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Venda de maconha estatal no Uruguai enfrenta seu maior desafio: os bancos

19.jul.2017 - Jovem cheira maconha legalizada após comprar em uma farmácia em Montevidéu, Uruguai - Matilde Campodonico/ AP
19.jul.2017 - Jovem cheira maconha legalizada após comprar em uma farmácia em Montevidéu, Uruguai Imagem: Matilde Campodonico/ AP

Em Montevidéu

25/08/2017 12h28

O número de compradores da maconha estatal no Uruguai cresce rapidamente, mas a recusa de bancos a operar com empresas que vendem cannabis por medo de sanções internacionais ameaça a iniciativa.

Em 19 de julho, o Uruguai começou uma operação inédita de venda de maconha com fins recreativos em farmácias, produzida por empresas privadas sob controle do Estado.

Essa é a última etapa de uma lei aprovada em 2013 pelo então presidente José Mujica, que apresentou como "um experimento" contra o tráfico ilegal de drogas.

Das quase 5 mil pessoas inscritas antes do começo das vendas no registro que autoriza a compra de 40 gramas mensais, o Instituto de Regulamentação e Controle do Cannabis (IRCCA) conta agora com mais de 12 mil compradores, e o estoque de maconha nas farmácias se esgota rapidamente.

A discussão da lei e a implementação de seus três braços - autocultivo em casa, cultivo em clubes cooperativos e venda em farmácias - foram alvo de duras críticas e também da oposição da maioria dos uruguaios, segundo uma pesquisa de julho passado.

Mas, um mês depois de ter começado a venda, o principal problema vem de uma origem para muitos inesperada: os bancos.

Primeiro, o espanhol Banco Santander avisou aos farmacêuticos que vendem maconha que encerraria suas contas.

"Decidimos não participar desta rubrica como não se participa em outros. Além disso, por ser um banco global com clientes que usam bancos em vários países, devemos cumprir diversas normativas locais", disseram fontes do banco consultadas pela AFP.

Na última quinta-feira, o estatal Banco República (BROU), que alguns viam como alternativa ao setor privado, anunciou que também não ia fazer essa operação. O presidente, Jorge Polgar, manifestou ao jornal El Observador que, caso contrário, "provocaria o isolamento financeiro do BROU e de seus clientes, impedindo-lhe de realizar qualquer tipo de operação com contrapartida internacional".

Sem soluções à vista

A preocupação entre os farmacêuticos é patente. Alguns já expressaram a intenção de deixar de vender maconha.

A decisão dos bancos, que querem cumprir sobretudo a normativa americana, parece ter surpreendido as autoridades uruguaias.

"A verdade é que não sabíamos que isso poderia acontecer", expressou o ministro da Economia, Danilo Astori, citado pelo jornal La República. "É preciso encontrar o caminho, e estamos buscando-o" para compatibilizar o cumprimento da lei aprovada no Uruguai com as normas internacionais, completou.

A ameaça que paira sobre a venda legal de maconha é um "risco certo", manifestaram à AFP fontes vinculadas à elaboração da legislação.

Ao mesmo tempo, Mujica, pai da iniciativa, lançou uma dura advertência ao atual governo de Tabaré Vázquez, seu sucessor de seu partido.

"Se isso estiver bloqueado, todo o Parlamento será bloqueado", disse o atual senador, cujo bloco político possui a maior bancada do Congresso.

Segundo o professor da Universidade da República Adolfo Garcé, consultado pela AFP, Mujica pensa no sistema "como se fosse seu filho. Ele suportou bem certas dilatações" para implementá-lo, "mas acabou sua paciência. Ele faz ameaças bem a sério".

Imprevisto

Julio Calzada, um dos principais promotores e articuladores do projeto que virou lei quando estava à frente da Junta Nacional de Drogas, disse à AFP que "há alternativas" a médio prazo, mas que ainda "não estão no Uruguai". "Nós temos que gerenciá-las com os bancos norte-americanos".

"O Uruguai trabalhou muito seriamente acerca desse tema", afirmou Calzada, que indicou que todos os órgãos do controle de drogas do Estado, assim como o Ministério da Economia, participaram da discussão da Lei de Regulamentação da Cannabis, e lembrou que no Uruguai o "sistema de comercialização (em farmácias) é legal".

Esse trabalho "atinge o governo e a Frente Ampla", estimou o cientista político Garcé.

"Depois de tanto tempo discutindo o assunto, depois de tantos avanços concretos, depois de ter plantado a maconha, depois de ter colhido ela, depois de ter chegado às farmácias, não poder comercializá-la por um problema que não tinha sido previsto é um golpe muito duro", resumiu.

Além disso, "para o Uruguai esse assunto se transformou em uma bandeira, em publicidade favorável ao país", refletiu.