Todo dia, sem precisar de despertador, Maria Amélia de Oliveira Melo, a dona Lita, 70, acorda perto das 3h, apoia o joelho no chão em frente à cama, reza um Pai-Nosso e uma Ave-Maria e faz um pedido ao santo de devoção: "São Judas, assim como o senhor achou minha filha, ajude a achar a Juliana da Ambrosina. Mostre aos bombeiros onde ela está".
A merendeira aposentada passou 69 dias de velório sem corpo até a filha Eliane de Oliveira Melo, grávida de cinco meses da bebê Maria Elisa, ser encontrada em meio ao rejeito de minério que vazou da barragem da Vale em Brumadinho em 25 de janeiro, exatamente seis meses atrás. Hoje, ainda inconformada e 12 kg mais magra, ora para que a dor da espera de outra mãe, sua conhecida da igreja, não perdure por muito mais.
Na mesma hora, a algumas quadras da casa de dona Lita, a dona de casa Ambrosina Resende, 52, reza pela filha Juliana Creizimar de Resende Silva, e pelas outras 21 joias, como as famílias de referem às vítimas que seguem desaparecidas.
Em um grupo de whatsapp que reúne familiares e amigos de desaparecidos e de mortos, os participantes fazem uma espécie de jogral todos os dias, emendando, um a um, frases do Pai Nosso e da Ave Maria.
Aos que enterraram seus entes, aqueles que não puderam se despedir visualmente e os que ainda aguardam, juntam-se as famílias de Brumadinho que, mesmo sem passar pela perda de pessoas próximas, ainda convivem com as mudanças que a tragédia provocou na região. Do trânsito mais intenso, passando por preços superfaturados e problemas de saúde, chegando até ao deslumbre com as mesadas pagas mensalmente a todos os moradores da cidade.