Topo

Indústrias e turismo: como sauditas querem depender menos dos petrodólares

Turistas poloneses em Riad no museu de Masmak - FAYEZ NURELDINE / AFP
Turistas poloneses em Riad no museu de Masmak Imagem: FAYEZ NURELDINE / AFP

Luciana Amaral

Do UOL, em Riad (Arábia Saudita)*

03/11/2019 04h01

Resumo da notícia

  • Arábia Saudita tenta diversificar economia e depender menos do petróleo
  • País anunciou investimentos em países em desenvolvimento como Índia e Brasil
  • Riad tenta também vender ao mundo imagem de modernização dos costumes

Com cerca de 18% das reservas petrolíferas do mundo, a Arábia Saudita quer deixar de depender tanto do óleo, que hoje responde a 70% da receita nacional. Para isso, o país tenta colocar em funcionamento um ambicioso plano de diversificação econômica, apostando em setores como indústria e turismo.

Governados por uma monarquia ultraconservadora, os sauditas tentam superar os soluços de uma economia refém da flutuação do petróleo no mercado internacional.

A aposta passa por um programa denominado Visão 2030, baseado em reformas internas e atração de empresas estrangeiras. Alguns incentivos têm 75% de financiamentos subsidiados a juros quase zero até 2030 e ajuda do governo até para treinamento de recursos humanos.

O projeto é encabeçado pelo príncipe herdeiro Mohammad Bin Salman, que ganhou os holofotes internacionais devido à suspeita de envolvimento do assassinato do jornalista Jamal Kashoggi, crítico ao governo.

Lançado há três anos, o programa quer fortalecer a cultura islâmica e a identidade nacional, aumentar a oferta de empregos, melhorar a eficiência do governo, reformar infraestrutura e logística do país e privatizar alguns setores, segundo o ministro do Comércio e Investimento do país, Majid bin Abdullah Al Qasabi.

Apesar da economia fundamentada na exploração de óleo e gás, uma das pretensões da Arábia Saudita é se firmar como referência em energia limpa. No fórum Future Investment Initiative, do qual o presidente Jair Bolsonaro (PSL) participou, diversos painéis e estandes eram voltados a serviços e produtos com emissão zero de carbono.

Uma promessa é a inauguração da primeira cidade 100% sustentável, Neom, no norte da Arábia Saudita, em 2025. Com desenho futurístico e custo estimado em US$ 500 bilhões, a ideia é que a cidade tenha 33 vezes o tamanho de Nova York.

A Arábia Saudita quer ainda usar melhor sua localização privilegiada na península arábica e se transformar em um ponto central da logística no Mar Vermelho, que banha um dos litorais do país. Segundo o ministro do Comércio saudita, 20% dos contêineres do mundo passam por aquelas águas.

População jovem e desemprego semelhante ao Brasil

Além de superar os sobressaltos na economia, as reformas sauditas têm a ambição de diminuir o desemprego, que fechou em 12,7% em 2018, próximo aos 12,3% medidos pelo IBGE no Brasil.

Num país em que as mulheres começaram a dirigir e trabalhar com mais liberdade apenas recentemente, também há o desafio de superar a desigualdade de gênero no mercado de trabalho. O governo pretende ser pivô dessas mudanças. Um dos órgãos que promove as iniciativas do Visão 2030, o instituto "Cidade para Ciência e Tecnologia Rei Abdulaziz", emprega 3.250 homens e 422 mulheres — um sucesso de inclusão feminina, para padrões sauditas.

O orçamento do instituto neste ano chega a R$ 4,9 bilhões e uma das prioridades é a pesquisa em dessalinização da água para consumo - por estar no deserto, a Arábia Saudita tem de consumir água do Mar Vermelho.

Capital Riad em obras

Distrito financeiro de Riad - Faisal Al Nasser / Reuters - Faisal Al Nasser / Reuters
Distrito financeiro de Riad
Imagem: Faisal Al Nasser / Reuters

Entre prédios comerciais modernos e antigos, a capital da Arábia Saudita, Riad, hoje é um canteiro de obras. Propagandas do programa de modernização estão também por todas as partes da cidade.

Debaixo das reformas e das construções, a cidade vai também criando sua primeira rede de metrô, com sete linhas. Trens de alta velocidade que conectam Riad às demais principais cidades do país foram inaugurados.

Um dos desafios será convencer os habitantes a migrarem para o transporte público, já que abastecer o próprio carro é barato — ainda que os custos tenham aumentado recentemente. Hoje, um litro de gasolina comum custa cerca de R$ 1,50. Há quase dois anos, chegava a custar aproximadamente R$ 0,40.

Além da demanda interna, o ministro Al Qasabi afirma que a implementação do transporte público é planejada tendo em vista a chegada dos turistas que o governo espera atrair.

"O turismo está aberto, então o tráfego vai aumentar. Isso requer mais logística e serviços", disse.

Por enquanto, o transporte público é quase inexistente em Riad. Em alguns locais, até mesmo calçadas são difíceis de encontrar. Para turistas se movimentarem pela cidade, veículos privados e táxis ou Uber são as opções.

Abertura a turistas do mundo

A Arábia Saudita abriga duas das cidades mais sagradas para o Islã: Meca e Medina. Hoje o turismo no país é basicamente por motivos religiosos. Até este ano, a maioria dos estrangeiros só podia entrar no país a trabalho ou a convite do governo saudita.

Agora, o país quer explorar o potencial turístico em outras frentes, com passeios em ruínas históricas e a instalação de resorts de luxo à beira do Mar Vermelho e do Golfo Pérsico. Nesse sentido, a Arábia Saudita está atrasada em relação a vizinhos, como Bahrein e Emirados Árabes Unidos.

A cidade histórica de Al Diriyah, onde a Arábia Saudita foi fundada, virou um complexo de pelo menos 11 museus que contam a história do país. Nem todos foram inaugurados.

Mas a infraestrutura montada já é equivalente à vista em países europeus, com funcionários bem preparados. Do lado de fora, há praças nas quais famílias fazem piqueniques e churrascos à noite, quando a temperatura é mais amena.

Cinemas foram liberados em dezembro de 2017, e hoje shows de música começam a se espalhar pela cidade, inclusive com patrocínio do governo.

Restaurantes lotados e com cardápio em inglês também caracterizam a noite de Riad. Mas o turista ainda esbarra em garçons que só falam árabe.

O país também flexibilizou a exigência da abaya, túnica que cobre todo o corpo, com véu, para as estrangeiras. No entanto, ainda é de bom tom que vistam a peça por cima da roupa

Quais as oportunidades para o Brasil?

Em meio a tantas mudanças, o brasileiro Adalberto Netto, consultor para investimentos estrangeiros do Ministério da Indústria da Arábia Saudita, afirma que o Brasil é considerado fundamental para a segurança alimentar saudita.

Mas ele também diz que o Brasil pode expandir o leque e lucrar com peças para a indústria de energia, na cadeia da carne de frango e na produção de remédios e vacinas.

Atualmente, uma das plantas dos maiores frigoríficos brasileiros, a BRF Foods, não consegue mais exportar carne de frango para a Arábia Saudita. A alternativa encontrada foi a abertura de uma fábrica no país. A expectativa é que a empresa ganhe dinheiro exportando tecnologia e experiência do Brasil, além da linha de produção.

A indústria farmacêutica brasileira também está de olho nas oportunidades sauditas. A Eurofarma pretende exportar mais remédios genéricos e realiza estudo sobre a viabilidade de abrir uma fábrica no país árabe.

O Instituto Butantan, por sua vez, quer aumentar o portfólio de vacinas na Arábia Saudita e examina se vale abrir um laboratório local. A ideia é vender vacinas devido à peregrinação de milhares de muçulmanos todo ano para Meca e Medina, cidades sagradas para o Islã localizadas no país, além de suprir a demanda local.

*A jornalista viajou a convite do governo da Arábia Saudita.