relata episódios da rotina do repórter, com fotos do deslocamento dele pela cidade.

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O texto ainda cita reportagens do colunista sobre indícios de irregularidades em contratos emergenciais da prefeitura de São Paulo na primeira gestão de Ricardo Nunes (MDB).

O presidente da ANJ comparou o caso de Herdy ao ocorrido há cerca de 10 anos com jornalistas europeus que produziam reportagens investigativas sobre o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Segundo Rech, os profissionais sofreram ataques cibernéticos e tiveram a vida devassada, com dados pessoais expostos.

"É um método absolutamente mafioso que está chegando ao Brasil. É extremamente preocupante isso porque visa exatamente intimidar a investigação, destruir reputações, destruir o patrimônio pessoal e profissional do jornalista para impedir que ele faça seu trabalho. É uma violência absurda, inaceitável", declarou Rech, em entrevista ao UOL.

Além da exposição de dados pessoais, os jornalistas sofreram uma campanha difamatória, com disseminação de fake news.

Com Herdy, ocorreu algo semelhante. O texto apócrifo publicado na plataforma trazia informações falsas sobre as motivações das reportagens publicadas pelo colunista.

"Thiago Herdy tinha uma missão a cumprir. Seu alvo? A gestão municipal de São Paulo", escrevem os autores do texto, não identificado.

Rech credita os ataques a jornalistas ao cenário de polarização política e de disseminação de notícias falsas. Para descredibilizar o conteúdo das revelações feitas por profissionais de imprensa, tenta-se depreciar a imagem do repórter para desencorajá-lo a seguir com seu trabalho.

"Precisa-se desmoralizar o mensageiro. Não é combater a mensagem, contrapor a mensagem, quem está do outro lado produzindo esse tipo de ataque precisa, ou quer, eliminar o mensageiro", avalia. Rech destaca que o grande ataque é à sociedade, que "perde o direito de informação livre e verdadeira".

Além da ANJ, outras entidades de defesa da liberdade de expressão e do combate à corrupção repudiaram a perseguição e a exposição de dados pessoais do jornalista.

Ataques contra jornalistas no Brasil

O presidente da entidade que representa os jornais afirma que os ataques a jornalistas diminuíram no Brasil no governo Lula (PT), após os anos da gestão Bolsonaro (2018-2022) em que houve, na avaliação de Rech, uma "institucionalização" da violência aos profissionais de imprensa.

Ele pondera, entretanto, que faltam ações efetivas do atual governo para combater o problema.

Rech relembra que, no início da administração petista, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública criou um observatório de violência contra jornalistas e comunicadores para monitorar agressões. Hoje, a iniciativa "anda de lado", diz.

"Se parecia que ali o governo iria atuar decisivamente para por um fim ou conter a agressão aos jornalistas, que é basicamente investigação e punição. O observatório continua existindo, mas de lado, devagar, quase parando. Não se tem notícia de que algo tenha acontecido, do ponto de vista institucional, para que se estanque a agressão e o ataque a jornalistas", critica.

"Não há estímulo de violência de quem está no poder, mas não estou vendo ação decisiva para que isso tenha um fim", pondera, ao comentar o que vê como falta de esforço para lidar com a questão.

O Brasil teve uma melhora na situação de liberdade de expressão no ano passado. Segundo o Índice Chapultepec da Sociedade Interamericana de Imprensa, o país subiu oito posições e alcançou o 6º lugar entre todas as regiões analisadas.

O resultado coloca o Brasil no grupo das nações com "baixa restrição" em liberdade de expressão, refletindo a redução das hostilidades a jornalistas e a organizações de notícias após um período de escalada de violência que culminou com os atos antidemocráticos contra os Três Poderes, em janeiro de 2023.

Nenhum país pesquisado, no entanto, tem situação de plena liberdade de expressão.

O que reportagens de Thiago Herdy revelaram

Em março de 2024, o UOL mostrou em série de reportagens que 223 dos 307 contratos de obras emergenciais assinados pela prefeitura de São Paulo na primeira gestão de Ricardo Nunes (MDB) traziam indícios de combinação entre as empresas convidadas a realizar as obras.

Reportagens demonstraram que três empresas de uma mesma família assinaram quase R$ 750 milhões em contratos sem licitação e que, em alguns casos, a prefeitura ignorou descontos ofertados pelas empresas convidadas a realizar as obras.

Nos meses seguintes, o UOL mostrou ainda que o chefe de gabinete da Siurb e sua família moraram em imóveis pertencentes à empresa que mais faturou contratos emergenciais no período analisado pela reportagem.

Moraram também no endereço do empresário o próprio prefeito Ricardo Nunes e um de seus aliados.

Todos negam as acusações e também haver relação entre os contratos de aluguel e os contratos assinados no âmbito da prefeitura.

O Ministério Público de São Paulo abriu uma investigação para apurar os indícios de combinação entre as empresas envolvidas no contrato.

Como mostrou o UOL, por um ano a prefeitura de São Paulo evitou responder aos pedidos de informação solicitados pelos promotores e enviou dados incompletos às autoridades de controle.


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