'Sempre fui a amiga, nunca a amante': por que o tema sexo e deficiência ainda é tabu
Romina Puma e Jean Mackenzie
Comediante e produtora do programa Victoria Derbyshire
A vida sexual de pessoas com deficiência é um tema que vem sendo tratado cada vez menos como tabu.
Para a comediante Romina Puma, que tem distrofia muscular, todos tem direito ao sexo e essa questão não pode ser ignorada:
Há dez anos, fui diagnosticada com distrofia muscular. Eu tinha 29 anos e minha vida era bem normal. Como muitas mulheres, eu gostava de sair para conhecer novos rapazes e tive vários namorados.
Mas à medida que minha condição foi piorando e eu comecei a usar cadeira de rodas, as pessoas pararam de me ver da mesma forma.
Isso não significa que ter uma vida sexual não seja importante, ou que minhas partes íntimas não funcionem corretamente. Mas a maioria dos homens que conheço não conseguem ver além da cadeira, e trocas normalmente não passam de olhares de simpatia.
"Sexo e deficiência" pode soar como uma versão pornográfica de Razão e Sensibilidade (clássico da literatura de Jane Austen), mas para muitas pessoas é um assunto importante.
Fui conhecer Shital, uma psicóloga especializado em trabalhar com deficiência e doenças crônicas. Ela nasceu com fibromatose hialina juvenil - uma condição genética rara que provoca o crescimento de tumores pelo corpo como resultado de traumas e muitas vezes leva a deficiências físicas graves.
Isso significa que quando ela estava crescendo, suas amigas estavam fazendo sexo e ela se sentia "feia e indesejável".
"Eu tinha os mesmos pensamentos e necessidades que meus amigos, mas nossas experiências não eram exatamente as mesmas - eu sempre era a 'amiga', nunca a 'amante'", explica.
"Eu sabia como sexo funcionava, e sabia que eu queria isso um dia, mas não achei que conseguiria. Era uma vida muito solitária e me tornei muito isolada. Quanto pior eu ficava, mais eu perdia contato com meu grupo social dos 20 anos."
Shital começou a procurar um relacionamento online, mas teve experiências ruins. "A primeira pergunta que alguns homens perguntavam era 'Você consegue fazer sexo?'. Eu respondi: 'Bom, agora você nunca vai descobrir'."
Preocupações com a aparência também afetavam sua capacidade de conhecer pessoas. "Toda minha vida convivi com pessoas apontando, me encarando, me chamando de coisas como 'mulher elefante'. Isso destruiu minha confiança - se você não tem confiança, como vai ter uma relação sexual?"
Mas com a ajuda do Outsiders Club - um grupo de amizades e namoros para pessoas com deficiência - ela conheceu Jamie, que também tem deficiência, e os dois estão juntos há nove anos.
"Quando ficamos juntos e desenvolvemos a nossa relação, ganhamos segurança sexual juntos", explica.
"Eu jamais vou conseguir fazer todas as posições do Kama Sutra", brinca, "mas quem vai? Isso (sexo) é intimidade, não ginástica."
Pagando profissionais
Damian, de 49 anos, foi diagnosticado com esclerose múltipla aos 23. Ele diz que, na época, foi uma "corrida" para ser o mais sexualmente ativo possível antes de precisar de uma cadeira de rodas.
Pergunto se ele se transformou em um "pegador". "Sim", ele responde, com um sorrisinho no rosto.
Atualmente, a mobilidade de Damian é bem limitada, e ele decidiu pagar profissionais do sexo para visitá-lo uma vez por mês. Ele diz que elas viraram "algo essencial para eu satisfazer minhas necessidades".
É um sentimento com o qual consigo me identificar, apesar de nunca ter ido por este caminho. Às vezes, você realmente precisa de um contato humano.
Encontros como os de Damian podem ser marcados por meio do TLC Trust, uma organização que ajuda deficientes a contratar, legalmente, profissionais do sexo - como acompanhantes e terapeutas sexuais.
Sue Newsome, uma terapeuta sexual, descreve seu papel como "ajudar pessoas com deficiência física a entender e explorar seu prazer sexual".
"Profissionais de assistência médica normalmente não falam sobre sexo. Eles muitas vezes agem como se pessoas com deficiência não precisassem disso", acrescenta.
Mas ela acha que a situação está melhorando. "Há alguns anos, o sexo não estava incluído como parte do processo de reabilitação após um acidente, mas isso está mudando", diz - embora outros especialistas discordem.
Falta de orientação
Andy, que era piloto de motocross, é uma das pessoas que passou por problemas por falta de orientação.
Ele diz que seu relacionamento mudou depois que ele se feriu e fraturou a coluna, o que o deixou sem movimentos do peito para baixo.
Após o acidente, ele pediu a namorada em casamento e eles se casaram, mas o relacionamento não deu certo porque ele evitava sexo.
"Foi difícil porque estávamos experimentando. Basicamente (os profissionais de saúde) te dão Viagra e falam 'pronto, tente isso'."
"Nunca tivemos nenhum aconselhamento ou terapia para saber como seria, e isso foi tão sério que... a gente nem consumou o casamento."
Andy diz que, com o passar do tempo, descobriu mais sobre seu corpo e como ele poderia ter prazer sexual sem penetração. Ele tem uma namorada há mais de um ano, e diz que a deficiência mudou a forma como vê o sexo - permitindo que este se focasse mais em intimidade.
"Para usar um clichê, você está de fato fazendo amor, em vez de fazendo sexo", explica.
O que ele percebeu - assim como Shital e Damian - foi que, com deficiência ou não, todo mundo tem direito de aproveitar o sexo.
Mesmo assim, apenas 5% das pessoas sem deficiência já foram convidadas a sair ou saíram com uma pessoa com deficiência, de acordo com a instituição Scope.
Sexo pode ser um desafio real para alguns - mas sempre há uma forma de superar esses obstáculos. E talvez o primeiro passo seja falar do assunto mais abertamente.
Comediante e produtora do programa Victoria Derbyshire
A vida sexual de pessoas com deficiência é um tema que vem sendo tratado cada vez menos como tabu.
Para a comediante Romina Puma, que tem distrofia muscular, todos tem direito ao sexo e essa questão não pode ser ignorada:
Há dez anos, fui diagnosticada com distrofia muscular. Eu tinha 29 anos e minha vida era bem normal. Como muitas mulheres, eu gostava de sair para conhecer novos rapazes e tive vários namorados.
Mas à medida que minha condição foi piorando e eu comecei a usar cadeira de rodas, as pessoas pararam de me ver da mesma forma.
Isso não significa que ter uma vida sexual não seja importante, ou que minhas partes íntimas não funcionem corretamente. Mas a maioria dos homens que conheço não conseguem ver além da cadeira, e trocas normalmente não passam de olhares de simpatia.
"Sexo e deficiência" pode soar como uma versão pornográfica de Razão e Sensibilidade (clássico da literatura de Jane Austen), mas para muitas pessoas é um assunto importante.
Fui conhecer Shital, uma psicóloga especializado em trabalhar com deficiência e doenças crônicas. Ela nasceu com fibromatose hialina juvenil - uma condição genética rara que provoca o crescimento de tumores pelo corpo como resultado de traumas e muitas vezes leva a deficiências físicas graves.
Isso significa que quando ela estava crescendo, suas amigas estavam fazendo sexo e ela se sentia "feia e indesejável".
"Eu tinha os mesmos pensamentos e necessidades que meus amigos, mas nossas experiências não eram exatamente as mesmas - eu sempre era a 'amiga', nunca a 'amante'", explica.
"Eu sabia como sexo funcionava, e sabia que eu queria isso um dia, mas não achei que conseguiria. Era uma vida muito solitária e me tornei muito isolada. Quanto pior eu ficava, mais eu perdia contato com meu grupo social dos 20 anos."
Shital começou a procurar um relacionamento online, mas teve experiências ruins. "A primeira pergunta que alguns homens perguntavam era 'Você consegue fazer sexo?'. Eu respondi: 'Bom, agora você nunca vai descobrir'."
Preocupações com a aparência também afetavam sua capacidade de conhecer pessoas. "Toda minha vida convivi com pessoas apontando, me encarando, me chamando de coisas como 'mulher elefante'. Isso destruiu minha confiança - se você não tem confiança, como vai ter uma relação sexual?"
Mas com a ajuda do Outsiders Club - um grupo de amizades e namoros para pessoas com deficiência - ela conheceu Jamie, que também tem deficiência, e os dois estão juntos há nove anos.
"Quando ficamos juntos e desenvolvemos a nossa relação, ganhamos segurança sexual juntos", explica.
"Eu jamais vou conseguir fazer todas as posições do Kama Sutra", brinca, "mas quem vai? Isso (sexo) é intimidade, não ginástica."
Pagando profissionais
Damian, de 49 anos, foi diagnosticado com esclerose múltipla aos 23. Ele diz que, na época, foi uma "corrida" para ser o mais sexualmente ativo possível antes de precisar de uma cadeira de rodas.
Pergunto se ele se transformou em um "pegador". "Sim", ele responde, com um sorrisinho no rosto.
Atualmente, a mobilidade de Damian é bem limitada, e ele decidiu pagar profissionais do sexo para visitá-lo uma vez por mês. Ele diz que elas viraram "algo essencial para eu satisfazer minhas necessidades".
É um sentimento com o qual consigo me identificar, apesar de nunca ter ido por este caminho. Às vezes, você realmente precisa de um contato humano.
Encontros como os de Damian podem ser marcados por meio do TLC Trust, uma organização que ajuda deficientes a contratar, legalmente, profissionais do sexo - como acompanhantes e terapeutas sexuais.
Sue Newsome, uma terapeuta sexual, descreve seu papel como "ajudar pessoas com deficiência física a entender e explorar seu prazer sexual".
"Profissionais de assistência médica normalmente não falam sobre sexo. Eles muitas vezes agem como se pessoas com deficiência não precisassem disso", acrescenta.
Mas ela acha que a situação está melhorando. "Há alguns anos, o sexo não estava incluído como parte do processo de reabilitação após um acidente, mas isso está mudando", diz - embora outros especialistas discordem.
Falta de orientação
Andy, que era piloto de motocross, é uma das pessoas que passou por problemas por falta de orientação.
Ele diz que seu relacionamento mudou depois que ele se feriu e fraturou a coluna, o que o deixou sem movimentos do peito para baixo.
Após o acidente, ele pediu a namorada em casamento e eles se casaram, mas o relacionamento não deu certo porque ele evitava sexo.
"Foi difícil porque estávamos experimentando. Basicamente (os profissionais de saúde) te dão Viagra e falam 'pronto, tente isso'."
"Nunca tivemos nenhum aconselhamento ou terapia para saber como seria, e isso foi tão sério que... a gente nem consumou o casamento."
Andy diz que, com o passar do tempo, descobriu mais sobre seu corpo e como ele poderia ter prazer sexual sem penetração. Ele tem uma namorada há mais de um ano, e diz que a deficiência mudou a forma como vê o sexo - permitindo que este se focasse mais em intimidade.
"Para usar um clichê, você está de fato fazendo amor, em vez de fazendo sexo", explica.
O que ele percebeu - assim como Shital e Damian - foi que, com deficiência ou não, todo mundo tem direito de aproveitar o sexo.
Mesmo assim, apenas 5% das pessoas sem deficiência já foram convidadas a sair ou saíram com uma pessoa com deficiência, de acordo com a instituição Scope.
Sexo pode ser um desafio real para alguns - mas sempre há uma forma de superar esses obstáculos. E talvez o primeiro passo seja falar do assunto mais abertamente.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.