Ao longo dos últimos 20 anos, diferentes governos brasileiros apoiaram o crescimento das fábricas de armas e da indústria de Defesa no país. Uma das maiores beneficiárias foi a empresa Condor. Ela expandiu suas atividades para fora do Brasil e abriu escritórios em Abu Dhabi e Singapura.
Em todo esse tempo, a Condor obteve apoio para vendas internacionais, benefícios fiscais e até no financiamento para desenvolver essas armas menos letais. Assistências que começaram no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) depois foram ampliadas nos governos de Lula e de Dilma Rousseff (ambos do PT), além de Michel Temer (MDB).
Atualmente, o general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e cotado para ser vice de Jair Bolsonaro (PL) na campanha pela reeleição, tem feito acordos comerciais que beneficiam ainda mais negócios da empresa no exterior, sobretudo no mundo árabe. Ao longo dos anos, o objetivo desses diferentes governos era que o Brasil se tornasse um dos líderes desse mercado. E, ao menos, nas ditas armas menos letais, ele foi alcançado.
Em 2020, a Omega Research Foundation, um instituto de pesquisas do Reino Unido, em parceria com o Instituto Sou da Paz, a Justiça Global e outras organizações não governamentais, publicou um relatório que identificou 16 empresas no Brasil voltadas para a fabricação de vários tipos de armas, munições e artefatos, de balas de borracha a bombas de gás, e equipamentos de segurança. De longe, a Condor é a maior do setor. Não é apenas a maior empresa do Brasil no mercado interno do ramo, mas, como a própria empresa costuma dizer, é uma "líder global" presente em 80 países.
Esse negócio é bastante lucrativo e pouco transparente. Desde 2011, o governo do Brasil considera que a divulgação detalhada das vendas de uma empresa privada brasileira para empresas ou governos estrangeiros está coberta por sigilo industrial.
Mas existem alguns caminhos para tentar saber quanto vale esse negócio. O relatório da Omega, por exemplo, aponta que a Condor é a única empresa exportadora do setor de que se tem conhecimento na cidade de Nova Iguaçu, município localizado na região metropolitana do Rio de Janeiro. A partir disso, o documento menciona que a cidade exportou produtos de "segurança" no total de US$ 183 milhões de 2012 a 2020.
O UOL apurou, ao analisar os dados abertos ao público pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que Nova Iguaçu exportou em "equipamentos de segurança e aplicação da lei", ou seja, balas de borracha, bombas de gás e outros, um total de US$ 8,8 milhões para 12 países da América Latina desde 2018.
Nesse período, quem mais comprou essas armas foi o Equador, num total de US$ 4,1 milhões. Em seguida, os dados apontam que o segundo maior comprador foi a Colômbia: US$ 1,8 milhão. Depois, o Chile, com US$ 1,5 milhão. Os dados também apontam que as maiores vendas ocorreram de 2020 a 2021, mesmo período em que esses países estavam sob intensos protestos sociais.
O UOL também fez um levantamento nos portais de transparência estaduais e do governo federal para identificar a presença desses contratos e empresas com as polícias militares e Forças Armadas, para aquisição de material para controle e repressão da população. De 2018 a 2022, um total de 23 estados, o Distrito Federal e o governo federal gastaram R$ 153 milhões (US$ 30 milhões) em 952 contratos com a Condor. A outra empresa que apareceu no levantamento, a Poly Defensor, obteve 14 contratos, no total de R$ 1,8 milhão (US$ 360 mil).
Minas Gerais é o estado que mais gastou com contratos com ambas as empresas: entre 2018 e março de 2022 foram R$ 39,7 milhões, duas vezes mais que o governo federal, que ocupa a segunda posição com R$ 18,4 milhões.
No caso de Minas, as maiores aquisições se deram em 2021: foram R$ 24,7 milhões em contratos. No mesmo ano, imagens mostraram, na cidade mineira de Passos, o disparo à queima-roupa feito por um policial militar de uma bala de borracha atingiu a barriga de uma mulher, que precisou passar por cirurgia. Já em 2020, bombas de gás foram usadas na desocupação do Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio (MG).
Entre os estados que realizaram contratos com a Condor e a Poly Defensor, aparecem ainda Rio Grande do Sul (R$ 15,5 milhões), Santa Catarina (R$ 11,7 milhões) e São Paulo (R$ 11,2 milhões).
Não foi possível obter o detalhamento de outros quatro estados no Brasil. Esses números, porém, são apenas parte de uma realidade bastante superior, já que as guardas municipais dos municípios também adquirem esses produtos e o Brasil possui mais de 5.000 cidades.