Peso do SUS cai, e saúde privada tem fatia maior do que em países ricos
No ano em que o SUS (Sistema Único de Saúde) completa 30 anos, uma pesquisa a que o UOL teve acesso indica que os gastos públicos vêm perdendo peso frente às despesas privadas em saúde, na contramão do que ocorre em países desenvolvidos. Uma diferença que tende a se agravar nos próximos anos com o congelamento dos gastos do governo por 20 anos.
Os números, ainda inéditos, integram o estudo "O Setor de Saúde na Perspectiva Macroeconômica - Período 2010/2015", realizado pelo IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar) com dados da pesquisa "Conta-Satélite de Saúde Brasil", publicada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Dos R$ 546,1 bilhões gastos em 2015 em saúde, R$ 314,6 bilhões saíram da iniciativa privada, o equivalente a 57,6% das despesas. Em 2010, esse percentual era de 54,8%. Entre 2010 e 2015, os gastos com saúde aumentaram, mas em maior proporção no setor privado: 85% frente a 65,7%.
O peso da saúde pública no Brasil também é inferior ao de outros países com sistemas universais - tanto ricos, quanto aquele com níveis de desenvolvimento parecido com o brasileiro:
Saúde pública em comparação com gastos totais em saúde:
- França: 79%
- Itália: 75%
- Canadá: 74%
- Argentina: 72%
- Espanha: 71%
- Chile: 71%
- Brasil: 42,4%
"Apesar de o modelo de saúde pública no Brasil ser universal, os gastos do governo são inferiores aos privados. Um padrão que não é visto nos demais países que adotam modelos universais de saúde", analisa o superintendente executivo do IESS, Luiz Augusto Carneiro.
"A Inglaterra é um dos grandes inspiradores do SUS", diz o pesquisador da Fiocruz, médico sanitarista e ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão. Por lá, 80% do gasto per capita com saúde, de 3.235 dólares em 2016, são bancados pelo Estado. No Brasil, a União desembolsou 588,5 dólares dos 1.388 dólares gastos por pessoa no mesmo ano, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Por que essa diferença aumenta?
O subfinanciamento do sistema começou cedo. Quando a Constituição de 1988 criou o SUS, ficou decidido que a saúde pública seria custeada com a verba da Seguridade Social, composta pela Previdência Social, Assistência Social e Saúde Pública. "Mas os recursos não foram para o Ministério da Saúde, que precisou utilizar dinheiro do orçamento", explica o ex-ministro. "Isso inviabilizou a missão do SUS 30 anos depois."
Temporão também credita parte dos altos investimentos privados à isenção fiscal concedida aos planos de saúde por parte da União. "Esses subsídios equivaleram a 30% dos gastos federais com saúde em 2016", diz. "Para os governos, saúde é um gasto."
O pesquisador lamenta que o Brasil trate saúde como "despesa e não como desenvolvimento e inovação". Ele lembra que o setor representa 10% do PIB (Produto Interno Bruto) e cria 12 milhões de empregos diretos e indiretos. "Postos melhores do que em outros setores. Uma área que desenvolve nanotecnologia, química e microeletrônica. É por isso que a EC-95 é perversa."
Ele se refere à Emenda Constitucional 95, aprovada em 2016, que congelou os gastos públicos por 20 anos. Até lá, o orçamento da saúde só terá reposição da inflação. "A EC-95 está afetando a qualidade e quantidade do serviço prestado à população. É uma espada sobre a cabeça do brasileiro."
Temporão compara com o serviço oferecido pelos planos médios. "O tratamento de um câncer pode exigir quimioterapia, radioterapia e cirurgia. Os pacientes do SUS esperam mais, correm mais risco e têm mais dificuldade de acesso em comparação com quem tem um seguro-saúde."
O SUS não é para atender os mais pobres, mas toda a sociedade. É um patrimônio, como o sistema inglês, francês e espanhol. Mas aqui estamos criando um sistema de saúde pobre."
José Gomes Temporão, pesquisador da Fiocruz e ex-ministro da Saúde
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