Apesar da afirmação crítica de Paulo Guedes, nem todo o governo Bolsonaro concorda com o fim do Mercosul. O vice-presidente eleito, general da reserva Hamilton Mourão, afirmou que, "antes de pensarmos em extinguir, derrubar, boicotar, temos que fazer os esforços ainda necessários para que atinja os seus objetivos". "Tem que haver uma conversa maior com os nossos vizinhos. Principalmente com a Argentina", disse em entrevista para a Folha de S. Paulo.
Durante a cúpula do G20, terminada em Buenos Aires no início de dezembro, o presidente Mauricio Macri também reconheceu que o Mercosul é um dos blocos mais protecionistas do mundo e disse que, em conversas com o presidente Michel Temer (MDB), ambos coincidiram que “tanto a Argentina quanto o Brasil querem se abrir". "Nós nos demos conta de que nos equivocamos, e os países que se abriram nos últimos 20 anos são os que mais cresceram, muito mais do que Argentina e Brasil”, disse o argentino no fim do encontro das maiores economias do mundo, que representam hoje 85% da riqueza global.
Matias Spektor, coordenador da graduação de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas), lembra que Macri e Bolsonaro estão na mesma página quando o tema é o Mercosul, ainda que a afirmação de Guedes tenha causado perplexidade. "O problema não foi o conteúdo, foi a forma como ele disse. Do ponto de vista do conteúdo, o que o Bolsonaro acredita é exatamente o que o Macri acredita. Ele não acha que o Mercosul está funcionando ou que seja prioridade", diz.
"Ficou parecendo que era um gesto descortês em relação ao governo argentino. O Paulo Guedes poderia ter respondido assim: 'Bolsonaro e Macri acreditam exatamente na mesma coisa e vão acabar com essa mamata desse Mercosul protecionista'. Essa poderia ter sido a resposta que deixaria o Macri bem tranquilo. Ao responder da forma como ele respondeu, deu a impressão de que ele estava fazendo menos caso da Argentina. Mas não foi isso", explica Spektor.
"Na prática, quando o Bolsonaro assumir, Macri e ele devem tomar decisões para acelerar o processo de readaptar e adequar o Mercosul a um novo ambiente com dois governos que têm uma agenda antiprotecionista", afirma Spektor. "Isso não quer dizer a morte do Mercosul. É um ajuste para servir aos propósitos políticos dos dois presidentes, que é atrair investimento", argumenta o internacionalista.
"Isso não quer dizer que vá dar certo. Os dois presidentes precisam do apoio de grupos protecionistas. O Mercosul hoje é um escudo protecionista para proteger indústrias dos dois países que são pouco competitivas, como o setor automobilístico, por exemplo. Só que para acabar com isso, precisariam abrir uma guerra contra esses grupos, que hoje têm influência política nos Parlamentos", explica o professor da FGV.
Spektor diz ainda que o sucesso do Mercosul, na verdade, depende dos Executivos. "Com a Dilma e a Cristina, o Mercosul travou completamente, não fez nada de novo. Mas Lula e Néstor Kirchner fizeram muita coisa. Temer e Macri também fizeram muita coisa juntos. Lembre-se de que eles conseguiram tirar a Venezuela do Mercosul, apesar da oposição firme do Uruguai", diz o analista.
"O governo Macri não tem porque não ser prestigiado. Se você tivesse um governo Kirchner, eu diria: 'Vamos com cuidado'. Mas, com um governo como o de Macri, não vejo o porquê ter alguma hesitação [na mudança]", diz Lafer.
O que deveria mudar?
A ideia principal é que os integrantes possam fechar acordos de livre comércio bilaterais, e não mais negociar em bloco. Graça Lima afirma que hoje a negociação em conjunto seria facilmente revogável.
"Não haveria o menor problema em derrubar a resolução de negociar em conjunto. Você aprova pelos integrantes uma outra resolução que modifica a anterior. E tenho certeza absoluta que Paraguai e Uruguai não seriam contra. Eles sempre estiveram muito mais propensos a estabelecer acordos com países fora do Mercosul sem a rigidez que o bloco impõe", avalia o embaixador.
"O Mercosul é um sucesso político, mas deixa a desejar em termos comerciais. A prioridade para o Brasil parece cada vez mais clara: uma reforma tarifária autônoma e um programa de liberalização que atenda às suas necessidades, proporcionando maior produtividade para sua indústria", diz o embaixador Graça Lima.