Topo

Turquia e curdos trocam acusações sobre violação da trégua na Síria

Soldados pró-Turquia da Síria participam de ofensiva contra áreas controladas por curdos - Nazeer Al-khatib / AFP
Soldados pró-Turquia da Síria participam de ofensiva contra áreas controladas por curdos Imagem: Nazeer Al-khatib / AFP

Tal Tamr, Síria

19/10/2019 16h05

As forças curdas e a Turquia trocaram acusações neste sábado sobre a violação do acordo de cessar-fogo que suspendeu a ofensiva turca, iniciada em 9 de outubro, no norte da Síria em troca de uma retirada dos curdos da região de fronteira.

"O exército turco acata plenamente o acordo anunciado na quinta-feira em Ancara", com mediação dos Estados Unidos, afirmou o ministério turco da Defesa. "Apesar disso, os terroristas (como Ancara identifica as milícias curdas) executaram um total de 14 ataques nas últimas 36 horas", completou.

O comando das Forças Democráticas Síria (FDS, milícias curdas e árabes) afirmou neste sábado em um comunicado seu "compromisso com o respeito ao cessar-fogo".

Mas um de seus comandantes, Redur Khalil, afirmou à AFP que "a parte turca não a respeita, não permite a abertura de um corredor humanitário para retirar os feridos e civis bloqueados em Ras al Aín", localidade síria próxima da fronteira com a Turquia.

De acordo com a ONG Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), 32 feridos, em sua maioria combatentes, precisam de atendimento de emergência. Outros seis milicianos das FDS morreram neste sábado depois que não resistiram aos ferimentos - o comboio humanitário não conseguiu chegar a Ras Al Ain.

Na sexta-feira, a trégua já parecia frágil, quando bombardeios aéreos dos turcos e disparos de artilharia dos rebeldes pró-Turquia provocaram as mortes de 14 civis em uma localidade na fronteira norte da Síria, segundo o OSDH.

Os curdos denunciaram de imediato uma "violação" do cessar-fogo.

Imagem feita de fumaça subindo na cidade de Ceylanpinar, na Turquia, perto de fronteira com a Síria - Ozan Kose/AFP - Ozan Kose/AFP
Imagem feita de fumaça subindo na cidade de Ceylanpinar, na Turquia, perto de fronteira com a Síria
Imagem: Ozan Kose/AFP

Questionado sobre o acordo de cessar-fogo alcançado com o presidente turco Recep Tayyip Erdogan, o secretário de Estado americano Mike Pompeo admitiu que a medida não foi "instantaneamente" aplicada pelos beligerantes.

Ele citou problemas de "coordenação" para garantir "uma retirada segura das YPG (curdos das Unidades de Proteção Popular, integrantes das FDS) da zona controlada pelos turcos coberta pelo acordo".

Pompeo recordou na sexta-feira que as forças curdas, chamadas de "terroristas" por Ancara, ainda tinham 96 horas até terça-feira à noite para abandonar as zonas de fronteira com a Turquia.

Se ao final do prazo a retirada não for efetiva, a ofensiva turca, iniciada há 10 dias, poderá ser retomada, alertou Erdogan.

A Turquia considera as forças curdas sírias como "terroristas" por suas relações estreitas com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que trava um violento confronto de guerrilha contra Ancara.

Porém, esta milícia curda foi aliada da coalizão internacional na luta contra o grupo extremista Estado Islâmico (EI) e agora sente que foi abandonada, especialmente pelos Estados Unidos, que anunciou a retirada de seus militares da região.

A operação de Ancara com seus aliados locais sírios abriu uma nova frente de batalha na Síria, país em guerra desde 2011 onde as forças curdas estabeleceram de fato uma região semiautônoma no norte da Síria.

Na quinta-feira à noite, a Turquia aceitou suspender a ofensiva por cinco dias, mas exigiu a retirada das forças curdas da fronteira para acabar com o ataque.

De acordo com o OSDH, mais de 500 pessoas morreram dos dois lados desde o início da ofensiva, incluindo quase 100 civis, e 300.000 pessoas foram deslocadas.

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ameaçou neste sábado "partir a cabeça" das forças curdas, enquanto ambos os lados se acusavam mutuamente pela violação da trégua no nordeste da Síria, alcançada sob os auspícios dos Estados Unidos.

O acordo de trégua negociado por Washington e anunciado na quinta-feira envolve a retirada das forças curdas da região fronteiriça. Em troca, a Turquia encerraria a ofensiva lançada em 9 de outubro contra os turcos no norte da Síria.

A ofensiva custou a vida de dezenas de civis, na maioria curdos, e obrigou milhares de pessoas a deixarem suas casas no país há oito anos em guerra.

Erdogan advertiu que, se os curdos não deixarem o local em questão, "prosseguiremos [a operação militar] onde a deixamos e seguiremos partindo a cabeça dos terroristas" curdos.

O comandante das Forças Democráticas Sírias (FDS) - lideradas pelas milícias curdas-, Mazlum Abdi, disse à AFP que a Turquia impede que seus combatentes se retirem, para poder acusar os curdos de descumprir o acordo de cessar-fogo.

"Os turcos impedem a retirada do setor de Ras al Aín, impedem a saída de nossas forças, de civis e de feridos", afirmou Abdi, lembrando que o acordo negociado por Washington "contém um ponto essencial que estipula a abertura de um corredor sob os auspícios dos Estados Unidos".

A Turquia desmentiu a acusação de Abdi. "As Unidades de Proteção Popular (YPG) estão disseminando informações falsas para sabotar o acordo turco-americano", declarou à AFP um integrante do governo turco na condição de anonimato.

- Troca de acusações -Paralelamente, a ONG Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH) afirmou que houve disparos de artilharia contra Ras al Aín e outras populações vizinhas por parte das forças turcas e dos grupos sírios que as apoiam.

O acordo prevê a retirada das forças curdas de uma zona de maioria árabe, em que Ras al Aín se encontra.

Antes, o Ministério da Defesa turco havia acusado as FDS de não terem respeitado o cessar-fogo.

"Apesar disso, os terroristas [como Ancara classifica as milícias curdas] executaram um total de 14 ataques nas últimas 36 horas", indicou.

As forças armadas turcas e os grupos sírios que intervêm com elas se apoderaram de parte dessa cidade na quinta-feira.

O objetivo da ofensiva lançada pela Turquia pe estabelecer uma zona de segurança para criar um tampão entre sua fronteira e os territórios que estão nas mãos das forças curdas. Além disso, Erdogan quer instalar nessa área parte dos 3,6 milhões de refugiados sírios que vivem atualmente na Turquia.

Na sexta-feira, a trégua já parecia ruir quando bombardeios aéreos dos turcos e disparos de artilharia dos rebeldes pró-turcos mataram 14 civis na fronteira do norte de Siria, segundo o OSDH.

Abdi afirmou que Estados Unidos não estava fazendo o necessário para obrigar Ancara a cumprir o acordo, conseguido após negociações entre Erdogan e o vice-presidente americano, Mike Pence.

"Se o acordo não for respeitado, consideraremos que ele era uma manobra dos americanos e dos turcos para dizer que nossas forças não se retiraram e consideraremos que se trata de um complô contra nossas forças", afirmou.

- Curdos ainda querem os EUA na Síria -Esta milícia curda foi aliada da coalizão internacional na luta contra os jihadistas do grupo Estado Islâmico (EI), e agora se sente abandonada especialmente pelos Estados Unidos, que anunciaram a retirada de seus militares do local.

A medida despertou uma onda de críticas, inclusive vindas do partido Republicano do presidente Donald Trump, porque se abre espaço para a Rússia estender sua influência na Síria.

Abdi, entretanto, anunciou que suas forças retomaram as operações contra o EI junto com a coalizão antijihadista liderada por Washington, e ressaltou que a presença dos americanos no país era, na sua opinião, importante.

"Retomamos as operações contra o EI em Deir Ezzor [norte da Síria]. Nossas forças estão trabalhando com as da coalizão", disse à AFP.

"Queremos que os americanos tenham um papel na Síria, para que os russos não monopolizem o terreno", acrescentou Abdi, cujas forças recorreram às tropas do regime de Bashar al Assad, apoiado por Moscou, em busca de proteção quando os americanos se retiraram.

"Nos interessa que as forças americanas fiquem para manter o equilíbrio na Síria", declarou.

A Turquia, por sua vez, pediu aos Estados Unidos que use sua "influência" com as forças curdas para que se retirem "sem incidentes" do nordeste da Síria, conforme um acordo para pôr fim à ofensiva turca, informou neste sábado à AFP o porta-voz da presidência.

"Estamos comprometidos com esse acordo [concluído na quinta-feira com os Estados Unidos]. Este prevê sua saída em um prazo de cinco dias e pedimos a nossos amigos americanos que usem sua influência e seus contatos para garantir que [os combatentes curdos] se retirarão sem incidentes", afirmou o porta-voz Ibrahim Kalin, durante uma entrevista à AFP.