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FDA é questionada por aprovar analgésico opioide

Jean-Louis Santini

Em Washington

12/03/2014 14h00

A comercialização de um potente novo analgésico nos Estados Unidos tem gerado polêmica entre médicos e grupos de defesa do consumidor, que temem o agravamento da crescente dependência de opiáceos, responsável por 125.000 mortes por overdose no país nos últimos 10 anos.

O remédio Zohydro, do laboratório Zogdnix, foi aprovado pela FDA (agência reguladora de medicamentos norte-americana) em outubro de 2013.

Num fato pouco usual, o analgésico recebeu sinal verde da agência mesmo depois que um comitê de especialistas independentes recomendou sua não aprovação. A FDA geralmente segue o conselho dos comitês, ainda que não seja obrigada a fazê-lo.

A decisão tem mobilizado muitos médicos e organizações que lutam contra o abuso desses analgésicos - reunidos no grupo "Fed up" ("De saco cheio", em tradução livre) - "para acabar com a epidemia de opiáceos". Em carta dirigida à diretora-geral da FDA, a médica Margaret Hamburg, o grupo pede a revisão desta autorização.

A permissão para comercializar o Zohydro "tem potencial para piorar nossa epidemia nacional de abuso destes medicamentos - alguns dos quais ilegais - porque este analgésico será o único a conter hidrocodona pura, um narcótico opioide cinco a dez vezes mais forte do que os analgésicos à venda que contêm esta substância", ressaltam médicos e ativistas.

"Aprovar um medicamento que vai agravar o problema do vício é muito chocante", disse o médico Andrew Kolodny, presidente da Associação de Médicos pela Prescrição de Opiáceos de Maneira Responsável, que assinou a petição.

Círculo vicioso

A FDA "determinou que o Zohydro ER respeita os requisitos reguladores e que seus benefícios superam os riscos quando usado da maneira correta", garantiu um porta-voz da FDA em um comunicado enviado por e-mail.

Analgésicos como o Zohydro são perfeitos para o tratamento da dor poucos dias depois de uma cirurgia ou em pacientes com doenças terminais, como câncer, que estão em sofrimento, explicou Kolodny à AFP.

Mas estes opiáceos "são medicamentos muito ruins" para as pessoas com dores crônicas, como dores nos ombros ou enxaquecas, explicou o médico, que ressaltou que 100 milhões de norte-americanos se encaixam nesta categoria, principal alvo dos laboratórios farmacêuticos. Estima-se que este mercado movimente nove bilhões de dólares nos Estados Unidos.

Por serem altamente aditivos, o uso destes analgésicos por períodos prolongados demanda o aumento da dose para que o efeito seja mantido, criando um vício perigoso, acrescentou Kolodny.

Para o médico, a decisão da FDA de autorizar o Zohydro e os problemas causados pela dependência de opiáceos nos últimos 15 anos reflete a "influência, talvez grande demais, das empresas farmacêuticas nas decisões tomadas pela FDA, especialmente na divisão de analgésicos".

Em outubro, o jornal Washington Post publicou uma série de e-mails mostrando que as empresas farmacêuticas pagaram dezenas de milhares de dólares a alguns centros médicos universitários para assistir a reuniões internas da FDA durante as quais foram decididos os critérios de aprovação de novos analgésicos, lembrou Kolodny.

Dois senadores norte-americanos iniciaram uma investigação e convidaram a FDA a dar maiores explicações sobre seus motivos numa carta conjunta enviada em 26 de fevereiro, em que descrevem a acusação como "muito preocupante".

Em comunicado, a FDA disse "levar essas preocupações muito a sério", mas afirmou "não ter conhecimento de nenhuma irregularidade".