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É possível diagnosticar depressão por meio da voz?

Pacientes de depressão costumam ter voz monótona, plana e sem expressão - Thinkstock
Pacientes de depressão costumam ter voz monótona, plana e sem expressão Imagem: Thinkstock

Beatriz Díez

Em Los Angeles

30/09/2016 12h22

Se a voz deixa transparecer nossas emoções, um estudo sobre ela poderia ser útil para identificar doenças como a depressão, enfermidade que tem afetado um número cada vez maior de pessoas?

A depressão já foi chamada de "mal do século 21", especialmente nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o consumo de antidepressivos aumentou cerca de 400% nos últimos 20 anos. No Brasil, segundo dados de 2015 do IBGE, mais de 11 milhões de pessoas (ou 7,6% da população adulta) já foram diagnosticadas com a doença.

Não há, contudo, consenso sobre a gravidade da situação.

Estudo recente da Escola Bloomberg de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins (EUA) concluiu, por exemplo, que a depressão é diagnosticada exageradamente. De outro lado, especialistas como o professor australiano Ian Hickie consideram que ainda falta conscientização sobre a gravidade da depressão como doença psicológica real.

A tecnologia, portanto, poderia ajudar a organizar esse debate.

Características da fala

Um grupo de pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia (USC) desenvolveu um programa de computador que pode ajudar psicólogos e psiquiatras a diagnosticar doenças como a depressão.

O segredo seria analisar o comportamento da voz do paciente.

"Nós nos interessamos principalmente por um sintoma que, com o tempo, os médicos perceberam que é comum nos pacientes que sofrem de depressão: uma voz monótona, plana, sem expressão", afirmou à BBC Stefan Scherer, professor do Instituto de Tecnologias Criativas da USC e um dos pesquisadores do projeto.

"Pensamos que, se pudéssemos medir de forma automática essa 'falta de expressão' na voz, isso representaria um grande avanço."

Os psicólogos costumam realizar uma série de exercícios de expressão oral para ajudar no diagnóstico, como pedir ao paciente que pronuncie a mesma vogal por um intervalo prolongado.

"As pessoas que sofrem de depressão utilizam um espectro mais estreito de vogais do que as pessoas que não sofrem da doença", observa Scherer.

"Elas arrastam a fala, gaguejam, fazem pausas mais longas, não se esforçam direito para falar como fazem as pessoas sem depressão", disse.

"A lentidão psicomotora é um dos sintomas da depressão e, sem dúvida, afeta a fala. A coordenação de músculos para produzir a fala é algo bastante complexo."

Substituir as pessoas?

O software desenvolvido pela USC, batizado SimSensei, permite fazer essas análises de forma objetiva.

Mas os pesquisadores têm enfrentado certo receio da comunidade médica, que questiona a substituição da avaliação de psicólogos e psiquiatras por uma máquina.

A psicóloga Elvira Bonfá considera que não se deve "ignorar" o conhecimento dos especialistas, substituindo a ação profissional por um programa de computador - principalmente porque isso traria risco de excesso de diagnósticos de depressão.

"Grande parte do problema para diagnosticar a depressão é que ela é uma doença muito heterogênea, que tem causas e manifestações muito distintas", afirmou Bongá.

Segundo ela, há duas razões simples e relacionadas entre si que explicam esse cenário:

  • Diagnosticar uma doença de maneira errada é quase sempre mais seguro do que não diagnosticá-la quando ela existe.
  • Eliminar a possibilidade de qualquer diagnóstico simples da doença requer mais conhecimento e segurança do que o contrário.

Ferramenta extra

Stefan Scherer diz que seu objetivo com o software não é substituir os psicólogos nem eliminar a terapia.

"É apenas uma ferramenta que estará disponível para todos e que servirá como apoio - essa é a ideia", afirmou.

O programa oferece ao paciente uma representação eletrônica de uma pessoa que interagirá com ele na tela de computador.

"Queremos criar um ambiente em que os pacientes se sintam seguros e onde possam falar sobre tudo o que quiserem, no momento em que sentirem confortáveis", explica.

"Os psicólogos podem trazer seu próprio preconceito na hora de conversar com um paciente para fazer o diagnóstico."

"Os próprios pacientes podem estar de mau humor e isso afeta a conversa. Mas o computador sempre se comportará da mesma forma", justifica Scherer.

Em defesa do diagnóstico médico, Bonfá diz que um ser humano pode captar detalhes do comportamento do paciente que poderiam passar despercebidos pela máquina.

"Temos uma formação importante que nos permite fazer uma análise integral do paciente. Não se trata apenas da dicção ou de fatores isolados, é algo muito mais complexo", insiste.

Scherer diz concordar com essa visão, e afirma que justamente por isso a ferramenta serviria apenas como apoio aos profissionais.

"Já tivemos muito interesse de alguns psicólogos. Queremos simplesmente ajudá-los a fazer avaliações mais precisas", concluiu.