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Unicamp testa avaliação de pacientes urgentes via Whatsapp

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

14/09/2018 04h00

Na medicina, o tempo pode ser um fator determinante entre a vida e a morte de um paciente, principalmente em casos de traumas e acidentes neurológicos. Visando otimizar os atendimentos, um estudo da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade de Campinas) está analisando a eficácia em realizar triagens pelo celular. A ideia é que um médico especialista avalie com mais rapidez e menor custo o quadro de saúde do paciente e possa determinar sua prioridade do atendimento.

Ao sofrer de algum acidente ou trauma neurológico, o paciente precisa passar por uma triagem pessoalmente com neurologista, que avalia as lesões e aponta a necessidade ou não de tratamento ou cirurgia. O problema, segundo o neurocirurgião Luiz Adriano Esteves, é que nem todos os locais de emergência dispõem de um especialista, obrigando o paciente a ser transportado a centros especializados para a realização da triagem.

"Neste caso, ocorrem duas situações: ou o paciente é transportado sem necessidade, então ele pode até ir de uma cidade para outra, faz a avaliação e volta, sem mudança de conduta por parte do médico; ou ele demora para ir, atrasando de seis a oito horas para começar o tratamento", explica Esteves em entrevista ao UOL.

Pensando em agilizar esses atendimentos para evitar desperdício de tempo e recursos, o médico estudou em sua tese de doutorado a viabilidade de realizar essa triagem a distância, por meio do celular.

"Em um caso de urgência na neurocirurgia, a indicação para realizar o procedimento está muito associada ao exame de imagem. Se a decisão vai ser baseada na imagem, ela não precisa ser presencial, eu consigo decidir de longe", explica. "Uma coisa é o paciente vir para cá para eu avaliar, outra coisa é eu já ter visto o quadro e chamá-lo para operar. Durante o seu deslocamento eu já consigo preparar a estrutura para operá-lo assim que ele chegar".

Análise com casos já resolvidos teve sucesso

Para garantir que este método é seguro e não traz riscos aos pacientes, o médico utilizou casos que já estavam finalizados. Ele obteve os dados de prontuário de 232 pacientes atendidos por três hospitais de São Paulo: Hospital da Força Aérea de São Paulo, Hospital e Maternidade Galileo e Hospital Estadual de Franco da Rocha. Esses dados, que incluíam informações básicas e a tomografia computadorizada, foram enviados para cinco neurocirurgiões via WhatsApp.

Informações básicas e imagem a Tomografia Computadorizada enviadas aos cinco médicos avaliadores via WhatsApp - Luiz Adriano Esteves/Reprodução - Luiz Adriano Esteves/Reprodução
Informações básicas e imagem a Tomografia Computadorizada enviadas aos cinco médicos avaliadores via WhatsApp
Imagem: Luiz Adriano Esteves/Reprodução

Após a avaliação, os cinco médicos responderam em um formulário do Google quais eram seus pareceres sobre a tomografia, qual o diagnóstico e qual deveria ser a conduta: alta, internação ou cirurgia imediata. As respostas foram comparadas com os procedimentos reais realizados nos hospitais.

Nos casos reais, 78 pacientes necessitaram de deslocamento para serviços de referência, 105 receberam alta, 101 seguiram internados e 26 passaram por cirurgia. Os médicos que avaliaram os casos posteriormente via celular tiveram um acerto de 95%. Nos casos em que foi necessária uma intervenção cirúrgica, o acerto foi de 100%.

"Nessa fase conseguimos provar que funciona e é seguro, pois todos os pacientes que precisaram ser operados receberam a mesma indicação dos meus avaliadores, assim como todos que não precisavam ser avaliados foram dispensados nas duas situações".

Redução de tempo e custo

O tempo pode ser um fator determinante nas urgências neurológicas, tanto para a vida do paciente quanto para evitar sequelas. Em quadros de traumatismo craniano, o tratamento precoce reduz a mortalidade de 50% para 36%, segundo o Traumatic Coma Data Bank.

Nos três hospitais estudados, menos de 16% dos pacientes receberam tratamento médico em até duas horas. Dentre os pacientes submetidos a cirurgia, apenas 7,7% deles foram em menos de três horas. Segundo o estudo, "a triagem por smartphone poderia ter impactado esses números. Em primeiro lugar, teria priorizado a transferência desses pacientes ou poderia ter orientado a realização de trombólise [em caso de pacientes com suspeita de AVC] no serviço de origem. Em segundo lugar, teria otimizado o tempo de atendimento no serviço de referência".

O transporte de pacientes não demanda apenas custos financeiros, mas também podem ser arriscados para a saúde do transportado. Por isso, Esteves argumenta que se deve evitar deslocamentos desnecessários. "Colocar um paciente na ambulância de madrugada para levar de uma cidade para outra é perigoso tanto para o paciente quanto para a equipe do transporte", diz.

Ele então calculou quantos deslocamentos de ambulâncias poderiam ter sido evitados. Nos casos estudados, um terço foi deslocado a outros municípios para avaliação. Desses, apenas 18% passaram por cirurgia, e a maior porcentagem recebeu alta hospitalar ou seguiu internada. Foram aproximadamente 4.000 km rodados em 48 horas, num custo estimado em US$ 40 mil (cerca de R$ 182 mil).

Segundo o estudo, dos 20 pacientes que tiveram alta hospitalar após a avaliação, dezoito tiveram essa mesma indicação pela avaliação a distância, representando uma economia de cerca de 1.384 km e 19h30 de transporte em ambulância UTI.

Testes agora serão feitos com casos reais

Com a segurança do método comprovada, o próximo passo é testá-lo em tempo real, com casos ainda em andamento. Em dois serviços de saúde, o pesquisador pretende utilizar a triagem por celular em dias alternados. "No dia par, eu não mudo em nada a minha conduta. No dia ímpar, em vez de mandar o paciente para avaliação, eu vou entrar em contato e mandar as informações. Então eles vão me dar a conduta que devo ter. Depois eu vou comparar os dois grupos e ver se na prática terei o mesmo resultado".

Além disso, o pesquisador também pretende desenvolver um aplicativo específico para o serviço. Embora a pesquisa tenha sido feita via WhatsApp -já que o aplicativo é gratuito e criptografado, assegurando o sigilo médico-, Esteves destaca a necessidade de uma plataforma mais segura e profissional.

O último desafio será vencer a legislação brasileira com relação ao atendimento à distância. No Brasil, toda avaliação médica deve ser feita presencialmente. "A nossa legislação é muito antiga e engessada. Por lei, eu não posso dar uma orientação telefônica. No exterior já temos muita coisa sendo feita a distância, enquanto nós temos muitos problemas com relação a isso", conclui.