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Brasileira recém-formada assume vagas deixadas por cubanos em posto de SP

Atendimento na UBS Santa Tereza, em Jandira, região metropolitana de SP - Edson Lopes Jr./UOL
Atendimento na UBS Santa Tereza, em Jandira, região metropolitana de SP Imagem: Edson Lopes Jr./UOL

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

27/11/2018 04h01

Com o jaleco pendurado na cadeira e os pertences ajeitados numa pequena sala, a médica Larissa Corvelloni conversa com a reportagem em seu primeiro dia na Unidade Básica de Saúde de Santa Tereza, em Jandira, na Grande São Paulo, na última segunda (26). A cidade contava com 34 médicos cubanos, e quatro deles trabalhavam nesta unidade de saúde. "Ainda estou me adaptando", conta ela, enquanto organiza papéis e pastas numa mesa amarelada pelo tempo.

Ela levanta um questionamento à reportagem. "Acho que o Mais Médicos trouxe um debate muito importante. Antes a medicina da família era deixada em segundo plano nas universidades brasileiras, e hoje esse debate é muito mais forte", conta ao UOL. "Mas a medicina familiar ainda engatinha no Brasil."

A região foi uma das mais afetadas pela decisão do governo cubano de não fazer parte do programa federal Mais Médicos. Somando Itapevi, Osasco, Cotia, Embu das Artes, Carapicuíba e Jandira - principais cidades da região oeste da Grande São Paulo - foram 144 médicos cubanos que deixaram de atender a população, segundo levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM).

Com 26 anos e recém-formada (recebeu seu diploma em novembro), a médica explicitou que muitas universidades anteciparam suas colações de grau para que os alunos pudessem participar da seleção do Mais Médicos. Os conselhos de medicina, como o Cremesp, também se propuseram a agilizar os registros profissionais para que novos profissionais entrassem no programa.

Os médicos que se inscreveram no último edital do programa têm até 14 de dezembro para assumir seus postos, mas Corvelloni percebeu a necessidade dos moradores em Jandira e chegou ao posto menos de uma semana depois de se inscrever. "A gente vê pelas reportagens, pela mídia, que a situação estava ruim durante essas duas semanas. As pessoas estavam desassistidas."

Os que mais sofreram as consequências, no entanto, não se deslocam para os postos de saúde. O programa Estratégia de Saúde da Família (ESF), administrado pelo município em parceria com o Ministério da Saúde, era totalmente preenchido por médicos cubanos. Segundo a administração da UBS, as pessoas que recebiam os médicos em casa - pacientes que estão em cadeiras de rodas ou em situações graves - estão até agora sem atendimento.

Não só a ausência de médicos, mas a estrutura das unidades de saúde de Jandira também é um entrave para os pacientes. Tapumes cobrem boa parte da unidade trazendo um aspecto de abandono. As paredes, com sinais de desgaste, carecem de pintura. Remédios nem sempre estão disponíveis. Quando o UOL esteve na unidade, apenas um pediatra, além de Corvelloni, atendia quem passava por lá.

A auxiliar de limpeza Sheyla Jesus da Silva, de 31 anos, foi uma das que sofreu com a falta de médicos na UBS de Santa Tereza - Edson Lopes Jr./UOL - Edson Lopes Jr./UOL
A auxiliar de limpeza Sheyla Jesus da Silva, de 31 anos, foi uma das que sofreu com a falta de médicos na UBS de Santa Tereza
Imagem: Edson Lopes Jr./UOL

A situação das unidades de saúde de Jandira levou a uma debandada de pacientes que trocaram os hospitais da cidade pelo Hospital Municipal de Barueri, a pouco mais de dez quilômetros da cidade. O tema entrou na pauta do prefeito Rubens Furlan (PSDB), que, em suas redes sociais, atacou os outros mandatários da região. "Se vocês não investirem em saúde, eu vou ter que fechar as portas para os seus munícipes", disse Furlan.

"Vou ser sincera com você, está tudo péssimo", diz a auxiliar de limpeza Sheyla Jesus da Silva, em suas primeiras palavras à reportagem, enquanto aguardava atendimento. "Estou tendo um ataque de rinite e há alguns dias venho aqui e ninguém me atende. Faz duas semanas que está assim, desde que o governo tirou os médicos daqui", critica. Minutos antes de ser atendida, questionou: "Se o governo queria tirar, tinha que pensar em como repor".

Questionada sobre a comparação entre os profissionais cubanos e brasileiros, Corvelloni diz acreditar que não existem muitas diferenças. "Como no Brasil, existem médicos bons e ruins em Cuba. Mas o que eles têm de diferencial é a questão da família, eles têm uma visão diferenciada", argumenta a médica.

Em Jandira, a unidade de Santa Tereza não é a única que sente os reflexos da saída dos médicos cubanos. No posto de saúde da Vila Eunice, na periferia da cidade, dois nutricionistas e um clínico geral faziam o atendimento da população. Segundo a gerente da unidade, Odília Pedroso, a situação está normal e "não tem nenhum problema".

Moradores, no entanto, não concordam. Roseli Maria Rosa, porteira de 53 anos, contou ao UOL que desde a última quarta-feira (21) não há médicos atendendo no posto. "Não fui só eu, não, outras pessoas também me falaram isso. E está todo mundo indo para Barueri, já vi que vou ter que ir para lá também", diz Rosa.

Roseli Maria Rosa, porteira de 53 anos, contou ao UOL que desde a última quarta-feira (21) não há médicos atendendo no posto de saúde da Vila Eunice, periferia de Jandira - Edson Lopes Jr./UOL - Edson Lopes Jr./UOL
Roseli Maria Rosa, porteira de 53 anos, contou ao UOL que desde a última quarta-feira (21) não há médicos atendendo no posto de saúde da Vila Eunice, periferia de Jandira
Imagem: Edson Lopes Jr./UOL

O que diz o ministério

O Ministério da Saúde, em balanço divulgado no fim da tarde de segunda (26), informou que 30.734 médicos com registro (CRM) no Brasil haviam se inscrito para atuar no Mais Médicos. Destes, 8.278 profissionais (o que corresponde a 97,2% das vagas) já estão alocados no município para atuação imediata e 224 se apresentaram nas respectivas unidades de saúde.

Ainda de acordo com o ministério, 224 médicos já estão trabalhando nas unidades básicas de saúde. Levantamento feito pelo UOL mostra que os estados de São Paulo e Minas Gerais, com 42 médicos cada um, foram os que mais receberam médicos. 

Em Jandira, além da médica Larissa Corvelloni, a Unidade Saúde Integrada (USI) de Jardim Gabriela também recebeu um novo profissional. Questionada sobre previsões de quando os médicos do programa assumirão seus postos, a prefeitura de Jandira não respondeu até a publicação da reportagem.