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Acesso a opioides devia ser 25 vezes maior no Brasil, segundo estudo

Agricultor afegão coleta flores da papoula, de onde é extraído o ópio, um poderoso analgésico que é a base da morfina e heroína. A foto foi tirada em uma vila a 500 km de Cabul, capital do Afeganistão  - REUTERS/Ahmad Masood
Agricultor afegão coleta flores da papoula, de onde é extraído o ópio, um poderoso analgésico que é a base da morfina e heroína. A foto foi tirada em uma vila a 500 km de Cabul, capital do Afeganistão Imagem: REUTERS/Ahmad Masood

Débora Nogueira e Fabiana Marchezi

Do UOL, em São Paulo (SP)

18/08/2015 06h00

O Brasil está entre os países com as menores taxas de prescrição de opióides do mundo. O país tem consumo de 7,8 mg de opioides (como morfina) por pessoa ao ano. A taxa ideal seria de 192,9 mg ao ano por pessoa, ou seja, quase 25 vezes mais, segundo dados de referência divulgados na publicação científica Journal of Pain Research. O baixo tratamento da dor aguda pode ser explicado por uma série de fatores como a burocracia para a prescrição desses medicamentos, o preconceito dos familiares, e até a falta de segurança do médico para diagnosticar o sofrimento do paciente.

“Muitas vezes, o paciente terminal morre com dor no Brasil. Geralmente, os médicos não sabem tratar a dor e as enfermeiras não sabem avaliar o grau de dor. Muitos profissionais têm preconceito e medo de prescrever remédios para dor, principalmente morfina”, afirma o oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, Noam Pondé.

A baixa prescrição de analgésicos como morfina, codeína e metadona também pode ser explicada pela preocupação com o uso abusivo desses medicamentos, que derivam do ópio, ou papoula, e levam à dependência psicológica e física.

“Eles podem causar dependência e efeitos colaterais, como depressão respiratória. Por isso, é necessário um controle, mas isso não pode impedir que a dor do paciente seja aliviada. O médico precisa ter experiência para entender a necessidade de cada paciente. Precisa prezar pelo seu conforto. É desumano deixar o paciente com dor”, opina o médico diretor do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente Lucas Santos Zambon.

“Há uma desinformação tanto da população quanto dos médicos em relação à prescrição desses medicamentos. Por um lado, o paciente e os familiares pensam que o uso desses medicamentos está restrito a doentes terminais e os rejeitam. Por outro, os médicos têm receio da dependência e dos efeitos colaterais ou não sabem prescrever”, afirma o médico intervencionista em dor André Mansano.

A burocracia enfrentada na hora de prescrever o remédio também é considerada empecilho pelos médicos. No Brasil, as dificuldades para prescrever os opioides já começam com a obtenção do receituário amarelo (tipo A). Para conseguí-lo, o profissional deve ir pessoalmente à Secretaria Estadual de Saúde para fazer um cadastro.

“Precisa ter um controle, mas sem excesso. Apesar de um pouco burocrático, é um procedimento fácil e necessário para evitar o abuso das substâncias. Lidar com a dor não é fácil, é preciso medicar na medida certa. Subtratar a dor, ou seja, deixar o paciente com dor pode ser tão maléfico quanto hipertratá-la”, pondera o professor de clínica geral do Hospital das Clínicas de São Paulo Paulo Camiz.

“Quando bem indicadas e utilizadas, tais medicações são extremante seguras, não devendo gerar receio ou insegurança nos profissionais ou pacientes e familiares. Como qualquer outra medicação, devem ser prescritas por médicos e os pacientes devem ter acompanhamento regular”, informou o ministério da Saúde em nota.

O vice-presidente do Instituto Mundial da Dor no Brasil, Charles Amaral de Oliveira, explica que o consumo de opioides e opiáceos compõe um dos fatores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de uma nação. “Quanto maior o consumo de opioides, maior é o IDH, porque isso significa que a dor está sendo tratada e que as pessoas têm mais qualidade de vida. Com isso, o Brasil está em uma posição bastante desfavorável em relação aos países desenvolvidos, podemos dizer que a dor crônica é subtratada no país”, afirma. 

O dado de consumo de opioides no Brasil citado no início da reportagem é de um estudo do Grupo de Estudos da Dor da Universidade de Wisconsin - Madison, nos Estados Unidos, e diz respeito a 2012, data da última atualização do mapa que engloba todos os países do mundo. 

Segundo a Anvisa, "não há estudos científicos na Agência que permitam afirmar que o consumo desta substância é baixo.  Para tanto, seria necessário desenvolver uma pesquisa interinstitucional e multidisciplinar, pois além de dados da oferta, é necessário ainda obter e analisar dados sobre a demanda".

O Ministério da Saúde preferiu não comentar os dados da pesquisa norte-americana por desconhecer seu contexto. O órgão ressaltou que "seu principal objetivo não é quantificar o consumo de opioides no país, mas garantir e facilitar o tratamento de todos os pacientes que tenham indicação médica para usar esses medicamentos".

Outros países

O Brasil não está sozinho no quadro de subtratamento da dor aguda. Cerca de 66% da população mundial vai morrer sem consumir opioides, seja porque não vai precisar, seja porque não terá seu sofrimento diagnosticado. Apenas 7,5% da população tem o consumo adequado desses medicamentos, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Enquanto isso, nos Estados Unidos são consumidos 743 mg/per capita, número bastante acima do indicado. “Os Estados Unidos enfrentam um outro problema de saúde pública, uma vez que o consumo abusivo desses medicamentos vem resultando em um grande número de dependentes e até de mortes”, afirma Oliveira.

Existe um mercado negro dessas drogas nos Estados Unidos, o que constitui um grande problema de saúde pública. “60% dos óbitos ocorridos nos EUA por causa desses medicamentos são com receitas médicas. Os outros são conseguidos por outras vias”, explica Mansano.