Só sairemos daqui mortos

Em ocupação com cerca de cem pessoas no Rio, fome deixa covid-19 em 2º plano

Caio Blois e Ricardo Borges Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro Ricardo Borges/UOL

Crianças, adolescentes, grávidas, adultos e idosos. Negros, pobres e marginalizados. Todos eles acostumados a condições sanitárias desumanas. Enquanto muita gente não consegue comprar álcool em gel e máscaras, as cerca de cem pessoas que ocupam um casarão no centro do Rio têm uma preocupação maior.

"A fome nos preocupa mais que o coronavírus. Temos medo da doença, mas estamos em necessidade extrema. Passamos fome. Sobrevivemos de doações. Saímos das ruas para ter um teto, apenas isso. Havia muito lixo, ratos, baratas, cupins e esgoto aparente [quando ocupamos o casarão], mas era melhor que a rua", diz o ex-traficante Sergio Teixeira, 35, que virou camelô após largar o crime.

O isolamento social é difícil de ser cumprido pelos camelôs, moradores de rua, catadores de lixo e desempregados que dividem os cômodos do casarão da rua Washington Luís —a ocupação não tem luz ou água nas torneiras.

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Na terça (31), policiais militares foram à ocupação, e Sergio foi levado a uma delegacia para averiguação, tendo sido liberado em seguida após a intervenção de uma ONG. As famílias, contudo, continuam lá. "Não vão nos tirar daqui. Só sairemos daqui mortos", defendeu.

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"Sabemos que estamos errados aqui, mas é uma questão de humanidade. Tem dias que a diferença social e o preconceito nos machucam mais ainda", diz Denise Martins, 45, que perdeu a casa em Realengo (zona oeste) em uma enchente no mês passado.

Jurema Ferreira, 54, chegou ao local em dezembro e, aos poucos, viu mais gente aparecer para viver no casarão. "Entrei por um buraco. Fiz um acordo com viciados em crack que estavam aqui e eles saíram."

Em tempos e pandemia, ela reage ao agravamento do preconceito. "Na rua agora nos tratam como quem pode passar a doença apenas por sermos pobres. Extrema pobreza não pega."

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"Só o conhecimento vai nos libertar. Minha filha vai fazer faculdade, eu vou me formar, e vamos tirar a família dessa situação."

Denise Martins, 45, aluna de curso técnico no IFRJ

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"Morro de medo do coronavírus. Não só de pegar, mas que meus filhos e parentes tenham a doença. Já passei por muitos momentos difíceis, mas fome foi o pior. Deixei de comer para dar aos meus filhos. Quero protegê-los dessa doença [covid-19], ter onde morar e reconstruir minha vida"

Sergio, 35, camelô e uma das lideranças da ocupação

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"Estou tomando as providências de higiene, sim. Meu filho vai nascer com saúde, tenho certeza. Pobre não pega essas coisas, não. Se Deus quiser, a Lorena [filha que nasce em maio] vai vir depois dessa pandemia. É assim que fala, né?"

Larissa Ferreira, 17, estudante do 9º ano da rede pública

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