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Como a doença de um presidente americano ajudou a criar a vacina contra a paralisia infantil

Roosevelt era um símbolo de saúde e vitalidade antes de contrair a doença, e seu caso foi fundamental para chamar a atenção para o tema - Reprodução/Biography.com
Roosevelt era um símbolo de saúde e vitalidade antes de contrair a doença, e seu caso foi fundamental para chamar a atenção para o tema Imagem: Reprodução/Biography.com

Redação

BBC Mundo

04/05/2018 12h37

"Uma notícia alegre para alguém de idade como eu. Estou quase totalmente 'fora de serviço' no que diz respeito às minhas pernas, mas os médicos dizem que não há dúvidas de que recuperarei seu uso, ainda que isto signifique vários meses de tratamento em Nova York".

Franklin Delano Roosevelt tinha 39 anos quando escreveu esse parágrafo em uma carta.

Vindo de uma família privilegiada, tinha sido subsecretário da Marinha dos EUA e já havia concorrido à vice-presidência da República nas eleições de 1920, pelo Partido Democrata, ao lado do candidato presidencial James Cox.

Era um homem que estava no centro da vida pública americana e tinha um estado de saúde invejável.

Mas, em uma tarde de agosto de 1921, seus filhos o desafiaram para uma disputa de natação e, na manhã seguinte, ele se deu conta de que não conseguia mover direito a perna esquerda.

Naquela noite, Roosevelt teve febre e dores terríveis nas pernas e nas costas. No fim da semana, o político tinha perdido toda a sensibilidade da cintura para baixo.

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Depois de se consultar com médicos locais, sua família decidiu procurar um professor da Universidade de Harvard, Roberto Lovett, autor de um livro sobre o tratamento da poliomielite, também conhecida como paralisia infantil.

Lovett confirmou o diagnóstico de pólio e disse ao futuro presidente dos EUA que, apesar de não ser um caso grave, não havia como garantir que ele poderia voltar a andar.

Roosevelt encarou a situação de maneira otimista e fez tudo o que estava a seu alcance para recobrar o uso das pernas.

Em 1922, ele brincou com um amigo a respeito do espartilho que estava usando por recomendação médica.

"Quando me sento, (o espartilho) me quebra em dois. Nunca me senti tão feliz por não pertencer ao sexo oposto", escreveu ele.

Mas, apesar de todos os exercícios que eram indicados pelos médicos, com o tempo ficou claro que Roosevelt passaria o restante da vida em uma cadeira de rodas.

Muitos historiadores destacam a enfermidade de Roosevelt como um importante ponto de inflexão em sua vida como político - arrogante antes de contrair a doença, ele passou a demonstrar uma personalidade humilde.

Mas esse episódio também é considerado crucial para mudar a atitude dos americanos em relação às doenças e à saúde pública - e especialmente em relação à pólio. Os EUA acabaram desenvolvendo uma vacina para a doença depois que o tema entrou na agenda política nacional.

Atenção redobrada

Apesar de ser uma doença antiga, a pólio não chamava a atenção da comunidade médica até o século 19, quando a medicina começou a se dividir em especialidades.

Foi na segunda metade daquele século que começaram a surgir hospitais e clínicas dedicados a áreas como a ortopedia, a neurologia e a pediatria.

Nesse novo contexto, as vítimas da pólio passaram a chamar a atenção dos médicos - especialmente os casos de paralisia infantil que afetavam crianças menores de 6 anos de idade, e principalmente quando os afetados eram meninos.

Muitos deles começavam a demonstrar os sintomas de forma repentina: iam dormir com a saúde perfeita, começavam a ter febre e de manhã acordavam sem conseguir sentir as pernas.

Na maioria dos casos, a paralisia era irreversível e a criança nunca mais voltava a caminhar.

O mal foi categorizado como um problema neurológico, que afetava os nervos da espinha dorsal. E a paralisia infantil - que também era chamada de "paralisia matinal" - ganhou um nome oficial: poliomielite.

A palavra, de origem grega, significa inflamação da matéria cinzenta (pólio) da medula espinhal. Na mesma época, a imprensa americana apelidou a doença simplesmente de "pólio". 

Pólio - WILHELM/WIKIMEDIA COMMONS - WILHELM/WIKIMEDIA COMMONS
Mary Putnam foi a maior autoridade em pólio dos EUA no século 19
Imagem: WILHELM/WIKIMEDIA COMMONS

Pioneira nas pesquisas

No século 19, a maior especialista dos EUA em pólio foi uma mulher: Mary Putnam. Ela foi também a primeira pessoa do sexo feminino a se graduar em medicina em Paris, no ano de 1871.

Na França, Putnam se especializou em neurologia. Logo depois da graduação, ela se casou em 1873 com outro médico, Abraham Jacobi, que se tornou o primeiro professor do mundo em pediatria.

Foi combinando os conhecimentos de sua área de estudo e a do marido que Putnam se tornou a principal referência na doença.

A médica percebeu que a paralisia era incurável porque destruía as células nervosas que controlavam os músculos.

Em 1907, houve uma grande epidemia de pólio em Nova York, que logo se alastrou pelo resto do país e chegou ao Canadá.

Desde então, os casos de paralisia infantil nos EUA passaram a ocorrer aos milhares, todos os anos, causando pânico na população.

Cidades inteiras eram postas em quarentena a cada vez que um novo caso aparecia, com a polícia vigiando as ruas para garantir o toque de recolher.

Havia uma ironia nisso: geralmente, acredita-se que países com níveis sanitários piores estejam mais expostos a enfermidades virais como a pólio. Mas, neste caso, a suposta higiene dos EUA - país que se considerava o "mais asseado do mundo" - teve o efeito contrário.

Em países mais "sujos", as crianças costumavam infectar-se ainda muito pequenas, obtendo assim imunidade para o resto da vida - o que derrubava o número de casos de pólio com consequências graves. Ao contrário, nos países mais ricos e "asseados", a população era mais vulnerável quando o vírus aparecia.

O líder e a doença 

Depois de assumir a presidência dos EUA, em 1933, Roosevelt criou uma comissão para pesquisar a paralisia infantil - uma das primeiras atividades do comitê foi organizar um famoso baile para levantar fundos.

O primeiro evento usou o slogan "dance para que outros possam caminhar" e arrecadou mais de US$ 700 mil - uma fortuna considerável para a época.

Em 1938, a comissão se transformou na Fundação Nacional para a Paralisia Infantil (NFIP, na sigla em inglês), cujas campanhas de conscientização descreviam a pólio como a ameaça número um à saúde pública. 

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Jonas Salk, criador da primeira vacina contra a pólio. Hoje, a maior parte do mundo usa a vacina de via oral criada por Albert Sabin
Imagem: Sajjad/Xinhua

A NFIP recebeu doações enormes e financiou muitas pesquisas sobre a possibilidade do desenvolvimento de uma vacina contra a pólio.

Mas a ideia de infectar crianças com um vírus tão perigoso era muito controvertida - e demorou trinta anos para que uma solução fosse encontrada.

Depois da Segunda Guerra Mundial, os especialistas discutiam se a melhor opção era usar cepas mortas ou ainda vivas, mas atenuadas.

O virologista de origem polonesa Albert Sabin acreditava que usar cepas mortas do vírus não faria com que os pacientes criassem os anticorpos capazes de protegê-los definitivamente.

Os testes em animais - principalmente macacos - haviam mostrado que a vacina com o vírus vivo funcionava, mas testar o método com humanos - em particular, crianças - ainda era um problema. 

'O maior experimento do mundo'

Em 1952, os EUA sofreram com o pior surto de pólio de sua história, e a NFIP ficou sob imensa pressão para produzir logo a vacina.

Zé Gotinha - Ministério da Saúde - Ministério da Saúde
No Brasil, o personagem Zé Gotinha surgiu em 1986 como parte de uma campanha de vacinação contra a pólio
Imagem: Ministério da Saúde
No mesmo ano, o médico Jonas Salk concluiu os estudos para uma vacina à base de vírus mortos, com financiamento da NFIP, e quis testá-la com crianças.

Decidiu-se - depois de muita polêmica - testar o material em crianças de um instituto psiquiátrico do Estado da Pensilvânia. Os testes foram bem-sucedidos.

O passo seguinte era fazer uma prova com um número maior de indivíduos. A NFIP, então, contatou centenas de milhares de famílias americanas atrás de voluntários.

Nada menos que 90% dos consultados deram autorização para que seus filhos se tornassem "pioneiros" da pesquisa.

O estudo ficou conhecido como "o maior experimento de saúde pública de todos os tempos" e envolveu 1,5 milhão de crianças.

Um ano depois, a Universidade de Michigan anunciou que os resultados do teste eram positivos e que a vacina era segura e eficaz contra a doença.

"Este é um dia maravilhoso para o mundo. Um dia no qual se fez história", disse, na época, um porta-voz das autoridades de saúde dos EUA.

Numa entrevista à rede de TV americana CBS, Salk destacou que a vacina, na realidade, era uma realização coletiva.

Perguntaram-lhe a quem pertenceria a patente, e ele respondeu: "Não há patente. Pode-se patentear o Sol?"