O que é a bronquiolite, doença que assusta pais e lota UTIs infantis no inverno
Apenas 10 dias depois que sua filha Laila nasceu, Marina Faleiros, de 30 anos, teve que voltar com ela ao hospital para interná-la na UTI por causa de uma grave infecção respiratória. Começou aí uma maratona que já dura 15 dias.
"Os primeiros três dias na UTI assustam muito, você pensa que seu filho vai morrer. O bebê é entubado, as coisas apitam o tempo inteiro. Até sair do quadro mais grave é desesperador", disse à BBC Brasil.
"Agora dá uma melancolia, quero muito ir embora daqui. É Dia das Mães domingo e acho que não vou estar em casa."
Quando Laila foi internada na UTI do Hospital Infantil Sabará, em São Paulo, todos os leitos estavam ocupados por crianças que, como ela, sofriam de bronquiolite viral - uma inflamação dos menores tubos que, dentro dos pulmões, levam o ár aos alvéolos, onde ocorre a troca de oxigênio por gás carbônico.
Surtos da doença ocorrem todos os anos nos meses de outono e inverno no Brasil, principalmente em bebês de até 2 anos de idade. Mas, este ano, UTIs de hospitais em São Paulo e em Campinas já estão lotadas. Em outras capitais brasileiras, há aumento da procura por assistência médica.
O principal responsável pela doença é o Vírus Sincicial Respiratório (VSR), que pode causar desde sintomas de uma gripe leve até um quadro grave de dificuldade respiratória.
"É um vírus muito, muito comum. Para você ter uma ideia, 100% das crianças vão ter VSR até os dois anos de idade. A maioria não fica tão doente como se imagina vendo as notícias", disse à BBC Brasil o pediatra e pneumologista Marcus Jones, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), autor de estudos sobre o vírus.
"Geralmente é uma doença muito leve. A criança tem coriza (nariz escorrendo) e um pouco de chiado no peito, mas fica bem em sete a 14 dias. Mas cerca de 2% delas têm dificuldade de respirar e precisam ser hospitalizadas."
'Velho conhecido'
A bronquiolite não é uma doença de notificação compulsória (obrigatória) de acordo com o Ministério da Saúde. Como a maior parte dos casos provocados pelo VSR não chega a ser grave, o teste para identificar o vírus também não está disponível na maioria dos hospitais. Por isso, secretarias municipais e estaduais não têm dados que possam confirmar o aumento de internações.
Especialistas entrevistados pela BBC Brasil dizem, no entanto, que os casos mais sérios ainda estão dentro do esperado para a época, ainda que a percepção seja de que há mais crianças afetadas do que no ano passado.
"A um ano de explosão de casos geralmente se segue um ano com um número menor, e assim por diante. É possível prever que no ano que vem os casos não serão tão numerosos como agora. Esse vírus é conhecido dos pediatras há décadas, e estamos acostumados com essa oscilação", disse à BBC Brasil o pediatra Paulo Augusto Moreira Camargos, presidente do Departamento Científico de Pneumologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
"Nos serviços de urgência há mais crianças com bronquiolite viral aguda agora do que tinha em janeiro e vai ter muito mais do que em outubro ou setembro. Isso não é um alerta, é absolutamente previsível e não foge àquilo que se esperava."
O hospital infantil Sabará, entretanto, disse à BBC Brasil ter notado duas diferenças neste ano em relação a picos anteriores da doença.
"Notamos que os casos de quadros respiratórios causados pelo VSR começaram a aparecer mais cedo", afirmou a porta-voz Marisa de Oliveira.
"Outra diferença está também na gravidade dos casos: em 2017, o nosso volume de pacientes graves está acima do habitual, o que demanda maior tempo de internação das crianças e, na maioria das vezes, UTI."
O hospital diz estar estudando "os possíveis fatores que podem estar causando essa maior gravidade dos casos".
Onze vírus
Segundo Camargos, o VSR é responsável por cerca de 60% dos casos de bronquiolite aguda em crianças, mas pelo menos outros dez vírus podem causar a mesma doença, com exatamente os mesmos sintomas e a mesma possibilidade de evolução para um caso grave.
O tratamento, seja qual for o vírus, é o mesmo, e dependerá de como a infecção evolui em cada criança. "Em quase 98% dos casos, a família nem vai saber que a criança teve um desses vírus. Elas adoecem apenas como uma gripe e mesmo tendo bronquiolite, não precisam de internação."
No entanto, o pediatra diz que a falta de dados sobre os vírus dificulta a compreensão do alcance da doença.
"Os sistemas de saúde público e privado no Brasil deveriam estar mais equipados para identificar os vírus respiratórios, e para que a gente entenda o que está acontecendo no país", afirma.
O Ministério da Saúde afirmou que o país registrou 314 mortes em 2015 pela infecção com VSR no país - os dados mais recentes disponíveis.
"O VSR é um dos principais agentes das infecções que acometem o trato respiratório inferior entre lactentes e crianças menores de 2 anos, podendo ser responsável por até 75% das bronquiolites e 40% das pneumonias durante os períodos de sazonalidade", disse, em nota à BBC Brasil.
Anticorpo
Para a psicóloga Olga Machado, de 48 anos, a infecção pelo VSR foi uma novidade assustadora, mas a movimentação de famílias no Hospital Sabará mostrou que a doença de seu filho Matheus, de três meses, era mais comum do que imaginava.
"Já tinha ouvido falar de um sobrinho com bronquiolite, mas nada tão agressivo, com internação. Quando ouvi as palavras 'grave', 'UTI' e 'entubar', achei que ia perdê-lo. Matheus foi fruto de muitas tentativas de fertilização in vitro", disse à BBC Brasil.
"Até que fui percebendo que não é só com você, está acontecendo com outros bebês. Nas poucas vezes em que eu saía da UTI para tomar café via a recepção lotada de crianças."
Matheus ficou 14 dias internado e voltou para casa, com a mãe, na última terça-feira.
Assim como ele, a pequena Laila, filha da jornalista Marina Faleiros, nasceu na data prevista e saudável. Por isso, nenhum dos dois bebês foi considerado para receber o único medicamento disponível contra o VSR, o palivizumabe.
Como se trata de um anticorpo que é transferido para a criança, ele é diferente das vacinas normais. De acordo com determinação do Ministério da Saúde, o palivizumabe só deve ser administrado em bebês que estão mais vulneráveis à doença: prematuros extremos (que nascem após 28 semanas ou menos de gestação) e crianças com até 2 anos de idade que tenham doença pulmonar crônica ou doença cardíaca congênita.
Os médicos pediatras ou neonatologistas que acompanham os bebês devem indicá-los para receber o medicamento.
"A discussão sobre a possibilidade de ampliar a imunização ocorre em todo o mundo, mas é um medicamento caro, porque é produzido por apenas uma empresa, com uma tecnologia muito sofisticada", diz Marcus Jones, da PUC-RS.
"Mas esse é um vírus que mata de 70 mil a 200 mil crianças no mundo, principalmente na África e no sul da Ásia. Por isso, há muitos órgãos e empresas envolvidos na produção de vacinas. Certamente teremos mais nos próximos anos."
Segundo o Ministério da Saúde, até abril deste ano, já foram distribuídos 14.486 frascos de 50 mg e 35.280 frascos de 100 mg do palivizumabe para o serviço público. A imunização das crianças acontece de janeiro a agosto, a depender do período de maior incidência do VSR nas diferentes regiões do Brasil.
Prevenção
Se a criança adoecer, é importante ficar atento a uma possível dificuldade de respirar, que sinaliza o agravamento da doença.
"O quadro começa com resfriado comum, com o nariz obstruído e coriza, evolui para tosse, que inicialmente é seca e depois fica úmida e, por fim, se percebe que a respiração está difícil. O bebê começa a respirar mais rápido e, se colocarmos o ouvido no peito dele, veremos que há uns barulhinhos diferentes, que não existiam antes, o que chamamos de sibilância", explica Jones.
"Isso é um sinal de que o bebê está começando a ter dificuldade de respirar. Isso pode ou não evoluir para uma insuficiência ventilatória, que requer internação."
Com a doença de Laila, Marina Faleiros teve a sua segunda passagem pela UTI por causa da bronquiolite. Sua primeira filha, que hoje tem 4 anos, chegou a ficar internada por causa da doença aos 2 meses de idade.
"Não sei por que, se esse vírus é tão comum, ouvimos falar dele tão pouco. Devia ter uma campanha mais forte nessa época do ano. Se as crianças que não são prematuras não recebem o remédio, a gente fica sem saber", diz.
De acordo com os médicos, evitar aglomerações de pessoas, manter os ambientes com ventilação adequada e lavar as mãos são as medidas mais importantes para prevenir a infecção de bebês e crianças pelo vírus.
"A contaminação é principalmente por beijo e toque com as mãos. Então os pais devem lavar as mãos sempre e não deixar que qualquer pessoa toque nas crianças ou dê beijo na mão do bebê", explica Jones.
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