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Anvisa tenta retomar vigilância de remédio controlado após 2 anos de apagão

Sistema da Anvisa com dados de remédios controlados está fora do ar desde dezembro de 2021 Imagem: Pixabay

Do UOL, em São Paulo

06/06/2024 04h00

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) implementou agora em junho duas novas medidas para monitorar o uso de remédios controlados e antibióticos. Desde dezembro de 2021, o Brasil vive um apagão na vigilância. Há risco de consumo abusivo e desvio para uso ilícito.

O que aconteceu

Em 1º de junho, a Anvisa iniciou testes para voltar a receber informações sobre a venda de remédios controlados e antibióticos pelas farmácias. Os testes vão durar dois meses e contemplam apenas São Paulo e Distrito Federal — cerca de um terço das farmácias do país. Por enquanto, os estabelecimentos aderem se quiserem. Se os dados estiverem errados, não há punição.

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A Anvisa recebia essas informações desde 2014, mas fez uma suspensão "temporária" no sistema em 2021, alegando "instabilidade". Nome do remédio, dados do prescritor e do paciente, data e local da compra eram enviados pelas farmácias privadas para o SNGPC (Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados). O conjunto dos dados permitia analisar como era o consumo desses remédios em cada cidade do Brasil, além possibilitar fiscalização de indícios de ilegalidades.

A suspensão se tornou permanente e gerou um apagão, prejudicando o controle desses remédios, como mostrou o UOL em dezembro. Nunca antes o sistema tinha sido suspenso. A causa da interrupção e justificativa para a demora para resolver o problema não foram detalhadas pela Anvisa.

A Anvisa não informou qual a previsão para encerrar os testes e retomar, de forma definitiva, a vigilância dos dados. Nesse momento, o Brasil segue sem as informações. São dois anos e meio de apagão.

Já em 3 de junho, a Anvisa publicou uma norma que cria um sistema de rastreamento de receitas de remédios sujeitos a controle especial. É o Sistema Nacional de Controle de Receituário.

Hoje, essas receitas são feitas somente em papel, em talões amarelos, azuis ou brancos. Eles têm numerações geradas de forma independente pelas vigilâncias municipais. Para saber se o documento é autêntico, é preciso verificar diretamente com o órgão responsável — o Brasil tem 5.570 municípios. A dificuldade na validação abre terreno para a falsificação dos talões.

A nova regra prevê que os novos talões tenham uma numeração de controle concedida pela Anvisa. A adoção será gradual. A partir de julho, os médicos já podem começar a receber talões de receituário com as numerações de controle da Anvisa. Já a partir de janeiro de 2025, todos os novos talões devem estar de acordo com a nova regra.

Dessa forma, será mais fácil verificar se o documento é verdadeiro. Em vez de entrar em contato com os municípios, bastará consultar o sistema da Anvisa. Os talões de receituário especial emitidos sob as regras anteriores, sem a numeração nacional, ainda poderão ser usados até julho de 2026. Assim, o sistema só deve estar 100% em funcionamento daqui a dois anos.

A princípio, só a vigilância sanitária poderá conferir a autenticidade da numeração. Conselhos de farmácia pretendem pleitear que farmacêuticos também possam fazer essa conferência. As vigilâncias sanitárias municipais não costumam funcionar aos fins de semana, por exemplo. Uma receita fraudulenta levada a uma farmácia em um sábado poderia continuar furando o controle, mesmo com a numeração nacional.

As receitas de controle especial vão continuar a ser feitas apenas em talões de papel. Mas a unificação das numerações pela Anvisa é considerada como a primeira etapa rumo às prescrições eletrônicas desses produtos. Ainda não há previsão para isso ocorrer.

[O problema que gerou a suspensão do SNGPC] não foi tão simples, tanto que demorou mais de dois anos para consertar. [A retomada] ainda é em caráter de teste. Através desses dados, a vigilância pode tomar ações sanitárias. Por exemplo, pode identificar o consumo exagerado de um medicamento em um determinado estado.
Adriano Falvo, diretor secretário-geral do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo

Recebemos com muita expectativa o anúncio de retorno do SNGPC, ainda que em fase de testes. Ao que parece, também há algumas mudanças importantes [no sistema], como a obrigatoriedade do preenchimento correto do tipo do medicamento.
Tatiana Ferreira, doutora em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz

Riscos do apagão na vigilância

Remédios de uso controlado podem causar dependência ou resistência. Nos Estados Unidos, o consumo indiscriminado de opioides provocou 80 mil mortes por overdose em 2021. Já a resistência a antibióticos é considerada um dos principais riscos à saúde pública global.

Também há risco de venda no mercado paralelo, sem prescrição, e desvio para produção de drogas ilícitas. O monitoramento dos dados é considerado essencial para prevenir e identificar essas situações.

Como o Brasil está há dois anos e meio sem dados, os controles atuais são extremamente arcaicos. Dependem de visitas presenciais e de conferência de documentos em papel e no computador.

A única opção é ir de farmácia em farmácia (são mais de 90 mil no país) e pedir para ver os dados. Embora o SNGPC esteja fora do ar, a Anvisa ainda exige que as farmácias mantenham os dados no local por dois anos — ou seja, parte das informações já pode ter se perdido para sempre, já que a suspensão do sistema já dura mais tempo.

A fiscalização presencial de uma farmácia por vez impede de identificar uma fraude que envolva várias lojas. Por exemplo, uma pessoa que faça compras em diversos estabelecimentos do país, em uma quantidade muito acima do recomendado para o tratamento individual. Ou receitas em massa feitas no nome de um mesmo médico.

No caso dos receituários especiais, a ausência de um mecanismo de autenticação abre espaço para a produção de talões falsos. Hoje, as farmácias têm dificuldade de verificar se um documento é ou não autêntico.

As novas medidas da Anvisa se somam à decisão, de maio, de aumentar o controle sobre o zolpidem, usado no tratamento de insônia. A ação foi tomada após um aumento de relatos de uso abusivo do medicamento.

Os novos controles ajudam na vigilância, mas representam uma redução de ambição da agência. Objetivo inicial era criar um sistema para acompanhar o remédio da fábrica até o paciente. É como se cada caixa de medicamento tivesse um código que permitisse rastrear todo seu trajeto. Ideia estava prevista em uma lei de 2009. Implementação foi postergada para 2022 e depois caiu em um limbo legal.

Essas substâncias apresentam potencial de causar dependência e de serem utilizadas de forma abusiva ou indevida. Devido a estas características, é importante que os prescritores sejam conhecidos pela Autoridade Sanitária (...). Além disso, [essas substâncias] apresentam alto potencial de desvio para o uso ilícito, motivo pelo qual se enquadram no conceito de droga.
Nota técnica da Anvisa nº 183 de 2020

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