O sistema de subornos também existe até mesmo para trabalhar. As estimativas apontam que 23% dos funcionários das empresas estatais têm algum tipo de negócio clandestino. As investigações revelam que mais da metade dessas estatais aceitam que seus trabalhadores faltem alguns dias da semana para poder tocar seus próprios negócios. Mas com uma condição: o pagamento de subornos.
"Eu pagava para não ir trabalhar", disse um norte-coreano, sempre na condição de anonimato. Segundo ele, o valor era de 30 yuans (R$ 17) por mês e o dinheiro ia para a gerência que controlava as ausências.
Num outro relato, um trabalhador indicou que chegava a pagar 25% de seu salário em propinas, justamente para poder tocar seu negócio informal. O dinheiro era usado para justificar suas ausências, mas também para que suas vendas não fossem confiscadas. Em alguns casos, o pagamento era em produtos, com a distribuição de cigarros e mesmo de mel.
Também foi constatado o pagamento de propinas para que os cidadãos fossem liberados de trabalhos comunitários. Segundo um dos relatos, um certo bairro foi mobilizado entre 5h e 8h da manhã para ajudar na construção de um prédio de nove andares.
Pelas regras, cada família deveria designar uma pessoa para prestar serviços por 350 dias em um ano. "Mas, como eu vivia sozinho, não tinha opção e precisava trabalhar. Ou então eu poderia pagar 30 yuan chineses para os oficiais da cidade", explicou.
Liberdade de movimento em xeque
O sistema de pagamentos também envolve a capacidade das pessoas de circular pela Coreia do Norte. Oficialmente, esse livre movimento é um direito no país. Mas, na prática, a circulação precisa passar por uma autorização.
"Nas estradas, existem muitos 'check-points' [postos de barreira]", disse outra testemunha. "Eles estão designados para monitorar a todos e deveriam identificar espiões. Têm o poder de controlar e verificar tudo nos carros. E a única forma de passar é pagando", disse.
O caso fica ainda mais dramático quando o assunto é cruzar fronteiras. Hoje, segundo o informe, isso depende mais uma vez de um só fator: o suborno.
Muitos são os norte-coreanos que escapam para a China. Mas, ao serem pegos, são devolvidos para seu país de origem. Para que não sejam levados a campos de trabalho onde serão mantidos por anos, é uma propina ao guarda de fronteira que garante que o boletim produzido seja mais suave.
Para a ONU, sem um Estado de Direito, os cidadãos são simplesmente expostos a prisões arbitrárias e extorsões praticamente diárias. Michelle Bachelet, chefe do escritório da ONU para Direitos Humanos, constata: os norte-coreanos passaram a ter de subornar o Estado para garantir seus direitos mínimos: alimentos, casa, trabalho e até a liberdade de se movimentar.
Procurado, o regime de Pyongyang garantiu que todos os relatos e dados apresentados pela ONU eram "mentirosos" e "sem base".