Sem nome no hospital: a busca pela família de pacientes não identificados
Aos 25 anos, ele sofreu um acidente de trânsito. Inconsciente e sem qualquer documento, foi levado à Santa Casa de São Paulo. O caso era grave, mas no hospital ninguém sabia nada sobre aquele jovem, nem mesmo o nome. Ao longo de quase seis meses internado na unidade intensiva, o paciente que respirava por aparelhos era apenas identificado por um número.
Seu retrato foi espalhado nos mais diversos programas de pessoas desaparecidas com a esperança de encontrar alguém da família ou um conhecido. Mas nada. Sua digital já tinha sido submetida a uma busca no banco de dados da Polícia Civil, sem registro. Não havia nenhum vestígio sobre a sua identidade. Até que, finalmente, o jovem começou a reagir aos tratamentos. E, com a ajuda das sessões de fonoaudiologia, conseguiu pronunciar seu primeiro nome e parte do sobrenome.
Essa era a pista que faltava. Com a informação, foi possível localizar uma irmã biológica, que, ainda que adotada por outra família, conseguiu fazer a ponte com o pai. Ele morava em um outro Estado e estava acostumado a ficar longos períodos sem notícias do filho. A solução desse caso não só permitiu a alta do jovem, mas também a reaproximação dessa família.
Casos como o desse paciente --que por questões de sigilo médico não teve o nome divulgado-- são mais comuns do que se pensa. Ao menos 50 pacientes sem identificação dão entrada mensalmente na Santa Casa de São Paulo. Em 2017, foram 519 pacientes do sexo masculino e 155 do sexo feminino com idades que variam de 14 a 65 anos. A maioria deles chega ao pronto-socorro inconsciente por causa de acidentes ou por mal súbito.
E a busca pela identidade dessas pessoas é colocada nas mãos de uma profissional que muitos nem imaginam fazer parte da equipe hospitalar: a assistente social. "Devolver a identidade a uma pessoa é um direito fundamental, bem como a garantia de um atendimento humanizado. Todos merecem ser chamados pelo nome --independentemente da raça, da classe social e das condições psicológicas ou físicas", explica Renata Pita, 37, assistente social chefe da Santa Casa de São Paulo.
Eu, você... todos estamos sujeitos a viver ou ver alguém próximo viver algo parecido. Por isso, é sempre importante sair de casa com um documento. Ninguém sabe o que pode acontecer."
Como é feita a busca da identidade?
Esse trabalho da assistente social, segundo Renata, começa no momento do registro de entrada do paciente sem identificação. "É como procurar algo no escuro", afirma a profissional, que diz ser importante ficar atento a todos os detalhes –até mesmo aqueles que parecem ser banal. "O primeiro passo é tirar uma foto do paciente e traçar o perfil dele, com a descrição do tom de pele, da cor de cabelo, da altura, do peso, idade aproximada, bem como das suas características peculiares. Ou seja, se tem tatuagem, tem cicatriz, usa brinco."
Qualquer evidência pode ser uma pista. "Se o paciente está com um uniforme do trabalho, se ele porta algum cartão, algum bilhete... tudo é essencial para o sucesso das buscas", alerta Renata. Com as informações preliminares em mãos, é hora de acionar os mais variados programas de pessoas desaparecidas. "Pode ter uma mãe, um pai ou alguém em busca desse paciente", relata a assistente social, que atua na área há 15 anos.
A coleta das digitais --que é confrontada com o banco de dados da Polícia Civil-- também é um caminho bastante eficiente no processo de identificação dos pacientes, segundo Renata. "O trabalho não para até que a identificação seja concluída." Portanto, se os programas de pessoas desaparecidas e as digitais não tiverem sucesso, as esperanças são focadas nas visitas rotineiras aos pacientes, que a medida que vão se recuperando podem oferecer novas pistas sobre a sua identidade. "A gente está sempre buscando um próximo passo."
Na Santa Casa de São Paulo, ao menos 30% desses pacientes acabam recebendo alta com documento. "Entre os demais 70% estão aqueles que saem sabendo do nome, mas sem portar o documento, e aqueles que chegam a óbito antes da identificação", aponta Renata, que define o trabalho de identificação como uma "corrida contra o tempo", já que a morte --que pode acontecer a qualquer momento-- encerra os processos de busca.
"Nossa meta é conseguir devolver a identidade, mesmo que parcialmente, a esses pacientes em até 72 horas da admissão. Mas tem casos que acabam demorando um pouco mais de tempo", afirma ela, que se recorda do caso de um jovem de 14 anos, que deu entrada na instituição após um mal súbito provocado pelo uso de substâncias químicas.
Por um simples detalhe, a identidade desse jovem acabou superando o tempo estimado. "Ele era um rapaz de 14 anos com 1,90 metro. Essa característica acabou nos levando a elevar a estimativa de idade dele. Mas, em uma das visitas rotineiras, percebemos que ele não podia ter 19 anos, já que nem a pelugem de barba ele tinha. Abaixamos imediatamente essa expectativa, que nos levou em uma semana a encontrar os pais desse jovem", conta Renata. Mas, apesar do reencontro, esse adolescente acabou morrendo pouco tempo depois.
Presenciar desfechos como esse traz uma angústia grande. Mas não superam a gratificação do protagonismo que exercemos no reencontro de pessoas."
O trabalho da assistente social não acaba com a identificação do paciente. Como explica Cresonilse da Silva Soares, 50, assistente social do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), o profissional também é responsável por direcionar a paciente pós-alta.
"Não é raro encontrarmos a família desses pacientes, mas ela se negar a ajudá-los. Portanto, nosso papel, é direcioná-lo para abrigos --quando eles não têm moradia--, para hospitais psiquiátricos --diante recomendação médica--, e até mesmo mostrar o caminho das pedras para que eles consigam os documentos de identidade", afirma Cresonilse, que atua na área há 24 anos.
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