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Febre de Lassa, a doença mortal que se espalha pela África e para a qual não há cura

Charlie Weller

Especial para a BBC News*

06/03/2018 16h00

Desde o início do ano, a Nigéria tem sido afetada por um surto mortal: a febre de Lassa, uma entre as diversas doenças capazes de causar epidemias perigosas, mas para as quais ainda não há vacinas.

A febre de Lassa não é uma doença nova, mas o surto atual não tem precedentes - se espalha mais rápido do que nunca.

Os trabalhadores da área da saúde estão sobrecarregados. Alguns também se infectaram e morreram.

A doença, conhecida como "febre hemorrágica viral", pode afetar muitos órgãos e danificar os vasos sanguíneos do corpo.

Mas é difícil tratá-la.

A maioria das pessoas que contraem a doença só apresenta sintomas leves, como febre, dor de cabeça e fraqueza. Também é possível que elas não tenham nenhum sintoma.

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No entanto, em casos graves, a doença "copia" outra febre hemorrágica mortal: o ebola, que causa sangramento pelo nariz, boca e outras partes do corpo.

Em geral, a taxa de mortalidade da Lassa é de cerca de 1%. No entanto, o surto atual na Nigéria tem mais de 20% de mortes entre os pacientes confirmados e suspeitos, segundo autoridades oficiais. E mulheres que contraem a doença no final da gravidez enfrentam 80% de chance de perder seu filho ou morrer.

Desde janeiro, mais de mil casos suspeitos de Lassa foram relatados em toda a Nigéria. Cerca de 90 pessoas morreram da doença até agora, mas é possível que esse número acabe aumentando drasticamente, uma vez que é difícil diagnosticar a Lassa.

Análises

Nos estágios iniciais, é quase impossível distingui-la de outras doenças comuns, como a malária e a dengue.

Na ausência de um exame específico, a única maneira de confirmar o diagnóstico é por meio de uma análise de uma amostra de sangue ou tecido, feito em poucos laboratórios especializados no país.

A doença foi identificada pela primeira vez na cidade nigeriana de Lassa em 1969, após um surto em um hospital missionário.

Desde então, houve casos em muitos países da África Ocidental, incluindo Gana, Mali e Serra Leoa.

No entanto, o surto atual causa preocupação especial, porque o número de casos é excepcionalmente alto para esta época do ano.

Funcionários da área de saúde estão trabalhando para entender o porquê. 

Febre lassa - Ashley Seifert/EFE - Ashley Seifert/EFE
A doença é transmitida aos humanos pelo rato comum africano
Imagem: Ashley Seifert/EFE

O hóspede natural

Os surtos podem ser influenciados por condições climáticas sazonais, que afetam a população do hospedeiro natural do vírus: o rato comum africano, comum na África Ocidental e encontrado com alguma frequência dentro de residências.

Outra possibilidade para explicar a magnitude desta epidemia é que o alto número de casos reflete uma maior consciência - mais pessoas estão vindo a público com sintomas.

Também é possível que algo no vírus tenha mudado.

A maioria das pessoas tem febre de Lassa após o contato com objetos contaminados com urina, fezes ou saliva do rato.

A doença também pode ser transmitida de pessoa para pessoa através de fluidos corporais, o que significa que os profissionais de saúde e as pessoas que cuidam de familiares doentes sem equipamento de proteção correm um grande risco.

O período de incubação do vírus é de até três semanas. Os pesquisadores estão tentando determinar se, assim como o ebola, a febre de Lassa pode permanecer no corpo e ser transmitida através do contato sexual, mesmo após a doença desaparecer. 

febre_lassa_2 - Pius Utomi Ekpei/AFP - Pius Utomi Ekpei/AFP
As autoridades proibiram o consumo de garri cru, uma tipo de farinha popular na Nigéria, porque ela pode espalhar a febre de Lassa
Imagem: Pius Utomi Ekpei/AFP

O que fazer

Felizmente, a Nigéria tem um sólido sistema de saúde pública e está acostumada a lidar com epidemias como esta.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) está trabalhando com as autoridades nigerianas para ajudar a coordenar os esforços de combate, e o governo do Reino Unido ofereceu uma equipe de especialistas.

Quem vive nas áreas afetadas é orientado a tomar precauções básicas, como tapar buracos que possam servir de entrada para o rato em suas casas, jogar o lixo em latas cobertas e armazenar alimentos e água em recipientes lacrados.

As pessoas também são aconselhadas a usar luvas de proteção ao cuidar de alguém que possa ter a doença e ao realizar práticas de enterro seguro.

Apesar dessas medidas, a luta contra a febre e outras doenças infecciosas é dificultada pela falta de equipamentos médicos eficazes, como testes de diagnósticos, tratamentos e vacinas.

Em busca da vacina

É provável que em algum momento se encontre uma vacina para a febre de Lassa, reduzindo a possibilidade de um surto se tornar uma emergência sanitária mundial, mas, assim como em outras doenças epidêmicas que afetam principalmente os países mais pobres, o progresso é lento.

O desenvolvimento de vacinas é um processo longo, complexo e caro - sobretudo em casos de doenças epidêmicas emergentes, nas quais, em geral, um protótipo de vacina só pode ser analisado quando há um surto.

Uma nova organização chamada Cepi, criada em 2017 com apoio financeiro da Wellcome Trust, de governos e da Fundação Bill e Melinda Gates, espera acelerar a produção de vacinas.

A Lassa é uma das doenças na lista da Cepi, e a expectativa é de que uma ou mais vacinas estejam disponíveis para testes de larga escala nos próximos cinco anos.

A OMS lista outras doenças sérias - mas ainda pouco compreendidas - que também têm o potencial de causar epidemias devastadoras, como a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), o vírus Nipah, a febre do vale Rift e, é claro, o ebola.

O objetivo é identificar as lacunas de conhecimento dessas doenças e iniciar novas pesquisas.

Mas a pesquisa por si só não é suficiente. São necessários sistemas de saúde melhores em países onde as epidemias têm mais chances de ocorrer - na prática, construir uma melhor infraestrutura de saúde e capacitar equipes para reconhecer e responder a surtos.

Também é preciso trabalhar com as comunidades para entender como identificar surtos em um estágio inicial e prevenir sua propagação.

*O médico Charlie Weller é chefe de vacinas da ONG Wellcome Trust, especializada em saúde.