Jornal: Por prazo de validade, governo pode jogar fora milhões de testes
Comprados pelo Ministério da Saúde, 6,86 milhões de testes para diagnosticar o novo coronavírus perdem a validade entre dezembro deste ano e janeiro do ano que vem. Estocados em um armazém do governo federal em Guarulhos (SP), os testes do tipo RT-PCR não foram distribuídos para a rede pública e podem acabar sendo descartados. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Segundo a reportagem, o SUS (Sistema Único de Saúde) já aplicou cinco milhões de testes deste tipo — ou seja, o Brasil pode acabar jogando fora mais exames do que já realizou até o momento. Ao todo, já foram investidos R$ 764,5 milhões em testes e as unidades para vencer custaram R$ 290 milhões.
De acordo com o jornal, a responsabilidade pelo possível prejuízo virou um "jogo de empurra" entre o ministério da Saúde e estados e municípios porque a compra é feita pelo governo federal, mas a distribuição ocorre mediante demanda de governadores e prefeitos.
O RT-PCR, ao rastrear partículas do material genético do novo coronavírus, é o exame que especialistas chamam de "padrão ouro" para detectar a covid-19.
Os dados sobre o prazo de validade dos testes estão registrados em documentos internos da Saúde, com compilação de dados até a último quinta-feira (19). Relatórios acessados pela reportagem do Estadão mostram que 96% dos 7,15 milhões dos exames em estoque vencem em dezembro e janeiro. O restante, até março de 2021.
O ministério já pediu ao fabricante análise para prorrogar a validade dos produtos. A falta de outros componentes para realizar testes, um dos problemas que travam a distribuição, porém, deve continuar.
A Saúde informou à reportagem que só entrega testes quando os estados pedem e ressaltou que as 8 milhões de unidades que já foram repassadas não foram totalmente consumidas.
Secretários estaduais e municipais de Saúde, por sua vez, disseram que não usaram todos os testes, porque receberam kits incompletos para o diagnóstico. Eles também veem dificuldade para processar amostras, o que prejudica o repasse dos produtos, pois as prefeituras, principalmente, não têm como armazenar grandes quantidades.
O ministério lançou duas vezes o programa Diagnosticar para Cuidar, que previa 24,2 milhões de exames no SUS até dezembro, mas só 20% foram feitos. A pasta prometeu também insumos para entregar kits completos, mas os negócios foram travados por suspeita de irregularidades e estão sob análise do TCU (Tribunal de Contas da União).
Estados e cidades
Segundo o jornal, o Conasems (Conselho Nacional de Secretarias municipais de Saúde) e o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) afirmam que o ministério o não entregou todos os kits de testes e máquinas para automatizar a análise das amostras que foram prometidos.
"O contrato que permitia o fornecimento de insumos e equipamentos necessários para automatizar e agilizar a primeira fase do processamento das amostras foi cancelado pelo Ministério da Saúde", destacou o Conass. "Há o compromisso da pasta de manter o abastecimento durante o período de 3 meses, contados a partir do cancelamento. É fundamental, porém, que uma nova contratação seja feita e a distribuição dos insumos seja retomada em tempo hábil", acrescentou.
"O que causa estranheza é esse estoque parado enquanto temos dificuldade de levar a coleta para a atenção básica", disse o assessor técnico do Conasems, Alessandro Chagas.
Distribuição
De acordo com o Estadão, os testes RT-PCR foram distribuídos pelo governo federal sob critérios pouco objetivos. O Paraná foi o terceiro estado que mais recebeu os produtos. A Bahia aparece em sexto lugar, mesmo tendo população superior e com registro de mais casos e mortes pela covid-19.
O Brasil também enviou 130 mil exames ao Paraguai e ao Peru, número praticamente igual ao entregue ao Amazonas, estado muito atingido pela covid-19 no início da pandemia. Outros oito estados receberam menos testes do ministério do que os países vizinhos.
O desequilíbrio também foi constatado na entrega de reagentes de extração do RNA — dos três, 20% foram enviados a Minas Gerais. Já o Amazonas recebeu menos de 1% do total. Sem dar detalhes, o ministério afirma que entrega todos os insumos conforme demanda e capacidade de armazenamento dos estados.
Outro lado
Procurada pelo Estadão, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não detalhou sobre como a validade do produto pode ser renovada, mas explicou que a entrega de testes vencidos é uma infração sanitária.
O Ministério da Saúde disse que a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) está realizando estudo "para verificar a estabilidade de utilização dos testes" — os testes foram comprados pelo governo por meio da organização. O resultado da análise deve sair na próxima semana, informou a pasta.
Questionado sobre o que fará para entregar os testes antes de vencer a validade, o ministério declarou que distribui os exames a partir de demandas dos estados.
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