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Em um mês, mortes por covid já são 39% dos óbitos por tuberculose em um ano

3.abr.2020 - Jacaré, na zona oeste do Rio, tem foco de tuberculose e preocupa especialistas em meio à pandemia - Herculano Barreto Filho/UOL
3.abr.2020 - Jacaré, na zona oeste do Rio, tem foco de tuberculose e preocupa especialistas em meio à pandemia Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

16/04/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Pandemia afeta tratamento de pessoas com tuberculose, dizem especialistas
  • Para pneumologistas, as duas doenças estão relacionadas a vulnerabilidade social
  • Comparada com a tuberculose, covid-19 é mais agressiva, dizem médicos

Em apenas um mês, o total de de mortes por coronavírus já equivale a 39% de todos os óbitos por tuberculose em um ano inteiro no Brasil. Foram confirmadas ontem (15) 204 mortes por covid-19 nas últimas 24 horas. Ao todo, são 1.736 registros até agora.

Em 2018, o Ministério da Saúde contabilizou 4.490 pacientes que morreram com tuberculose. Especialistas ouvidos pelo UOL dizem que o impacto da pandemia do coronavírus no sistema de saúde brasileiro afeta o tratamento da tuberculose, considerada a doença infecciosa mais letal do mundo —ela matou 1,5 milhão de pessoas no planeta em 2018. Pacientes com tuberculose estão no grupo de risco para a covid-19.

A escalada de mortes no país começou no dia 17 de março, com a confirmação da primeira vítima —um homem de 62 anos com histórico de diabetes e hipertensão, que estava internado em um hospital particular de São Paulo. De lá para cá, foram registradas, em média, 58 mortes a cada 24 horas.

A pneumologista Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz, diz que a pandemia já causou um impacto direto no tratamento de pacientes com tuberculose no país.

"O paciente costuma ir à unidade de saúde pelo menos uma vez por semana. Nesse momento, a recomendação é que o medicamento seja dado por um tempo maior, para evitar que ele se exponha em meio à pandemia", explica Dalcolmo.

A especialista diz acreditar que a covid-19 irá atingir pessoas em vulnerabilidade social, como ocorre com a tuberculose.

A tuberculose está muito ligada à exclusão social. É uma doença com maior prevalência nas comunidades, nos grupos menos favorecidos e em locais com saneamento básico precário. As comunidades menos favorecidas também são favoráveis à transmissão do coronavírus

Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz

É o caso, por exemplo, da favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio, onde há ao menos 50 pacientes em tratamento contra tuberculose. A comunidade, que tem o maior foco de tuberculose no país, convive com a ausência de ações efetivas do estado, como mostrou reportagem do UOL.

Apesar dos altos índices de letalidade da tuberculose, Dalcolmo traça um cenário mais agressivo da covid-19. "Alguém que está começando um quadro de tuberculose tem febre e tosse. Mas é uma doença mais crônica e menos aguda. A covid-19 tem uma progressão para a insuficiência respiratória", compara.

Tuberculose pode matar mais em meio à pandemia

Ao traçar um paralelo entre as duas doenças, o pneumologista Alexandre Pinto Cardoso diz acreditar que o combate à covid-19 ainda está em fase inicial, sem perspectivas de tratamento.

"Já existe um planejamento de saúde para a tuberculose. Todo mundo sabe como tratar. E, mesmo assim, o Brasil não acabou com a tuberculose. Isso mostra o nosso despreparo para enfrentar uma pandemia. E ainda não há um trabalho consistente para o tratamento da covid-19", avalia.

Segundo ele, as medidas adotadas para lidar com o coronavírus ainda são emergenciais, enquanto especialistas fazem testes com medicamentos.

"Hoje, a orientação é para que as pessoas fiquem em casa para que seja possível fazer um trabalho dentro de condições levemente organizadas. Há testes em andamento, mas os resultados são controversos. Está difícil encontrar uma resposta incisiva."

O pneumologista Jorge Pio, da comissão de tuberculose da Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Rio, diz que o índice de mortalidade de pessoas com tuberculose pode aumentar em meio à pandemia.

"Todas as outras doenças ficaram em segundo plano. E isso traz um impacto no serviço de saúde. Pode ser que os óbitos por tuberculose aumentem neste ano por causa desse cenário", avalia.

O especialista afirma que os sintomas semelhantes podem dificultar um diagnóstico preciso. Para ele, os índices de mortalidade relacionados à pandemia ainda devem aumentar. "O pico ainda não chegou. Por enquanto, [o índice de mortalidade] está subindo."