STF proibiu uso de dinheiro público em comemorações do golpe militar de 64
Usar dinheiro público para comemorar o golpe de 1964, que completa 61 anos hoje, 'atenta contra a Constituição'. O entendimento do STF foi divulgado em outubro do ano passado, quando foi encerrada uma ação judicial que tratava sobre o tema e tramitava na corte.
O que aconteceu
Mensagem divulgada pelo Ministério da Defesa em 2020 deu origem ao processo. Naquele ano, o ministério do governo Jair Bolsonaro (PL) divulgou no dia 30 de março uma nota de teor comemorativo em relação aos 56 anos do golpe de Estado de 1964, posto em prática com o apoio de Exército, Marinha e Aeronáutica.
Situação foi levada à Justiça por deputada federal do PT, que venceu em primeira instância. Natália Bonavides (PT-RN) teve ganho de causa no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte em 2020, quando foi determinada a retirada da nota do site do ministério da Defesa e a "abstenção de publicação de qualquer anúncio comemorativo relativo ao golpe de Estado praticado em 1964" por parte do órgão.
A União recorreu, e a Justiça Federal reverteu o caso, sob o argumento de que a nota tornava pública "a visão dos Comandantes das Forças Armadas sobre aqueles fatos". "A Constituição não desautoriza as diferentes versões sobre fatos históricos", dizia o texto dessa decisão, que também foi alvo de recurso — dessa vez, por parte da parlamentar Bonavides.
Para Gilmar Mendes, nota do ministério subverteu "fatos históricos incontroversos". Em seu voto, o ministro abriu divergência em relação ao relator Kássio Nunes Marques e afirmou que o material oculta a verdade e tripudia da memória das vítimas da ditadura, usando estrutura do Estado brasileiro para isso.
Gilmar afirmou ainda que o episódio de 2020 tem relação "direta" com os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Foi quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) atacaram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o próprio STF, causando um prejuízo total estimado em R$ 26 milhões.
Placar final do caso no STF foi 8 votos a 3. Nunes Marques, Dias Toffoli e André Mendonça se posicionaram a favor do ministério do governo Bolsonaro, mas os outros ministros da corte deram ganho de causa à ação de Bonavides.
Tornada pública em 25 de outubro de 2024, decisão vale desde então. Hoje é o primeiro aniversário do golpe com a proibição em vigor.
A utilização, por qualquer ente estatal, de recursos públicos para promover comemorações alusivas ao Golpe de 1964 atenta contra a Constituição e consiste em ato lesivo ao patrimônio imaterial da União
Supremo Tribunal Federal, na decisão sobre o caso
Data é tabu em Lula 3
Aniversário do golpe não será comemorado em quartéis nem repudiado pelo governo. A estratégia é usada desde 2023, após quatro anos de celebrações estimuladas por Bolsonaro.
Com isso, o governo Lula visa evitar atritos com os militares, mas o silêncio é "constrangedor" para aliados. A situação se agravou após Bolsonaro e outros membros de seu governo virarem réus no STF por tentativa de golpe. No PT, o entendimento é que a data deveria servir de gancho para atos críticos e de resgate da memória sobre o que aconteceu durante a ditadura.
Oscar ao filme "Ainda Estou Aqui" fortaleceu a discussão sobre a ditadura militar. Dirigido por Walter Salles, o longa conta a trajetória de Eunice Paiva, viúva do empresário e ex-deputado federal Rubens Paiva, que foi assassinado pela ditadura.
Apesar da não realização de eventos oficiais, data será comemorada entre fardados. O Clube Militar do Rio promoverá um almoço ao que chama de "movimento democrático de 1964", com ingressos a R$ 100 por pessoa e presença de personalidades que, ainda hoje, apoiam o golpe que levou o país a 21 anos de ditadura.
Iniciada em 1964, ditadura militar se estendeu até 1985 no Brasil. Período foi marcado por dissolução de partidos políticos, eleições indiretas para presidente e outros cargos e violações dos direitos humanos, segundo documentos oficiais. Nos últimos anos, o regime tem sido defendido pela extrema direita.