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Técnica de transplante permite que fígado de criança se regenere

Quem vê Jonathan Nunes hoje nem imagina que ele passou por um transplante raro de fígado  - Disney ESPN Wide World of Sports via The New York Times
Quem vê Jonathan Nunes hoje nem imagina que ele passou por um transplante raro de fígado Imagem: Disney ESPN Wide World of Sports via The New York Times

Denise Grady

The New York Times

08/02/2014 07h00

Cinco dias por semana, três horas por dia, Jonathan Nuñez treina com um professor de ginástica em barras, argolas, cavalo e exercícios de solo. "Ele chega em casa, e ainda não está cansado; ele fica pulando e dando piruetas", afirma sua mãe, Yailin. Nas competições, Jonathan, oito anos, costuma ficar em primeiro ou segundo lugar. "Ninguém diria pelo que ele passou", disse Nuñez.

Repentina e misteriosamente, quando Jonathan era bebê, o fígado começou a não funcionar bem. Aos oito meses, o transplante era a única esperança. Os pais apostaram as fichas em uma operação incomum: ele passou por um transplante, mas parte do próprio fígado foi deixado na esperança de que um dia pudesse se recuperar e de que o órgão doado não fosse mais necessário. Se aquilo acontecesse, os remédios contra rejeição seriam interrompidos e, com sorte, o sistema imunológico do menino destruiria o transplante, deixando que seu próprio fígado fizesse o trabalho.

A vantagem dessa abordagem era a de que deixaria Jonathan livre da vida ingerindo os fortes medicamentos contra rejeição normalmente receitados aos pacientes.

A aposta deu certo. O fígado de Jonathan voltou a crescer, o órgão transplantado sumiu e o menininho antes frágil agora é uma fortaleza no ginásio.

Sem remédios

Porém, com todo seu potencial, a operação escolhida pela família não se popularizou, para o desalento do cirurgião de Jonathan, Tomoaki Kato, do Hospital Infantil New York-Presbyterian Morgan Stanley, em Manhattan. Poucas crianças que necessitam de transplante de fígado são candidatas ao procedimento, e outros cirurgiões são cautelosos porque é mais complexo, demorado e arriscado do que um transplante padrão. E nem sempre funciona, o fígado da criança nem sempre se recupera.

Mesmo assim, Kato acredita que os médicos deveriam realizar a cirurgia – chamada transplante de fígado ortotrópico parcial auxiliar – com maior frequência, e que deveria pelo menos ser levada em consideração para qualquer criança com menos de dez anos que necessite de transplante por insuficiência hepática aguda. O total que seria qualificado é pequeno, talvez algumas dezenas de crianças por ano nos Estados Unidos, mas a perspectiva de uma vida normal sem remédios contra rejeição faz sua avaliação valer a pena na opinião de Kato. Os medicamentos abafam o sistema imunológico e podem aumentar o risco de infecções, câncer e outros problemas de saúde.

"Pode ser difícil convencer os colegas a fazer algo diferente e, neste caso, é preciso ver para crer", afirma sua mãe, Yailin.

A operação não funcionou bem em adultos, e não é indicada para crianças com insuficiência hepática crônica porque a cicatriz pode impedir o fígado de voltar a crescer.

No total, Kato disse ter realizado a cirurgia em 13 crianças de três meses a oito anos de idade, sendo que o caso mais recente aconteceu há um ano. À exceção de um caso, o fígado das crianças se recuperou. Se o fígado não se recupera, a criança é tratada como um paciente transplantado comum, e os remédios contra a rejeição continuam sendo administrados.

Segundo Kato, o fígado ainda não havia crescido na paciente mais jovem, operada aos três meses de idade em agosto de 2012. "Não sei se o fígado dela vai se recuperar, mas ainda não perdemos toda a esperança."

Ele contou ter pensado originalmente que qualquer criança com menos de dez e insuficiência hepática aguda poderia ser auxiliada pela cirurgia, no entanto, a experiência sugere que os menores podem não ser bons candidatos.

Kato disse que não poderia especular os motivos. Em um bebê, o fígado parcial que é transplantado é muito maior do que a porção do fígado original que é deixado.

"Os transplantes consomem muito sangue. O fígado velho está doente, então o transplante recebe preferencialmente o fluxo sanguíneo. Talvez haja um fluxo exagerado sendo levado ao fígado transplantado, não deixando o suficiente para o fígado velho sobreviver."

Ele disse pensar que o problema poderia explicar por que demorou três anos para o fígado de Jonathan Nuñez voltar a crescer. Jonathan também enfrentou uma série de complicações no caminho.

Pouca aceitação

Outros especialistas reconhecem que a operação não ganhou ampla aceitação, mas afirmam que ela representa dificuldades substanciais. Alan Langnas, diretor de transplante hepático do Centro Médico de Nebraska, afirmou ter realizado a cirurgia dez vezes, mas que não a realizava mais.

"É uma boa ideia, mas as coisas nem sempre dão certinho como se espera. Existem muitos obstáculos. Ninguém faz a operação com muito entusiasmo."

Simon Horslen, diretor médico de transplante de fígado e intestino no Hospital Infantil Seattle disse ser "um grande fã da técnica. Tentei convencer meus cirurgiões a fazer algo muito parecido, mas os pacientes que são possíveis candidatos à cirurgia podem aparecer a cada três, quatro ou cinco anos. É uma coisa difícil de desenvolver".

De acordo com ele, o transplante de fígado padrão se tornou tão bem-sucedido que muitos cirurgiões estão relutantes em correr riscos com coisas diferentes, principalmente em uma operação complicada que não realizam com frequência.

"E nem todos os cirurgiões de transplante são Tom Kato. Ele é audaz e tem muita experiência pediátrica", garantiu Horslen.

Após a recuperação de Jonathan, a única coisa que preocupou os pais foi o fato de que a causa da insuficiência hepática nunca ter sido determinada. Quando ele tinha cinco anos, chegou o diagnóstico, um distúrbio autoimune que afeta o fígado. Uma pequena dose de medicação diária mantém tudo sob controle, declarou Nuñez.

A mãe diz não se arrepender da escolha tomada por ela e o marido em favor de Jonathan, e disse desejar que a mesma opção estivesse disponível para mais famílias.

"Nós estávamos no lugar certo na hora certa", ela concluiu.