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Vasectomia em capivaras pretende reduzir incidência de febre maculosa em SP

Capivaras hospedam carrapato-estrela, que transmitem bactéria causadora da doença - Mateus Medeiros/UOL
Capivaras hospedam carrapato-estrela, que transmitem bactéria causadora da doença Imagem: Mateus Medeiros/UOL

Eduardo Schiavoni

Do UOL, em Americana (SP)

25/09/2014 09h08

Pesquisadores da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) da USP (Universidade de São Paulo) em Piracicaba, interior de São Paulo, anunciaram um projeto que já começou a esterilizar capivaras para diminuir os casos de febre maculosa, doença que, só neste ano, já matou três pessoas na cidade. A capivara é o principal hospedeiro do carrapato-estrela, vetor de transmissão da bactéria que causa a moléstia.

Até o momento, cinco desses animais já passaram por esterilização. O projeto pretende esterilizar o maior número possível de capivaras, podendo chegar a até 50% da população que vive no campus, estimada em 300 animais, nos próximos cinco anos. “A esterilização consiste na vasectomia dos machos e na ligadura das tubas uterinas nas fêmeas”, afirma a professora Katia Ferraz, que coordena o projeto. “O sistema não causa danos ao animal e leva em média 12 minutos por roedor”, explica a pesquisadora.

Segundo ela, a medida é importante porque reduz o número de capivaras susceptíveis à bactéria, reduzindo a circulação desta na população de carrapatos e, consequentemente, diminuindo as chances de transmissão da febre maculosa para os seres humanos. “Quando infectadas pela bactéria que gera a febre maculosa, as capivaras tornam-se transmissoras da bactéria, mas somente por um período de 14 dias. Depois disso, elas criam anticorpos e não transmitem mais a doença. Por isso é importante manter capivaras soropositivas na população para estabilizar a circulação da bactéria”, diz a pesquisadora.

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Projeto esterilizou cinco animais e tem quer fazer vasectomia em 50% da população
Imagem: Mateus Medeiros/UOL
 
Segundo Katia Ferraz, todos os filhotes nascem negativos e, se entram em contato com o carrapato contaminado com a bactéria, funcionam como vetor da febre maculosa para outros carrapatos, que não estão contaminados. “Se eliminarmos a entrada de filhotes, diminuiremos os reservatórios da bactéria e, com isso, as chances de transmissão da doença”, explica. A especialista informa ainda que cada capivara vive, em média, de sete a oito anos na natureza. Como são roedores, as capivaras se reproduzem duas vezes por ano, com uma média de quatro filhotes por fêmea a cada gestação.

A professora Kátia Ferraz informa ainda que retirar as capivaras do ambiente que ocupam não seria eficaz; a morte dos animais também não resolveria o problema. “Não existem capivaras apenas na Esalq. Se elas forem retiradas ou mortas, outras capivaras iriam ocupar o habitat, que é muito favorável a elas. Na verdade, esses animais são importantes para combater a disseminação da febre maculosa, já que não transmitem mais a bactéria”, diz.

Projeto amplo

Além de esterilizar os animais que vivem em Piracicaba, o projeto, multidisciplinar, também irá estudar a bactéria responsável pela febre maculosa, assim como o carrapato-estrela e próprias capivaras, hospedeiras do vetor (carrapato). Além do campus de Piracicaba, serão objeto de estudo os campus da USP nas cidades de Ribeirão Preto e São Carlos, além de outras áreas endêmicas à febre maculosa.

Participaram do projeto profissionais de diversas áreas, como médicos infectologistas, biólogos, engenheiros florestais e técnicos da vigilância epidemiológica e da Sucen (Superintendência de Controle de Endemias). Coordenado pelo professor Marcelo Labruna, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, o projeto receberá R$ 1 milhão da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). “Esperamos que, com isso, as pesquisas aumentem ainda mais. Queremos entender como a febre maculosa é transmitida e mantida na população. Os estudos que existem falam apenas do papel da capivara na transmissão, mas queremos ampliar a pesquisa e incluir também outros animais, como pequenos mamíferos”, afirma a pesquisadora.

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Esses roedores transmitem bactéria que causa febre maculosa, letal em 40% dos casos
Imagem: Mateus Medeiros/UOL

Febre maculosa

A febre maculosa é uma doença infecciosa contra a qual não há vacina e que costuma ser letal em média em 40% dos casos. É causada por uma bactéria do gênero Rickettsia (Rickettsia rickettsii) e é transmitida pelo carrapato-estrela, que pode ser encontrado em animais de grande porte, especialmente em capivaras. A transmissão da doença, seja para animais ou seres humanos, é feita unicamente pelo carrapato. “No caso dos seres humanos, o carrapato precisa picar a vítima e ficar na pele por mais de quatro horas”, afirma Tufi Chalita, médico infectologista que integra o grupo de pesquisa de Piracicaba.

“Os primeiros sintomas costumam surgir uma semana após a infecção. O problema é que os sintomas são os mesmos de outras infecções, como febre alta, dor no corpo, dor da cabeça e prostração. Só na fase final aparecem as máculas, manchas avermelhadas que permitem a identificação da doença”, diz Chalita, ressaltando que o diagnóstico precoce aumenta as chances de sobrevivência. “Por isso é uma doença tão complicada”.

Segundo dados da Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo, desde o início da série histórica em 1996, Piracicaba já registrou 64 casos confirmados de febre maculosa, dos quais cinco foram de pessoas que contraíram a doença na Esalq. Em percentual, a universidade representa 7,8% dos casos.

No total, houve 33 mortes causadas pela doença, taxa de letalidade de 51,5%. Desses, três foram de pessoas contaminadas na USP, o que significa letalidade de 60%, de acordo com dados da universidade. 

Segundo Tufi Chalita, médico infectologista e membro da comissão permanente, é importante que a população fique atenta e se previna contra a doença. O primeiro passo é evitar a frequência a áreas onde há indicação, por cartazes, de incidência do carrapato. “Algumas pessoas não notam a presença dos carrapatos pequenos no corpo. A picada também pode passar despercebida, então é preciso cuidado, pois o diagnóstico não é simples e, se for tardio, pode gerar a morte do hospedeiro”, afirma.