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Discutir tratamento de doentes terminais em UTIs ainda é tabu no Brasil

Virginia Helena Soares de Souza, medica chefe da UTI do hospital Evangélico de Curitiba, durante sua prisão - Henry Milléo/Gazeta do Povo/Futura Press
Virginia Helena Soares de Souza, medica chefe da UTI do hospital Evangélico de Curitiba, durante sua prisão Imagem: Henry Milléo/Gazeta do Povo/Futura Press

Carlos Kaspchak

Do UOL, em Curitiba

01/03/2013 11h30

A decisão sobre a continuidade ou não de tratamentos em uma UTI que podem resultar na morte de um paciente, e que é conhecida como ortotanásia, ainda é recente no Brasil e está envolta em tabus culturais e na falta de informação de médicos e familiares. A questão ganhou destaque depois da prisão de quatro médicos e uma enfermeira que trabalhavam na UTI do Hospital Evangélico, o segundo maior de Curitiba (PR), no dia 19 de fevereiro, acusados de provocar deliberadamente a morte de pacientes.

No Brasil, o assunto ainda é pouco discutido, segundo o médico Álvaro Réa Neto,  professor de medicina na UFPR (Universidade Federal do Paraná), doutor em medicina intensiva, tem30 anos de prática profissional e é coordenador do Cepeti (Centro de Estudos e Pesquisa em Emergências Médicas e Terapia Intensiva), que presta consultoria para 10 UTIs de hospitais de Curitiba, o assunto ainda é polêmico no país e que  discussão sobre a limitação sobre o suporte avançado de vida  é uma realidade  nos hospitais e universidades e deve ser debatida.

O que é distanásia, ortototanásia e eutanásia

Ortotanásia é o termo utilizado pelos médicos para definir a morte natural, sem interferência da ciência, permitindo ao paciente morte digna, sem sofrimento, deixando a evolução e percurso da doença. Portanto, evitam-se métodos extraordinários de suporte de vida, como medicamentos e aparelhos, em pacientes irrecuperáveis e que já foram submetidos a suporte avançado de vida. Distanásia é a prática pela qual se prolonga, por meios artificiais e desproporcionais, a vida de um enfermo incurável. Também pode ser conhecida como “obstinação terapêutica”. É a persistência terapêutica em paciente irrecuperável pode estar associada a distanásia, considerada morte com sofrimento. Eutanásia é a prática pela qual se abrevia a vida de um enfermo incurável de maneira controlada e assistida por um especialista. No Brasil esta prática é considerada crime.

"Essa discussão sobre a ortotanásia deve ser ampliada. Há muitas resitências, não só no meio médico e acadêmico, mas também na sociedade. Ainda é um tabu discutir a morte. Nossa cultura considera a vida sagrada, mas esquece de lembrar que a vida também tem limites. E que, em certos momentos, é preciso decidir sobre se realmente vale a pena manter tratamentos que não darão resultados e só prolongam a sobrevivência do doente sem necessidade", afirma Réa Neto.

Segundo ele, as equipes médicas das UTIs precisam avaliar, todos os dias, a situação terapêutica dos doentes terminais, se devem ou não continuar tratamentos que podem ou não se reverter em sobrevivência do paciente. "Não se pode  simplesmente tentar prolongar a vida do paciente, com sofrimento, e sem garantia de sobrevivência com qualidade de vida. Isto é distanásia, obstinação terapêutica, e não é ético ou humano", explica. A ortotanásia está regulamentada pelo CFM e é aceita pela Justiça. Só pode ser tomada em consenso entre a equipe médica e os familiares do paciente.

Pesquisa sobre mortes em UTIs

Réa Neto  disse que uma pesquisa científica feita nos Estados Unidos (EUA) em 2002 revelou que 2/3 dos doentes morriam  nas UTIs por causa de alguma forma de limitação do suporte avançado de vida. "Na ortotanásia muda-se de um tratamento curativa para um tratamento paliativo, que garanta a alimentação, a hidratação e o controle da ansiedade e da dor dos pacientes. O resultado inevitável é a morte, mas de uma forma digna e com pouco sofrimento". Ele disse que esta decisão deve ser consensual entre equipe médica e familiares dos pacientes considerados terminais.

Segundo ele,  estudos revelam dois grupos de doentes nas UTIs. Aqueles aos quais  se faz de tudo para salvar a vida e sobrevivem com qualidade de vida e aqueles que também se faz de tudo para salvar vidas, mas que não sobrevivem ou se sobrevivem, não têm qualidade de vida, como pouca consciência da realidade e sofrimento.

"Não podemos permitir o contrário, a distanásia, que é também bastante comum nas UTIs, e dar suporte de vida a qualquer custo aos pacientes, que muitas vezes não têm mais qualquer possibilidade terapêutica", afirma. Ele disse que  entre 5% a 20% dos pacientes internados em UTIs são vítimas da distanásia.

O caso da UTI do Evagélico

Sobre o caso da médica Virginia Soares, da UTI do Hospital Evangélico, acusada de provocar a morte de pacientes, Réa Neto disse que ela pode estar sendo mal compreendida, mas que o caso é pedagógico porque rebvela que as decisões sobre limitação do suporte de vida não podem ser feitas como foram nos casos revelados.

"Ela tinha o respeito da comunidade médica, mas os fatos mostram que a maneira que ela conduzia os casos não era a correta. Não quero fazer juízo antecipado, mas são decisões polêmicas. Que podem não ter sido éticas. E que se foram arbitrárias e se os pacientes ainda tinham possibilidades terapêuticas, se não eram terminais, então, foram crimes e devem ser investigados com rigor."