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PT de Lula ante a difícil tarefa de comandar a oposição a Bolsonaro

31/10/2018 14h11

Rio de Janeiro, 31 Out 2018 (AFP) - O partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de resolver com seu líder preso como contornar o visível antipetismo que impera no Brasil, antes de poder comandar a oposição contra o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro.

Totalmente desprestigiado pela corrupção que envolve quase toda a classe política, o PT enfrentou e perdeu nas urnas para um militar saudosista da ditadura, contra a qual Lula e sua formação construíram sua história.

"Houve um trabalho muito forte de desacreditar o PT com fake news (...) o antipetismo cresceu como o anticomunismo naquela época", explicou à AFP o ex-chanceler de Lula, Celso Amorim.

Bolsonaro explorou a fundo o ressentimento de milhões de brasileiros contra a esquerda que governou o país de 2003 a 2016 e, surfando na onda nacionalista e ultraconservadora que toma conta do mundo, derrotou Fernando Haddad por uma margem de dez pontos (55% a 45%).

No entanto, Bolsonaro também é o vilão de milhões de brasileiros assustados com seu discurso ofensivo para com as minorias e proposta radical contra o crime, que inclui flexibilizar o acesso às armas para a "gente de bem".

Sua chegada ao poder, no dia 1o. de janeiro, também escandaliza feministas e ecologistas e muitos governos saudaram com cautela sua vitória.

"Acho que há bastante oportunidade para o partido do PT e outros partidos estarem no lado certo da luta, colocar as questões que são historicamente ligadas aos direitos fundamentais e individuais", afirma César Zucco, analista político da Fundação Getúlio Vargas.

- Descolar de Lula -Com 56 deputados, o PT ganhou a maior bancada na câmara e ficou com seis senadores para exercer a oposição em um dos Congressos mais fragmentados e conservadores desde o retorno da democracia.

Bolsonaro, que catapultou o Partido Social Liberal (PSL) como a segunda força na Câmara, terá que construir uma coalizão baseada em um mosaico de cerca de trinta partidos.

Embora o terreno pareça favorável a uma esquerda que cresceu em oposição ao regime militar, o PT enfrenta o dilema Lula, que desde abril paga uma pena de 12 anos de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

A batalha judicial para obter sua libertação praticamente consumiu o trabalho político do PT, que defende a inocência de seu fundador.

"Não há um clamor generalizado para que se solte Lula, mas se essa for a principal bandeira do PT, o PT vai dar um tiro no pé", enfatiza Zucco.

O partido, que tem uma base cativa de 30% do eleitorado, é forçado a atrair novas forças para alcançar o que não conseguiu nas eleições: armar uma grande frente contra Bolsonaro.

Ciro Gomes, terceiro lugar no primeiro turno eleitoral, já rompeu com seus ex-aliados, acusando-os de propiciar o fenômeno Bolsonaro.

"O lulopetismo virou um caudilhismo corrupto e corruptor que criou uma força antagônica que é a maior força política no Brasil hoje. E o Bolsonaro estava no lugar certo, na hora certa", declarou em uma entrevista publicada nesta quarta-feira pelo jornal Folha de S.Paulo.

- Substituição -Para Ricardo Musse, professor de sociologia da Universidade de São Paulo e especialista em PT, o partido de Lula não está em condições de se distanciar do fundador para conquistar mais apoios.

"O Lulismo é maior que o PT. O partido tem o apoio dos trabalhadores organizados, movimentos sociais, mas Lula tem o da massa desorganizada da sociedade, a dos mais pobres", enfatiza.

Foi precisamente na região empobrecida do nordeste do Brasil que Haddad obteve 20,2 milhões de votos, dos 47 milhões que ganhou na votação.

O ex-prefeito de São Paulo só assumiu a candidatura do PT em setembro, após a de Lula ser indeferida pela Justiça.

Haddad saiu fortalecido da eleição, embora sua liderança dificilmente possa unir as diferentes correntes de seu partido.

"O PT não é um partido homogêneo (...) vai ter um setor que vai tentar se desvincular do Lula, vai ter um setor que vai conduzir a oposição política e ela será basicamente a posição do Fernando Haddad e haverá um setor que vai preconizar a resistência, ações de rua", acrescenta Musse.

Tudo isso ocorrerá à medida que o processo de renovação geracional e a estratégia político-geográfica progredirem.