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Enfermeiro chegou a bater o carro após trabalhar 36 horas seguidas

Camila Caringe

Do UOL, em São Paulo

26/12/2012 06h00

O enfermeiro Marcelo Carvalho, mais conhecido como Marcelo Trinta Horas nas redes sociais, é considerado por ele próprio um privilegiado. Isso porque, atualmente, consegue dormir todos os dias, por cerca de seis horas. Ele trabalha como enfermeiro 40 horas semanais no ambulatório de um hospital da zona sul de São Paulo, faz plantões de 12 horas no pronto-socorro pelo menos uma vez por semana e ainda atua como docente em cursos técnicos, de graduação e pós-graduação.

Seu apelido se deve às reivindicações na militância. Sua luta é pela aprovação do limite da carga horária em 30 horas semanais para profissionais da saúde. Carvalho participa de audiências públicas na Câmara dos Deputados, na Assembleia Legislativa e integra atos em Brasília. Para ele, as jornadas estendidas são um dos maiores problemas enfrentados pelos profissionais da saúde, o que ocasiona erros graves que podem acarretar sequelas ou até mesmo custar a vida de um paciente.

“Quando acontece um acidente, ninguém pergunta há quanto tempo o profissional estava trabalhando e se estava em condições adequadas. Eu mesmo já trabalhei 36 horas seguidas. Aí bati meu carro porque dormi ao volante.” Plantões longos e duplas jornadas não são raros entre profissionais da saúde. A reivindicação da categoria é exatamente o que recomenda a Organização Mundial do Trabalho, mas a legislação brasileira permite que uma instituição contrate um profissional da saúde por até 44 horas semanais, extensíveis no caso de plantões.

Carvalho conta que muitas vezes o trabalhador assiste pacientes que ocupam o chão dos hospitais. “Isso não é digno nem para quem está sendo cuidado nem para quem está cuidando.” Há 20 atuando com enfermagem, ele começou como auxiliar e técnico e, depois de oito anos, cursou a graduação. O caminho natural seria pensar em medicina, mas “no convívio hospitalar eu descobri que eu tinha vontade de cuidar das pessoas e quem cuida não é o médico. O médica visita, diagnostica e vai embora. Quem fica ao lado é o enfermeiro.”

Desafios

O enfermeiro afirma que os erros constatados são, na verdade, a soma de todos os problemas antigos que não foram resolvidos ao longo do tempo. Como docente, ele aponta a qualidade da educação, que começa no curso fundamental. Muitas pessoas chegam ao nível técnico ou à graduação sem noções mínimas necessárias. “Algumas faculdades acrescentam na grade  matérias que não fazem parte do currículo. Se as pessoas não sabem fazer operações básicas, não sabem escrever direito, a faculdade não tem alternativa, senão ensinar.”

Outro problema observado por ele é a mercantilização do ensino - escolas que não têm o compromisso de ensinar e formam alunos que não estão preparados. Mas na área da saúde o problema aparece de forma mais grave. Uma vez com o diploma, o profissional enfrentará mais desafios, como os baixos salários, que podem levar às jornadas estendidas.

Além de disso, ainda há falta de estrutura para atender à demanda de pacientes nos hospitais. No pronto-socorro onde Carvalho trabalha, são atendidas cerca de 1.200 pessoas por dia. Mas, para oferecer tratamento adequado, esse hospital poderia receber apenas 30% do que recebe. “Hoje a enfermagem está pagando o preço. Está sendo vítima de todo esse ciclo", reflete.