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Estados americanos oferecem tratamento conjunto de DSTs para pacientes e seus parceiros

O médico Matthew Golden dirige o programa de Aids e DSTs de Seattle do Condado King. Para reduzir as taxas de gonorreia e clamídia, 31 Estados americanos permitem o tratamento não apenas para pacientes, mas também para seus parceiros, mesmo sem atendimento médico direto. A prática, entretanto, não é tão utilizada, pois a maioria dos Estados não cobre os custos de medicamentos e muitos médicos não se sentem confortáveis com o fato de tratarem pacientes que não os tenham consultado  - David Ryder/The New York Times
O médico Matthew Golden dirige o programa de Aids e DSTs de Seattle do Condado King. Para reduzir as taxas de gonorreia e clamídia, 31 Estados americanos permitem o tratamento não apenas para pacientes, mas também para seus parceiros, mesmo sem atendimento médico direto. A prática, entretanto, não é tão utilizada, pois a maioria dos Estados não cobre os custos de medicamentos e muitos médicos não se sentem confortáveis com o fato de tratarem pacientes que não os tenham consultado Imagem: David Ryder/The New York Times

Jan Hoffman

12/02/2015 06h00

Recentemente, enquanto colocava asas de frango em uma fritadeira de um restaurante de fast-food no subúrbio de Seattle, William, 21, chamou sua "quase-namorada", uma entregadora de pizza de 18 anos. Ele tinha más notícias.

Seus exames haviam dado positivo para gonorreia e clamídia. Isso significava que havia uma grande possibilidade de que ela também estivesse infectada.

Acusações barulhentas e cheias de insultos se seguiram. Mas a conversa não terminou ali, como seria de se esperar em outras circunstâncias.

Isso porque William, que pediu para ser identificado apenas pelo nome do meio para proteger sua privacidade, conseguiu incluir algumas boas notícias. A quase-namorada – em sua definição – não precisaria encarar a chatice e o constrangimento de passar por exames.

A clínica que ele frequenta já havia fornecido receitas para os dois; e o próprio William podia dar a ela os antibióticos. De graça. Na hora.

Ela debochou dele, mas pegou as pílulas. Depois do trabalho, até lhe ofereceu uma carona para casa.

“Fiquei muito feliz de poder dar os remédio a ela, porque assim ela não precisou gastar um monte de tempo e dinheiro. Somos jovens e pobres”, diz William.

Para diminuir as taxas de gonorreia e clamídia, pelo menos 31 estados permitem que as clínicas tratem os parceiros sexuais dos pacientes sem ao menos vê-los em pessoa, uma intervenção de saúde pública conhecida como “terapia facilitada de parceiro”, ou EPT (sigla em inglês para Expedited Partner Therapy).

Quando um exame dá positivo para infecções transmitidas sexualmente, a clínica fornece a medicação não apenas para o paciente, mas para que ele também ofereça ao parceiro (em alguns lugares, até para cinco parceiros). Algumas vezes, o médico pode mandar a receita do parceiro para uma farmácia. O estado de Washington também paga pelo remédio, sem levar em conta se o parceiro pode ou não arcar com a despesa.

Uma grande pesquisa sobre o programa de EPT de Washington, que acabou de ser publicada pelo jornal PLOS Medicine, sugere que a estratégia diminui as taxas de infecção em 10 por cento. Mas, apesar de muitas organizações de saúde americanas aprovarem o EPT, com destaque para o Centro de Prevenção de Controle de Doenças (CDC na sigla em inglês), o programa continua com pouca adesão, já que a maioria dos estados não paga o custo dos remédios, e porque muitos médicos não se sentem confortáveis em tratar pacientes que não examinaram.

Nos poucos estados que possuem leis obrigando o contato direto entre médicos e pacientes, o EPT é ilegal. E, apesar de alguns estados, como Havaí, Arizona, Colorado, Nebraska, e, no mês passado, Michigan, autorizarem explicitamente o EPT, sua situação ainda é ambígua legalmente em pelo menos dez deles.

Na Pensilvânia, onde a regulamentação não proíbe nem recomenda o EPT, a pesquisadora de saúde pública Elian A. Rosenfeld entrevistou os provedores de saúde. Apenas 11 por cento deles usam o programa regularmente. Apesar de a maioria achar a prática benéfica, eles têm reservas sobre o fato de não examinar os parceiros de seus pacientes.

Vários expressaram medo de que o programa possa violar a ética médica e torná-los vulneráveis a processos legais.

Muitos dos entrevistados, afirma Elian, “querem ter certeza de que seus pacientes estão em um relacionamento seguro antes de oferecer o EPT e sentiram que não tinham o treinamento necessário para isso”.

Chris Stolle é ginecologista e representante do estado em Virgínia, onde os esforços legislativos de apoio ao EPT estão parados. Ele é a favor de certos aspectos do tratamento, mas diz que os médicos precisam de alguma ligação com os parceiros dos pacientes.

“O médico prefere conversar com o parceiro antes de prescrever antibióticos, para ter certeza de que a pessoa não tem alergias. Não dá para só entregar receitas. Pelo menos temos que ter um contato por telefone”, afirma ele.

Os especialistas do CDC dizem que quando o programa distribuiu os antibióticos azitromicina e cefixima não houve casos documentados de reações alérgicas. Os remédios vinham com recomendações e alertas de alergias.

A lógica de saúde pública para o EPT é clara. Em 2013, de acordo com o CDC, houve 1,4 milhões de casos declarados de clamídia e 333 mil de gonorreia. Os números verdadeiros podem ser pelo menos o dobro. As infecções atingem de maneira desproporcional os jovens com idades entre 15 e 24 anos.

A clamídia normalmente é assintomática. Se não forem tratadas nas mulheres, a clamídia e a gonorreia podem levar a doenças inflamatórias da pélvis, gravidez ectópica e infertilidade. Nos homens, podem causar secreção, dores ao urinar e inchaço nos testículos.

Porém, entre todas as infecções transmitidas sexualmente, essas duas estão entre as que podem ser tratadas de maneira mais rápida e barata.

Enquanto os especialistas estimam que cerca de 50 por cento dos parceiros dos pacientes que descobrem que foram expostos à doença irão procurar tratamento, muitos não vão por causa da inconveniência, da perda de privacidade e dos custos. Embora o EPT não seja preferível ao contato direto, dizem os especialistas, o programa pode ser mais fácil de implantar.

Mas muitos médicos, treinados para cuidar de pacientes individuais, não estão focados em considerações mais amplas sobre a saúde pública.

A doutora Gail Bolan, diretora de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis do CDC, afirma que dado o dano que a clamídia é capaz de causar nas mulheres, o EPT pode, na verdade, ser pensado como um cuidado individual entre o médico e o paciente.

“Para as mulheres, é uma estratégia para prevenir a reinfecção e assim evitar complicações”, avisa ela.

Estudos feitos ainda em 1998 e uma pesquisa de 2005 publicada no The New England Journal of Medicine mostram que quando o paciente pode dar o remédio ao parceiro, sua taxa de reinfecção cai. Em 2013, uma pesquisa com 387 adolescentes urbanos mostrou que 85 por cento gostariam de participar nesse esquema.

Alguns estados autorizam o EPT somente para a clamídia. Uma barreira para incluir a gonorreia é que a mais recente recomendação do CDC para o tratamento inclui uma injeção, que não é apropriada para terapia facilitada de parceiros. Mas se o EPT é a melhor maneira de garantir que o parceiro receberá o tratamento, o CDC diz que não há problema em usar o medicamento oral.

Até agora, o CDC apoiou o EPT apenas para parceiros heterossexuais. A doutora Gail diz que a eficácia do EPT ainda não foi avaliada entre homens que têm relações sexuais com outros homens.

Mas, segundo ela, a questão mais importante é que, como as infecções de gonorreia e clamídia nesses pacientes podem estar associadas à sífilis ou ao HIV, autoridades de saúde pública preferem usar seus recursos limitados para encorajar os pacientes a buscarem uma consulta minuciosa.

O programa EPT de Washington pode ser o mais importante do país. A chave para seu sucesso, de acordo com o doutor Matthew Golden, principal autor do estudo publicado no mês passado e diretor dos programas de HIV e DST em Seattle, é que o estado encara a compra dos remédios como um interesse público.

“Pense nisso como uma vacina”, explica ele. Golden estima que o custo para o estado seja cerca de US$ 150 mil. Para William, o programa não cura apenas o problema médico, mas também o emocional. Apesar de não ter certeza da fonte de suas infecções, ele admite que o sexo sem proteção que teve com uma stripper cerca de um mês antes de conhecer sua amiga entregadora de pizza pode ter contribuído para o problema.

“Eu me senti muito bem de poder resolver uma questão que posso ter causado”, afirma ele.