Calor em alta faz dengue avançar para outros países e vira ameaça global
As mudanças climáticas têm colaborado para que a dengue se torne uma ameaça global, segundo a OMS. As variações do clima fazem com que a doença avance de áreas tropicais para locais onde historicamente não circulava, como a Europa.
O que aconteceu
Em 2023, foram detectados surtos da doença em todos os continentes, exceto na Antártida. O mundo registrou mais de 5 milhões de casos e 5 mil mortes em todo o mundo. Segundo a OMS, 4 bilhões de pessoas estão em risco de infecção pela doença.
O aumento de casos notificados ocorre porque os mosquitos infectados prosperam agora em novos locais devido ao aquecimento global. "Temperaturas mais altas e aumento da umidade e das chuvas são condições que beneficiam o desenvolvimento do transmissor da dengue, zika e chikungunya", disse ao UOL Diana Rojas, líder da equipe da OMS sobre arboviroses (doenças causadas por vírus transmitidos, principalmente, por mosquitos).
Ela também cita a urbanização não planejada, o crescimento populacional e o processo de globalização como fatores para o aumento da incidência da doença. "A erradicação neste momento não é possível devido a esses complexos fatores. Contudo, o controle da dengue é possível com compromisso político e uma abordagem multissetorial."
Casos locais da doença disparam na Europa
Casos autóctones (adquiridos localmente) cresceram 966% de 2010 para 2023 na Europa. Em 2010, 12 infecções foram registradas, segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controle das Doenças. Em 2023, foram 128, em três países: Itália (82), França (43) e Espanha (3). Uma morte de um caso importado — relacionado com viagens ao exterior — foi notificada na Itália.
"Primo" do Aedes aegypti, o Aedes albopictus, conhecido como mosquito-tigre, é o principal vetor do vírus da dengue na Europa. Em 2023, a espécie, resistente ao frio, foi identificada em 13 países da região — eram 8 em 2013.
Globalização e tropicalização do clima da Itália aumentam as infecções de arboviroses, diz infectologista italiano. Massimo Andreoni, diretor científico da Sociedade de Doenças Infecciosas e Tropicais do país, afirmou à Ansa (agência de notícias italiana) que o problema de a dengue ter se tornado "autóctone é bastante relevante, porque é potencialmente letal, principalmente em casos de reinfecção".
Doença é risco para saúde na França, afirma especialista. Sede da Olimpíada de 2024, Paris e cidades próximas, como Colombes, realizaram pela primeira vez uma operação com uso de fumacê no ano passado. Fabrice Chandre, entomologista do IRD (Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento) do país, disse ao UOL que o inseto está presente em três quartos do território do país (71 dos 96 chamados "departamentos").
Como está a situação no Brasil
País bateu recorde de mortes por dengue no ano passado: foram 1.094, segundo o Ministério da Saúde. Em relação aos casos da doença, houve 1,6 milhão de registros — aumento de 16,8% em relação a 2022.
Minas Gerais decretou ontem situação de emergência por 180 dia em razão do aumento. O Distrito Federal e o Acre também estão em alerta.
A dengue tem quatro sorotipos (DEN 1, 2, 3 e 4) e todos circulam no Brasil. Quando alguém é infectado por um deles adquire imunidade, mas ainda fica suscetível aos demais. Ou seja, cada pessoa pode pegar dengue quatro vezes.
Número de casos pode chegar a 5 milhões em 2024, conforme estimativas do governo. A projeção do aumento de casos se deve a uma combinação de fatores, em especial calor e chuva intensos, e ao ressurgimento recente dos sorotipos 3 e 4 do vírus no Brasil.
Vacinação começa a partir de fevereiro com crianças e adolescentes. A imunização será feita com duas doses em 521 municípios de regiões endêmicas do país. Como o laboratório tem uma produção limitada de doses, foi preciso definir prioridades. Veja a lista.
Vacina é só mais uma ferramenta que pode ajudar o Brasil a controlar doença, diz líder da OMS. "Diferentemente da covid-19, que tem transmissão de pessoa para pessoa, a dengue é transmitida por mosquitos, portanto, será necessário continuar com a vigilância ambiental, o controle de vetores, imunizando a população para proteger aqueles que não serão abrangidos pela vacina e também evitando surtos de outras doenças transmitidas por mosquitos, como a chikungunya e o vírus zika."
O que dizem os especialistas
Nas zonas tropicais e subtropicais, as alterações climáticas tiveram impacto nas estações, tornando-as secas ou chuvosas, mais quentes e mais longas, e as temporadas de transmissão da dengue começando mais cedo e durando mais tempo. Em países com montanhas e clima temperado, o aumento das temperaturas ajudou o mosquito a subir cada vez mais em altitude, expondo novas populações anteriormente livres de dengue e aumentando a probabilidade de surtos.
Diana Rojas, líder da equipe da OMS sobre arbovírus
A globalização das viagens e a tropicalização do clima da Itália estão aumentando as infecções, que antes estavam limitadas a outras partes do mundo. Os casos são subestimados em relação aos reais.
Massimo Andreoni, diretor científico da Sociedade de Doenças Infecciosas e Tropicais da Itália
Existe um risco à saúde para a França com a dengue e número de infecções locais aumentará ao longo dos anos. Com um máximo de cerca de 60 casos para a França metropolitana em 2022 [porém], o risco é limitado em comparação com países em áreas subtropicais.
Fabrice Chandre, entomologista do IRD (Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento) da França