Aos poucos, fui percebendo que a Arábia Saudita é um país complexo e cheio de contrastes.
Apesar da abaya em público, as sauditas se vestem 'normalmente' em casa. Em outro shopping, vi lojas de marcas internacionais com roupas que poderiam muito bem estar em qualquer cidade brasileira: shorts curtos, minissaias e vestidos decotados. Mas não havia provador feminino.
Uma loja de maquiagem estava cheia de mulheres com nicabe e burca. Outra de lingerie mostrava peças na vitrine que talvez só sejam vistas em sex shops no Brasil.
Ao entrar em um Uber, amigas jornalistas contaram ao motorista que eram brasileiras e foram 'homenageadas' com uma trilha sonora 'típica': um funk carioca com palavras impublicáveis.
São talvez pequenos esforços individuais para tentar burlar o sistema — embora pareçam ser mesmo iniciativas minoritárias.
Nos dias em que estive no país, só vi quatro mulheres dirigindo na capital. Uma amiga gravou uma reportagem sentada no banco do motorista e relatou reações de choque por parte de um grupo de sauditas.
Em visita ao clube de futebol Al-Nassr, um dos mais populares de Riad onde jogam três brasileiros, ouvi um motorista dizer que não entendia a ida das sauditas aos jogos, já que futebol não é para mulheres. Ao mesmo tempo, o próprio clube divulgou em uma rede social vídeo de uma das repórteres brasileiras jogando bola no campo. Impensável há até poucos meses.
No centro de ciência e tecnologia do governo, fomos recebidos por uma chefe saudita, responsável por pesquisas genéticas, relatadas com um inglês fluente.
Após explicar o trabalho, deu entrevista para uma colega. Como o horário estava apertado, um assistente pediu que apressasse a fala duas vezes. Nas duas, a pesquisadora mandou o assistente esperar. A atitude ousada veio seguida de uma explicação mais tarde: ela é princesa.
Apesar do episódio no shopping, fomos muito bem tratados em todo momento. Por trás de véus e códigos de costume diferentes, há um povo hospitaleiro que tenta entender como combinar costumes conservadores com a abertura para o turismo.
Ao se despedir de mim na partida de Riad, um dos motoristas me entregou a bagagem e, num gesto inesperado e meio sem jeito, pegou minha mão e a apertou. Com um sorriso de ponta a ponta, disse: "Foi um prazer". Saiu rapidinho envergonhado, mas exultante pela coragem.