Vasectomia em capivaras pretende reduzir incidência de febre maculosa em SP
Pesquisadores da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) da USP (Universidade de São Paulo) em Piracicaba, interior de São Paulo, anunciaram um projeto que já começou a esterilizar capivaras para diminuir os casos de febre maculosa, doença que, só neste ano, já matou três pessoas na cidade. A capivara é o principal hospedeiro do carrapato-estrela, vetor de transmissão da bactéria que causa a moléstia.
Até o momento, cinco desses animais já passaram por esterilização. O projeto pretende esterilizar o maior número possível de capivaras, podendo chegar a até 50% da população que vive no campus, estimada em 300 animais, nos próximos cinco anos. “A esterilização consiste na vasectomia dos machos e na ligadura das tubas uterinas nas fêmeas”, afirma a professora Katia Ferraz, que coordena o projeto. “O sistema não causa danos ao animal e leva em média 12 minutos por roedor”, explica a pesquisadora.
Segundo ela, a medida é importante porque reduz o número de capivaras susceptíveis à bactéria, reduzindo a circulação desta na população de carrapatos e, consequentemente, diminuindo as chances de transmissão da febre maculosa para os seres humanos. “Quando infectadas pela bactéria que gera a febre maculosa, as capivaras tornam-se transmissoras da bactéria, mas somente por um período de 14 dias. Depois disso, elas criam anticorpos e não transmitem mais a doença. Por isso é importante manter capivaras soropositivas na população para estabilizar a circulação da bactéria”, diz a pesquisadora.
Segundo Katia Ferraz, todos os filhotes nascem negativos e, se entram em contato com o carrapato contaminado com a bactéria, funcionam como vetor da febre maculosa para outros carrapatos, que não estão contaminados. “Se eliminarmos a entrada de filhotes, diminuiremos os reservatórios da bactéria e, com isso, as chances de transmissão da doença”, explica. A especialista informa ainda que cada capivara vive, em média, de sete a oito anos na natureza. Como são roedores, as capivaras se reproduzem duas vezes por ano, com uma média de quatro filhotes por fêmea a cada gestação.
A professora Kátia Ferraz informa ainda que retirar as capivaras do ambiente que ocupam não seria eficaz; a morte dos animais também não resolveria o problema. “Não existem capivaras apenas na Esalq. Se elas forem retiradas ou mortas, outras capivaras iriam ocupar o habitat, que é muito favorável a elas. Na verdade, esses animais são importantes para combater a disseminação da febre maculosa, já que não transmitem mais a bactéria”, diz.
Projeto amplo
Além de esterilizar os animais que vivem em Piracicaba, o projeto, multidisciplinar, também irá estudar a bactéria responsável pela febre maculosa, assim como o carrapato-estrela e próprias capivaras, hospedeiras do vetor (carrapato). Além do campus de Piracicaba, serão objeto de estudo os campus da USP nas cidades de Ribeirão Preto e São Carlos, além de outras áreas endêmicas à febre maculosa.
Participaram do projeto profissionais de diversas áreas, como médicos infectologistas, biólogos, engenheiros florestais e técnicos da vigilância epidemiológica e da Sucen (Superintendência de Controle de Endemias). Coordenado pelo professor Marcelo Labruna, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, o projeto receberá R$ 1 milhão da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). “Esperamos que, com isso, as pesquisas aumentem ainda mais. Queremos entender como a febre maculosa é transmitida e mantida na população. Os estudos que existem falam apenas do papel da capivara na transmissão, mas queremos ampliar a pesquisa e incluir também outros animais, como pequenos mamíferos”, afirma a pesquisadora.
Febre maculosa
A febre maculosa é uma doença infecciosa contra a qual não há vacina e que costuma ser letal em média em 40% dos casos. É causada por uma bactéria do gênero Rickettsia (Rickettsia rickettsii) e é transmitida pelo carrapato-estrela, que pode ser encontrado em animais de grande porte, especialmente em capivaras. A transmissão da doença, seja para animais ou seres humanos, é feita unicamente pelo carrapato. “No caso dos seres humanos, o carrapato precisa picar a vítima e ficar na pele por mais de quatro horas”, afirma Tufi Chalita, médico infectologista que integra o grupo de pesquisa de Piracicaba.
“Os primeiros sintomas costumam surgir uma semana após a infecção. O problema é que os sintomas são os mesmos de outras infecções, como febre alta, dor no corpo, dor da cabeça e prostração. Só na fase final aparecem as máculas, manchas avermelhadas que permitem a identificação da doença”, diz Chalita, ressaltando que o diagnóstico precoce aumenta as chances de sobrevivência. “Por isso é uma doença tão complicada”.
Segundo dados da Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo, desde o início da série histórica em 1996, Piracicaba já registrou 64 casos confirmados de febre maculosa, dos quais cinco foram de pessoas que contraíram a doença na Esalq. Em percentual, a universidade representa 7,8% dos casos.
No total, houve 33 mortes causadas pela doença, taxa de letalidade de 51,5%. Desses, três foram de pessoas contaminadas na USP, o que significa letalidade de 60%, de acordo com dados da universidade.
Segundo Tufi Chalita, médico infectologista e membro da comissão permanente, é importante que a população fique atenta e se previna contra a doença. O primeiro passo é evitar a frequência a áreas onde há indicação, por cartazes, de incidência do carrapato. “Algumas pessoas não notam a presença dos carrapatos pequenos no corpo. A picada também pode passar despercebida, então é preciso cuidado, pois o diagnóstico não é simples e, se for tardio, pode gerar a morte do hospedeiro”, afirma.
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