PE: aedes e microcefalia são as novas agonias do sertão arrasado pela seca
A seca que tanto atormenta o sertanejo desde 2012 passou, por ora, a dividir o posto de maior preocupação no semiárido. Nos últimos dias, o quarteto de problemas formado por dengue, zika, febre chikungunya e, especialmente, microcefalia caíram como uma bomba em uma região de reservatórios e pastos secos pela pior estiagem em 50 anos.
O UOL visitou cidades do sertão de Pernambuco, entre elas as que aparecem no topo da lista de casos suspeitos de microcefalia e de doenças causadas pelo mosquito Aedes aegypti. Mães, grávidas e profissionais de saúde não aparentam outro sentimento que não o medo. Tudo isso em meio a cidades extremamente pobres e de estruturas de saúde pública deficientes.
A dengue nunca foi um problema que chamou a atenção no sertão, onde a seca afastava os mosquitos. Mas agora, associada com a zika, a chikungunya e a microcefalia, causa pânico. A alta dos casos da doença no Estado foi de 589% em 2015.
Um dos fatores que levou à explosão da doença é que, desde o início do ano, o sistema de abastecimento entrou e colapso e ninguém mais recebe água encanada, só por meio de carro-pipa. Caixas d'água foram instaladas nos bairros, e os mais pobres só têm acesso a água levando baldes e os levando para casa.
Com os açudes secos, a população recorre a reservatórios improvisados para juntar água --que, em Pernambuco, representam 82% dos focos do mosquito.
A combinação temida
Entre as gestantes, o clima de medo é até difícil de descrever em palavras.
No município de Pedra (258 km do Recife), que tem o dobro de casos de dengue que a média estadual (2.663 casos por 100 mil habitantes) e mais de 110 casos notificados em apenas uma semana, uma mulher teve a combinação mais temida: sintomas de zika no primeiro trimestre da gravidez. Por conta do problema, teve ameaça de aborto e foi parar duas vezes em hospitais da região, na semana passada.
"Agora estou melhor, mas ainda muito assustada. Fiz um ultrassom, e disseram que não houve nada com o bebê. Na próxima semana está marcada outra. Espero que não dê nada", diz Valderês Leal Dourado, 41, grávida do primeiro filho e com 10 semanas de gestação.
A estrutura pública de saúde na cidade é precária. No sertão, é feita somente a medição do crânio após o parto para detectar possíveis casos de microcefalia. Exames de sangue e de imagem, somente no Recife --e em viagens que duram até mais de 8h.
Na única unidade hospitalar da cidade, a superlotação se tornou um problema. A coordenadora de enfermagem da unidade, Josenice Gomes, afirma que, por conta da epidemia, a média de atendimentos em outubro saltou de 70 para 300 –hoje está em torno de 120 a 130 pessoas.
No local há 22 leitos, sendo dez na observação. "Mas chegamos a ter coisa de 60 pessoas ao mesmo tempo ocupando tudo. Pacientes tiveram que dividir cama", conta.
E novos pacientes não param de chegar. "Estou sentindo uma agonia tão grande, uma moleza, uma dor nas pernas e nas costas. Acho que 80% das pessoas que conheço já tiveram a doença", afirma Maria Sirleide Cavalcanti, 45, que durante visita da reportagem ao hospital era medicada com suspeita de zika ou dengue.
O governo do Estado diz que pretende investir R$ 15 milhões para estruturar 20 unidades, que vão descentralizar o atendimento.
Enquanto isso não acontece, é preciso combater os focos. Mas são apenas seis agentes para uma população de 21 mil habitantes. A coordenadora de Vigilância Sanitária e Epidemiológica do município, Ravena Albuquerque, no entanto, diz que a epidemia foi causada pela crise hídrica e pela falta de larvicidas. "Além disso, todos os meus agentes de endemia ficaram doentes e faltaram ao trabalho, o que prejudicou o ciclo de combate", explica.
Busca por repelente e orientação do padre
Em Ingazeira (369 km do Recife), as grávidas, que pouco apareciam, estão buscando orientação na Unidade Básica de Saúde. "Ontem mesmo [dia 1º] vieram três. Queriam saber do tipo de repelente", conta a enfermeira Paula Fernanda.
Elas não escondem o medo e já mudaram os hábitos mesmo com um calor de até 37ºC, que não as impede de cobrir o corpo quase que por completo. "Uso sempre calça agora dentro de casa. Durmo com ventilador perto e uso repelente", diz Ana Rosa Diniz, 23, gestante de nove semanas.
"Durmo de roupa longa e não deixo mais água exposta", conta Ana Raquel Freitas, 17, grávida do primeiro filho.
Até o padre decidiu entrar na guerra contra o Aedes aegypti. "O nível da educação do nosso município é pequeno, e falo sempre sobre o problema", diz Luiz Marques Ferreira.
Na pequena cidade, carros de som também são usados para propagar informação. "As pessoas estão assustadas, mas precisam de conscientização. Estamos usando tudo: mobilização em escolas, dando entrevista às rádios", afirma a secretária de Saúde da cidade, Fabiana Torres.
Desinformação
A cidade vizinha, Afogados da Ingazeira, marcada pela estiagem há quatro anos, já registrou 13 casos suspeitos de microcefalia.
Para quem precisa sobreviver vendo a plantação secar e o gado morrer, o diagnóstico da microcefalia é considerado uma tragédia. "Desculpe, mas a mãe não quer falar. A família está muito abalada", diz a avó de uma criança que foi notificada com a suspeita do problema.
No povoado de Covoadas, onde uma jovem de 15 anos está grávida do primeiro filho, agente de endemias é algo raro como a chuva. Ela conta que ainda não tinha ido à cidade comprar repelente. "A única medida que tomei foi fechar o tanque", afirma Maria Imaculada Guimarães. "Tenho medo dele nascer doente."
A cidade tem 26 agentes de endemia que, segundo a prefeitura, cobrem todo o município, mas, segundo o presidente da Associação dos Moradores, Damião Pereira, eles nunca aparecem. "Que eu me lembre nunca veio nenhum aqui, só vem agentes de saúde", diz.
O secretário de Saúde da cidade, Artur Amorim, disse que a prefeitura tenta conter o medo dos moradores. "Quando surgiu [a epidemia], a população ficou desesperada. É uma região onde até então nunca tinha visto nada isso. Estamos fazendo todo o esforço, lançamos uma força-tarefa”, afirmou.
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