Médico poderá responder a sindicância em casos de internação compulsória
Caso a Prefeitura obtenha autorização judicial para internar compulsoriamente usuários de drogas, os médicos que realizarem a avaliação forçada dos pacientes poderão ser alvo de sindicância do Conselho Regional de Medicina (Cremesp), informou ontem o presidente do órgão, o psiquiatra Mauro Aranha.
Em entrevista ao Estadão, o médico afirmou que a iniciativa da Prefeitura, além de contrariar lei federal sobre a política de saúde mental, viola também o Código de Ética Médica em seus artigos 22 e 24, sobre o consentimento do paciente. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
O pedido da Prefeitura contraria a Lei 10.216/2001?
A lei não prevê esse pedido que o procurador da Prefeitura fez ao juiz, que é a tutela de urgência para você obrigar a pessoa a ser avaliada por um médico. O absurdo do pedido já é na avaliação compulsória. É uma salvaguarda ampla para uma avaliação e internação compulsória sem que isso seja definido anteriormente caso a caso. Isso é um absurdo do ponto de vista ético. A Lei 10.216 de nenhuma forma tangencia essa possibilidade. Ela é clara. A internação compulsória é definida a partir do pedido ao juiz com base em uma avaliação prévia e não o contrário, ou seja, o juiz dar um salvo-conduto para que o médico aja em tese.
E de que forma o pedido vai contra o Código de Ética Médica?
O capítulo de direitos humanos prevê no artigo 22 que é vedado ao médico deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado. A avaliação já é um procedimento. Isso só é possível fazer compulsoriamente em risco iminente de morte. Como um juiz pode dizer que aquela avaliação (da Prefeitura) será feita em risco iminente de morte, se o juiz não conhece todos os pacientes? Já o artigo 24 diz que é vedado ao médico deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo. O médico só pode exercer sua autoridade para limitá-lo quando esse paciente está incapaz de decidir por si mesmo. Uma pessoa que está incapaz, no caso da droga, é alguém que está inconsciente pela intoxicação ou abstinência da droga. Ela tem de estar em estupor, pré-coma ou psicótica. Como o juiz pode dar uma ordem de avaliar compulsoriamente todas aquelas pessoas que estão ali em situação de drogadição? Não pode. E o médico não pode pactuar com isso. Se o médico fizer essa avaliação nesses termos, ele está arriscado a responder a sindicância no conselho estadual de Medicina.
Qual é a postura aceitável de um médico em um caso de internação compulsória?
O médico avalia que uma pessoa está sem consciência ou psicótica e julga que, para a proteção dela, precisa ser internada. O médico tem, então, de enviar o pedido ao juiz e obter a autorização. Aí pode - e não o contrário.
Em que situações a internação compulsória é indicada?
Quando a pessoa corre um grande risco de vida e não está em condição de deliberar sobre si, a internação compulsória é adequada, conforme a lei prevê, a pessoa até agradece depois. Quando a internação compulsória é arbitrária, como o procurador do Município está propondo, a pessoa não esquece jamais esse ato discriminatório, violento e intempestivo. Isso pode prejudicar o tratamento porque, nessa situação, ela vai sair da internação e voltar para a dependência porque ainda não estava convencida a se internar. Em uma internação mal indicada, você só vai tirar a pessoa da droga e não tem um plano de tratamento prévio. Então é como se ela ficasse em cárcere privado por uma deliberação discriminatória. Não faz sentido. A indicação de uma internação depende do momento da doença e da propriedade do que vai ser oferecido.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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