Pesquisa estuda substituir injeção de insulina por leite fermentado
Um grupo de pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp (Universidade Estadual Paulista) estuda uma alternativa às incômodas injeções para pacientes diabéticos. A ideia é que, no futuro, a insulina possa ser ingerida como um leite fermentado.
Fazem parte da pesquisa, que começou no início de 2016, 11 alunos de graduação dos cursos de engenharia de bioprocessos e biotecnologia, quatro professores orientadores, dois alunos de pós-graduação e um técnico. O grupo ganhou a medalha de ouro na Competição Internacional de Máquinas Geneticamente Modificadas (iGEM), cuja etapa final foi realizada nos Estados Unidos em novembro deste ano, por conta dos resultados obtidos até agora.
"Conseguimos inserir sequências sintéticas de insulina na bactéria probiótica Lactococcus lactis, que se mostrou capaz de produzir e secretar insulina. Além disso, também desenvolvemos uma linhagem da mesma bactéria capaz de regular a produção de proteínas a partir da presença ou ausência de glicose", afirma a professa Danielle Pedrolli, responsável pela pesquisa.
Ela explica que os estudos ainda são iniciais e que, por enquanto, não foram feitos testes em animais ou humanos. "Nossa ideia é que, no futuro, essas bactérias sejam consumidas via oral, como um medicamento comum. Uma alternativa seria um leite fermentado, como o Yakult, mas ainda não é possível falar sobre a forma final de administração, pois isso requer estudos e depende de diversos fatores", diz.
Em pessoas saudáveis, o corpo produz insulina toda vez que o nível de glicose sobe no nosso sangue. Esse controle é feito pelo pâncreas, que atua logo após uma refeição, por exemplo. Há, porém, pessoas que nascem com um "defeito" na produção das células que fazem esse controle (diabetes tipo 1) ou ainda as que param de produzir ou criam resistência à insulina em algum momento da vida (diabetes tipo 2).
O produto que pode ser desenvolvido a partir das pesquisas na Unesp seria indicado especialmente por pacientes com diabetes do tipo 1, os que mais precisam das injeções regulares de insulina.
"Estamos desenvolvendo um sistema de controle da produção baseado no nível de glicose (açúcar) no intestino do paciente, porém ainda temos muito o que aperfeiçoar no sistema para que ele produza exatamente a quantidade adequada de insulina", afirma Pedrolli.
Por que ainda não temos insulina oral?
Apesar de desagradáveis para algumas pessoas, as injeções são até hoje a forma mais eficaz de administração de insulina em pacientes diabéticos. Isso porque esse hormônio é melhor absorvido pelo tecido subcutâneo (abaixo da pele e acima do músculo) e cai na corrente sanguínea na quantidade e velocidade adequadas.
Esse é o principal desafio das tentativas até agora de produção de uma insulina oral. "O problema desse tipo de pesquisa é que há uma grande dificuldade de ter uma proteína que possa ser absorvida pelo trato intestinal. Ainda não temos tecnologia para isso", diz Mário Saad, pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e consultor da Sociedade Brasileira de Diabetes.
O médico Balduíno Tschiedel, membro da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), também vê com cuidado a pesquisa da Unesp. "Eu acho que a ideia é interessante, mas temos que ter cuidado, porque o estudo ainda está em fase embrionária", diz. "Até hoje não conseguimos uma insulina oral porque os sucos gástricos digerem a insulina".
A professora da Unesp, por sua vez, diz que a diferença do estudo em andamento de outros já realizados é que não utiliza a molécula da insulina, que é rapidamente degrada no trato intestinal, mas uma bactéria com essa molécula, que pode resistir ao processo digestivo. "A insulina que usamos foi modificada com um sinal que possivelmente atuará facilitando a absorção da molécula pelo intestino. Alguns estudos desenvolvidos por grupos de pesquisa estrangeiros demonstram essa capacidade do sinal em aumentar a absorção da insulina", afirma.
Outra alternativa às injeções é a insulina inalável, que ficou disponível no Brasil apenas seis meses em 2007. À época, a farmacêutica Pfizer anunciou que deixaria de fabricar o produto porque não tinha sido bem aceito pelo mercado. O preço e o desconforto de pacientes com problemas respiratórios foram algumas das reclamações.
"O pulmão é um órgão complexo e acredito que esse tipo de alternativa teria que ser melhor avaliada para descartar a possibilidade de neoplasia (tumor), já que a insulina é um hormônio de crescimento", diz Tschiedel.
Em 2017, os fabricantes de outra marca, a insulina inalável Afrezza, entraram com pedido na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para que o produto seja comercializado no Brasil. Sua ação já foi aprovada pela agência correspondente nos Estados Unidos.
Outras frentes de pesquisa
Assim como as formas de controle da doença, como novas drogas e meios de administrar a insulina, cientistas de várias partes do mundo encaram o desafio de encontrar uma cura para o diabetes tipo 1.
Neste grupo, destacam-se os pesquisadores do Boston Children's Hospital, nos Estados Unidos, que conseguiram resultados interessantes em cobaias. De acordo com estudo publicado na revista Science Translational Medicine, eles usaram células-tronco do sangue de ratos foram manipuladas para produzir um tipo de proteína ausente em pessoas com diabetes tipo 1.
O resultado é que quase todos os animais foram curados da doença a curto prazo. O próximo passo, no entanto, é verificar se a técnica funciona também em humanos. Tais testes ainda não têm data para acontecer, já que ainda preciso a aprovação pelos órgãos responsáveis nos Estados Unidos.
Outra pesquisa, publicada na revista Nature por um grupo de pesquisadores do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) em 2016, conseguiu burlar os "ataques" do sistema imunológico às células que produzem insulina. O diabetes tipo 1 é uma doença autoimune, então os cientistas conseguiram uma forma de "esconder" essas células, encapsulando-as em um gel especial e permitindo que elas continuassem secretando insulina. O estudo também foi feito em ratos e ainda não foi testado em seres humanos.
Epidemia de diabetes
No caso do diabetes tipo 2, causada pelos maus hábitos alimentares e sedentarismo, o principal foco é a prevenção e o controle da doença, que avança rapidamente pelo mundo. Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes, 90% dos pacientes no país tem o tipo 2 da doença. Nos últimos dez anos, o número de pessoas com esse diagnóstico cresceu 61,8%, passando de 5,5% da população em 2006 para 8,9% em 2016, segundo dados do Ministério da Saúde.
Os números são alarmantes, mas, segundo um estudo publicado recentemente na revista científica Lancet, o diabetes tipo 2 pode ser controlado apenas com a perda de peso e a adoção de estilo de vida saudável, sem a necessidade de medicamentos.
A pesquisa foi realizada com 298 adultos entre 20 e 65 anos diagnosticados com diabetes tipo 2 na rede básica de saúde na Escócia e Inglaterra. Os resultados mostram que a remissão da diabetes estava intimamente ligada ao grau de perda de peso.
"Hoje sabemos que a perda de 5% a 10% do peso corporal é suficiente para controlar muito bem o diabetes", diz o pesquisador da Unicamp.
Além da dieta, outra forma de remissão da diabetes tipo 2 é a cirurgia bariátrica, já que a doença tem forte associação com a obesidade. Em dezembro, o Conselho Federal de Medicina autorizou a ampliação desse tipo de cirurgia, até então indicada para pacientes com mais IMC (índice de massa corporal) acima de 35. Desde então, a intervenção passou a ser recomendada também pacientes com diabetes tipo 2 e obesidade leve, com IMC de 30 a 34,9.
"Hoje em dia temos à disposição drogas de plena confiança, a possibilidade de cirurgia bariátrica, mas a maior recomendação continua sendo atividade física regular e alimentação correta. Isso é o mais importante para postergar o diabetes", afirma o médico da SBEM.
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