Falta de médicos e de remédios: 10 grandes problemas da saúde brasileira
Do UOL em São Paulo
09/05/2018 04h00
Faltam médicos e remédios no SUS (Sistema Único de Saúde). No sistema particular de saúde, a mensalidade é alta e não há cobertura para diversas doenças e exames. O subfinanciamento do sistema de saúde pública é grave, a formação dos médicos nem sempre é boa e muitos pacientes ainda enfrentam discriminação.
Essas são algumas das conclusões de uma pesquisa do UOL que elegeu 10 dos principais problemas enfrentados pela saúde pública e privada no Brasil. Para isso, a reportagem utilizou os dados do IPS (Sistema de Indicadores de Percepção Social), do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o Fisc Saúde 2016, do TCU (Tribunal de Contas da União), o PNS (Pesquisa Nacional de Saúde), do IBGE, e um ranking encomendado ao Reclame Aqui, um órgão de defesa do consumidor avalizado pela Ouvidora-Geral da União, e outro formulado pela ANS (Agência Nacional de Saúde).
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A lista foi analisada pelo diretor da FSP (Faculdade de Saúde Pública) da USP, Oswaldo Yoshimi Tanaka. "Infelizmente o SUS está subfinanciado, uma situação agravada pela crise econômica financeira e política do país", observou o professor sobre um dos itens da seguinte lista:
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Imagem: Arte/UOL Imagem: Arte/UOL Faltam médicos
E eles ainda estão mal distribuídos pelo país. Em audiência pública no Senado em novembro do ano passado, o presidente do TCU, ministro Raimundo Carreiro, elegeu a falta de médicos como "o principal problema do SUS". "A falta é crônica", avalia Tanaka, da USP. "Há uma tentativa de formar mais médicos, mas a má distribuição ainda persistirá devido à dificuldade de interiorização." Segundo dados do CFM (Conselho Federal de Medicina), há um médico para cada 470 brasileiros. No Norte e Nordeste esse número chega a 953,3 e 749,6, respectivamente. Pelos cálculos da OMS (Organização Mundial de Saúde), há 17,6 médicos para cada 10 mil brasileiros, bem menos que na Europa, cuja taxa é de 33,3. Na audiência pública, o secretário de Controle Externo da Saúde do TCU, Marcelo Chaves, elogiou o Programa Mais Médicos, "uma iniciativa importante para tentar mudar essa realidade". Leia mais
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Imagem: Fred/UOL Imagem: Fred/UOL Longa espera para marcar consulta
No sistema público de saúde, esperar é quase parte do protocolo. Na prática, significa que o SUS realiza bem menos consultas do que poderia. Segundo o Fisc Saúde 2016, o Brasil apresentou uma média de 2,8 consultas por habitantes no ano de 2012, o 27º colocado entre 30 países. Taxa muito inferior ao dos países mais bem colocados: Coreia do Sul (14,3), Japão (12,9) e Hungria (11,8). Segundo o pesquisador, não mudou muito desde então. "Infelizmente, a demanda é maior do que a oferta. Desde 1988, incluímos nos SUS 90 milhões de novos usuários, mas continuamos gastando apenas US$ 400 por habitante/ano."
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Imagem: Fred/UOL Imagem: Fred/UOL Faltam leitos
Pesquisa Datafolha encomendada pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), em 2017, colocou o aumento do número de leitos como a terceira providência que o governo deveria tomar para melhorar a saúde pública brasileira. Essa é a opinião de metade dos 2.089 entrevistados. O tema também tem destaque no ranking solicitado ao Reclame Aqui. Nos três primeiros meses de 2018, a falta de leitos foi o 8º principal motivo de reclamação dos brasileiros. De acordo com a Associação Nacional de Hospitais Privados, o Brasil tem 2,3 leitos por mil habitantes, abaixo do recomendado pela OMS (entre 3 e 5). Ainda segundo o CFM, entre 2010 e 2015, o Brasil perdeu 13 leitos por dia, num total de 23.565 vagas. As maiores reduções foram, proporcionalmente, no Rio de Janeiro (22%), Sergipe (20,9%), Distrito Federal (16,7%), Paraíba (12,2%), Goiás (11,5%) e Acre (11,5%). Já o déficit de leitos em UTI neonatal é de 3,3 mil, segundo pesquisa deste ano da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). O país tem, em média, 2,9 leitos por mil nascidos vivos, abaixo dos 4 leitos recomendados pela entidade. No SUS, essa taxa é ainda menor: 1,5.
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Imagem: Fernando Cymbaluk/UOL Imagem: Fernando Cymbaluk/UOL Atendimento na emergência
Doentes e precisando esperar longamente pelo atendimento, os pacientes não costumam ser tolerantes com o atendimento prestado em postos de saúde e nos setores de urgência ou emergência de hospitais. Em agosto de 2016, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) pediu aos brasileiros que avaliassem 13 serviços públicos, e o tema ficou no topo dentre aqueles "de pior qualidade". O assunto recebeu 20 pontos de um índice que vai de 0 a 100. Nos estudos do Ipea sobre os serviços prestados pelo SUS, o tema recebeu as maiores qualificações negativas: 31,1% (postos de saúde) e 31,4% (urgência ou emergência).
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Imagem: Reprodução/john-holcroft.tumblr.com Imagem: Reprodução/john-holcroft.tumblr.com Falta de recursos para a saúde
Apenas 3,6% do orçamento do governo federal foi destinado à saúde em 2018. O percentual fica bem abaixo da média mundial, de 11,7%, de acordo com a OMS. Essa taxa é menor do que a média no continente africano (9,9%), nas Américas (13,6%) e na Europa (13,2). Na Suíça, essa proporção é de 22%. O estudo aponta que o gasto com saúde no Brasil é de 4 a 7 vezes menor do que o de países com sistema universal de saúde, como Reino Unido e França, e inferior ao de países da América do Sul em que saúde não é um direito universal, casos da Argentina e Chile. Essa proporção não deve mudar muito pelos próximos anos, graças à Emenda à Constituição aprovada em dezembro de 2016, que limita o crescimento dos gastos públicos pelos próximos 20 anos ao percentual da inflação nos 12 meses anteriores. Esse congelamento dos gastos vai representar perdas de R$ 743 bilhões para o SUS no período, segundo estudo do Ipea. "O SUS está subfinanciado, uma situação agravada pela crise econômica e política do país", avalia o pesquisador. "Mesmo como problemas de gestão, o dinheiro disponível não dá conta das necessidades do setor."
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Imagem: Divulgação Imagem: Divulgação Formação de médicos
"Melhorar a qualidade do atendimento dos médicos" foi a terceira principal melhoria sugerida pelos usuários do SUS, segundo o Sistema de Indicadores de Percepção Social, do Ipea. A sugestão ficou atrás apenas na necessidade de "aumentar o número de médicos" e "reduzir o tempo de espera por consulta". De acordo com o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), quase 40% dos recém-formados não passam em seu exame. No restante do Brasil, apenas dois outros Estados aplicam uma avaliação (Goiás e Rondônia), e multiplica-se no país as escolas médicas, nem sempre bem avaliadas. De acordo com o Ministério da Educação, duas em cada dez faculdades de medicina não atingiram a nota esperada no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) em 2016. "Temos a necessidade de formar docentes para melhorar a qualidade do ensino, principalmente nas novas escolas de medicina que estão sendo abertas", acredita o pesquisador da USP. "É preciso também monitoramento do profissional para que a população receba uma atenção de qualidade."
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Imagem: iStock Imagem: iStock Mensalidades dos planos de saúde
O sistema privado também não escapa de críticas. Uma das mais comuns é a velha polêmica sobre o valor das mensalidades. Segundo o Ipea, esse é o principal problema apontado pelos usuários, com 39,8% das queixas. Ao UOL, a ANS (Agência Nacional de Saúde) reuniu as principais reclamações feitas por consumidores nos três primeiros meses deste ano. "Mensalidades e Reajustes" ficou em terceiro lugar, com 2.034 reclamações, contra 1.767 nos três primeiros meses do ano passado. Muito se deve ao fato de que apenas 20% (9,4 milhões de clientes) pagam o teto de reajuste anual estabelecido pela ANS. Tratam-se de planos individuais, cada vez menos ofertados pelas seguradoras. Os outros 38,3 milhões de segurados pertencem a planos coletivos, cujo percentual de reajuste depende da negociação da operadora com a empresa contratante. "De fato o setor privado tem custos crescentes, e o Estado, sem capacidade de regular, apenas administra o mercado", afirma o diretor da FSP.
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Imagem: Thinkstock/Arte UOL Imagem: Thinkstock/Arte UOL Cobertura do convênio
Outra crítica frequente aos planos de saúde é a cobertura insuficiente. Na pesquisa produzida pela ANS, o tema ficou no topo das queixas. Foram 15.785 entre janeiro e março deste ano; mais que as 14.416 registradas no primeiro trimestre de 2017. No estudo do Ipea, a falta de cobertura é a segunda razão de maior reclamação entre os usuários de convênio: 35,2% reprovam o serviço. Em 2015, a APM (Associação Paulista de Medicina) perguntou aos paulistas o que mais os incomoda nos convênios. "Os planos dificultam a realização de exames de alto custo", responderam 68% dos entrevistados. Para o professor da USP, as empresas tendem a controlar gastos reduzindo a cobertura. "Só no SUS a saúde é um direito. No setor privado, a prioridade é a lei do mercado."
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Imagem: Getty Images Imagem: Getty Images Sem reembolso
Os contratos de planos de saúde devem assegurar aos consumidores o reembolso de um rol mínimo de coberturas, como o direito a consultas médicas ilimitadas, internação, cobertura assistencial ao recém-nascido. Acontece que isso nem sempre acontece. No estudo do Fisc Saúde, esse é o terceiro principal motivo de insatisfação de pacientes do setor privado (21,9%). Esse foi o oitavo principal motivo de reclamação no primeiro trimestre do ano no Reclame Aqui. Segundo a instituição, foram 508 queixas, 35% mais do que nos mesmos três meses do ano passado, quando foram registradas 333 reclamações.
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Imagem: iStock Imagem: iStock Discriminação no atendimento
A Pesquisa Nacional de Saúde, do IBGE, aponta que 10,6% da população brasileira adulta (15,5 milhões de pessoas) já se sentiram discriminadas na rede de saúde tanto pública quanto privada. A maioria (53,9%) disse ter sido maltratada por "falta de dinheiro" e 52,5% em razão da "classe social". Pouco mais de 13% foram vítimas de preconceito racial, 8,1% por religião ou crença e 1,7% por homofobia. Esse percentual poderia ser maior se parte da população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) não deixasse de buscar auxílio médico por medo de ser discriminada, indica uma pesquisa da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). O estudo também mostrou que gestantes cariocas pardas ou pretas tinham mais dificuldade para encontrar uma vaga em maternidade do que as futuras mães de cor branca. Essas vítimas de discriminação têm um risco quatro vezes maior de desenvolver depressão ou ansiedade e estão mais pré-dispostas à hipertensão. Leia mais