Coração tem apêndice como intestino: sem função clara, e com riscos à saúde
Duas orelhinhas, uma de cada lado. O desenho do coração talvez ficasse mais preciso assim. Nosso órgão é dividido em quatro partes: dois átrios e dois ventrículos. O átrio direito recebe sangue do corpo, envia para o ventrículo direito, que bombeia para os pulmões. O átrio esquerdo recebe sangue oxigenado dos pulmões, manda esse sangue para o ventrículo esquerdo, que bombeia para todo o corpo. Em cada átrio há um pequeno apêndice, como um "saquinho". São as orelhinhas.
Eles fazem parte do órgão, mas ainda não se sabe ao certo qual papel possuem. "Há teorias que afirmam que os apêndices desempenham função de regulação da pressão no coração", explica Raul Arrieta, médico hemodinamicista do Incor (Instituto do Coração).
O que se sabe é que, em determinadas situações ligadas a doenças, pequenos coágulos do sangue podem se formar no apêndice do átrio esquerdo, o que pode causar problemas como o AVC (acidente vascular cerebral) isquêmico e embolias em diferentes órgãos.
Coágulos podem se formar também no apêndice direito. "O sangue que passa pelo átrio direito vai para o pulmão, pode causar embolia pulmonar, mas riscos são bem menores", diz Abrão Cury, cardiologista e clínico geral do HCor (Hospital do Coração).
Por causa da função ainda não explicada e dos riscos aos quais estão associados, os apêndices do coração lembram o apêndice do intestino, parte do corpo sobre a qual não há explicação exata do porquê existe, mas onde ocorre a apendicite, um problema de saúde.
Não há nenhum problema em viver sem os apêndices do coração. Em alguns tratamentos para evitar a formação de coágulos, é inserida uma espécie de tampa no local. Fechado, o apêndice murcha. E murcho, não causa nenhum dano ao organismo. "É como tirar o apêndice do intestino. A pessoa não sente nada [vivendo com ele atrofiado], não é essencial para o órgão", diz Arrieta.
A coagulação do sangue no apêndice é um risco que está associado à arritmia cardíaca. "Ter apêndice não significa ter risco", esclarece o médico. Diferentes doenças podem causar um tipo específico de arritmia, chamada fibrilação atrial. Um coração que funcione normalmente não formará coágulos.
Batimento desorganizado faz o sangue coagular no apêndice
Nosso coração bate como música, com um ritmo bem marcado. A alteração do ritmo cardíaco, que deixa o batimento desorganizado, é chamada de arritmia. Um dos tipos de arritmia é a fibrilação atrial. "O átrio para de ter capacidade de contração, e em vez de contrair, 'treme'", explica Abrão Cury, cardiologista e clínico geral do HCor (Hospital do Coração).
A fibrilação atrial é o tipo mais frequente de arritmia e afeta cerca de 2,5% da população mundial - cerca de 175 milhões de pessoas, de acordo com a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas. No Brasil, mais de 300 mil pessoas morrem todos os anos vítimas de arritmias cardíacas, segundo a entidade. A fibrilação atrial acomete entre 5% e 10% da população brasileira.
O problema pode surgir como consequência de doenças na válvula mitral [que separa o átrio esquerdo do ventrículo esquerdo]. Outras doenças, como o hipotireoidismo, ou males que causam o crescimento exagerado do átrio, também provocam a alteração. Os sintomas de arritmia são dores no peito, palpitação, falta de ar, queda de pressão.
Há remédios que devolvem o ritmo normal ao coração. Contudo, quando ela se torna mais presente e vira crônica, surge o risco de se formarem coágulos. "Sem os batimentos ritmados, o sangue fica lento no átrio do apêndice esquerdo, não chacoalha, e se formam trombos", diz o Arrieta. "O sangue entra na aurícula [apêndice] e estagna ali, formando coágulos. Eles caem pelo átrio no ventrículo esquerdo, e podem ser disseminados para qualquer parte do corpo", completa Cury.
Os coágulos causam embolias em vasos de órgãos. "Uma embolia no rim é ruim, mas é pouco provável que cause grande transtorno. No fígado, a recuperação é espontânea. Já no cérebro, o risco de dano é maior", esclarece o cardiologista. No cérebro, uma obstrução de artéria provoca o AVC isquêmico. A falta de irrigação do órgão pode deixar sequelas graves e levar à morte.
Quem possui arritmia causada por doença, como as que afetam a válvula mitral, normalmente passa por intervenções cirúrgicas. E no geral, quem possui fibrilação arterial realiza tratamento com remédios anticoagulantes, que deixam o sangue fino e evitam a formação de coágulos. Mas há casos em que os anticoagulantes são contraindicados por poderem provocar outro tipo de AVC: o derrame.
Há dois tipos de AVC. Ele pode ser provocado por embolia, que é o entupimento de um vaso sanguíneo que impede a irrigação por sangue de um órgão, o que causa dano irreversível. Ou ocorre quando há uma ruptura de um vaso dentro do cérebro, que inunda de sangue partes do órgão, produzindo danos semelhantes.
Para tratar pacientes nesses casos, há a opção de se instalar uma prótese na boca do apêndice arterial esquerdo, onde costumam se formar os pequenos coágulos.
"Tampa" é colocada no apêndice por cateterismo
Pacientes que possuem fibrilação atrial não-valvular (que não é causada por doenças na válvula mitral) e que estão no grupo de risco de derrame podem evitar a formação de coágulos com uma prótese colocada na entrada do apêndice atrial. Existem diferentes modelos de prótese. Elas são colocadas no coração através de um cateter que chega ao órgão por uma veia. A "tampa" fecha completamente o apêndice, impedindo que coágulos se formem ou que saiam do local.
"O cateter entra pela virilha, sobe até o coração e chega no lado direito. Como é preciso acessar o átrio esquerdo, faz um furinho na parede do coração que separa os dois átrios", explica Arrieta. O buraquinho no coração não deixa nenhuma sequela. O procedimento é feito na sala de cateterismo, dura de 30 a 40 minutos, e o paciente vai para casa no dia seguinte. "A pessoa pode viver o resto da vida com a prótese", diz Cury.
Segundo os especialistas, procedimentos como esses existem no Brasil há cerca de quatro anos. Contudo, é um procedimento caro, que pode ser coberto por planos de saúde, mas não está presente no SUS (Sistema Único de Saúde).
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